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86 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

O Hino Pindàrico a Zeus

86 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

Essa libertação dos Titãs é lembrada por Pindaro também outr¿¡§ vezes (P., 4, 291); antes dele, ninguém falara nela; mas Ésquilo, séti contemporâneo, já põe em cena os Titãs libertados. Em Pindaro,| j libertação dos Titãs ocorre, sem dúvida, num período muito posteriori isto é, depois que apareceram para o mundo, um a um, sucessiváf? m ente, os diversos deuses olím picos; processo esse que ele deve te|| narrado de forma mais extensa. Possuím os dois fragmentos, um r e | lativo ao nascim ento de A poio (fr. 147), outro ao de Atena (fr. 34)J Um pressupõe a união de Zeus com Leto, que deve ter sido m en ciál nada, portanto, com o mulher de Zeus; o outro pressupõe a existência^ de H efestos, que, com o martelo, golpeia a testa de Zeus, de ondá salta a deusa armada de escudo (é assim que Pindaro representa if episódio nas 01., 7, 35)6, e portanto, o casamento com Hera, mãe def H efestos. Mas o texto desse fragmento diz: “(Zeus) o qual, golpeado, pelo sagrado machado, dera à luz também a loira Atena” Talvez o' nom e de H efestos tenha sido posto de lado de propósito, já que Hera foi, seguramente, tanto para Pindaro quanto para H esíodo, a última mulher de Zeus e é para esse matrimônio de Zeus com Hera que toda a narrativa está orientada: se no início o assunto era Têmis, a pri­ meira mulher de Zeus, que dava ao mundo os ordenamentos da lei, isso já encam inhava a narrativa para o último matrimônio, que seria com Hera. E sse m atrim ônio introduzia, assim , a fase extrema dá arrumação do mundo realizada pelos deuses, isto é, a época em que? os O lím picos haviam feito triunfar a ordem e a beleza. N essa época;: restabelecera-se a paz sobre bases tão seguras que Zeus podia devoE ver a liberdade aos Titãs.

Durante o domínio de Zeus, fora-se, portanto, compondo aos pou­ cos, em acordo e harmonia, tudo o que era desordem e selvageria. E sse é o sentido que se oculta no excelso mito dos deuses, que tem início já na época anterior a Zeus, isto é, quando reinavam a violência e a necessidade, o que se torna patente pelo fato de ser esse mito: cantado nas núpcias de Carmo com Harmonia: Cadmo, que trouxera as primeiras formas da civilização a Tebas, casa-se com Harmonia e assim a ordem e a medida tomam o poder também na terra7

Essa concepção que já está na base do mito de Hesíodo e que é universalmente grega, pelo m enos para os gregos da era clássica do século V, foi desenvolvida por Pindaro de maneira pessoal e grandio­ sa. Através de um orador da antigüidade mais tardia aprendemos o seguinte (Aristides, 2, 142; cf. Coric, de Gaza 131 = fr. 31):

6. Ao passo que em outros lugares são citados, também. Prometeu e Hermes como os que teriam golpeado a testa de Júpiter. Cf. Preller-Robert, 1, 189, 3.

7. A “Harmonia” é, para Empédocles, o contrário de Ne í k o ç, o “dissídio” Para

Conta Pindaro que, nas bodas de Zeus, tendo este perguntado aos deuses se ainda lhes faltava alguma coisa, eles lhe pediram que criasse deuses que embelezassem com palavras e música aquelas grandes obras e tudo quanto ele fizera.

Pressupondo-se, aqui, que os deuses, com exceção dos que Zeus ainda devia criar, já existam e que o mundo já tenha atingido sua ordem definitiva, as referidas núpcias devem necessariamente ser as últimas núpcias de Zeus, isto é, seu casamento com Hera. Mas quem são esses deuses que ainda devem aparecer no mundo? A poio, talvez? Não pode ser só ele, já que se faz referência a vários. A lém disso, Apoio não pode nascer apenas quando Zeus reúne em torno de si os deuses e a ordem do mundo já foi instaurada, porque ele não é apenas o deus do canto. Também em Pindaro, o matrimônio com Leto, do qual nascem precisamente A polo e Artemis, devia preceder o casa­ mento com Hera, com o ocorre em Hesíodo, onde Leto é a sexta mu­ lher de Zeus e, portanto, a última antes de Hera. Restam, portanto, apenas as Musas. Mas também aqui existem dificuldades, visto que, segundo o m ito m ais con h ecid o, as M usas são filh as de Zeus e Mnemósine, a qual, para H esíodo, é a quinta mulher de Zeus. Mas Pindaro não pode ter dito que os deuses haviam pedido a Zeus, duran­ te suas núpcias com Hera, que gerasse as Musas e que ele lhes tenha respondido: isso acontecerá com outro matrimônio. M esm o usando de toda a indulgência possível para com os casamentos de Zeus, não nos parece ser este um discurso nupcial conveniente. M ais provável é que ele, que em outros lugares nos apresenta M nem ósine com o mãe das Musas (Istm,, 6, 75; Pcie., 6, 56; 7b, 11), tenha preferido deixar a questão sem solução, colocando em segunda linha o casamento de Zeus com M nem ósine, com o o de Zeus com Métis. Pouco adm issível8 é que lhes tenha atribuído outra mãe - Hera, talvez - ou outro pai, mas aqui só fazemos tatear no escuro. A cena, em si, é clara. Agora tudo está em ordem, os deuses tomam seus lugares no banquete nupcial e Zeus pergunta: O que falta ainda a este belo mundo? E os deuses respondem: seres divinos que lhe celebrem a beleza. S e essa cena tivesse chegado até nós na forma que foi dada por Pindaro, e não apenas como um árido relato em prosa, teria certamente de ser incluída entre as mais famosas da literatura grega. A importância que tem a poesia para o m undo não poderia ter ganho de Pindaro expressão mais eficaz: no dia em que o mundo atinge sua forma perfeita, ele afirma: nenhuma beleza pode ser perfeita se não houver alguém que a celebre. Quando Pindaro diz, repetidamente, que os grandes feitos requerem um cantor que os salve do esquecim ento e do perigo de

8. Os escolios (Euríp., M e d 834) falam de Harmonia como mãe das Musas, mas deixam ao mesmo tempo compreender que se trata de uma versão não documentada.

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