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14 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

i O Homem na Concepção de Homero

14 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

mas é um ver que não indica som ente o puro ato visual, e sim também; a atividade espiritual que acompanha o ver. Aqui, ele se aproxima ddj significado de yiyvcooKEiv. M as yiyvcomcEiv significa “reconhecer’’ sendo, portanto, usado sobretudo quando se quer identificar uma pes­ soa, ao passo que voeív se refere mais a situações determinadas e sign ifica ter uma representação clara de algum a coisa. Isso deixa claro o significado de vóoç. Ele é o espírito entendido com o sede dev representações claras e, portanto, com o órgão que as suscita. Assim na

I

liada (XVI,

688),

àXX' odeí

X£ àiòç

Kpeíocxüv vóoç

f|é

7iep àvÔpcòv: “o vóoç de Zeus é sempre mais poderoso que o do hom em ” vóoç éi

quase um olho espiritual que vê com clareza21. Com uma ligeira trans­ posição de sentido, vóoç pode também referir-se à função. C om o fun­ ção duradoura, vóoç é a faculdade de ter idéias claras; corresponde, portanto, a entendim ento; assim , na Ufada (XIII, 730), aÀÀcp pév yàp ôajKe

0eòç

7io^£|af|ia spy a... âXXa> 5 ’ èv axf|0£oai xi0£ i vóov EupúoTia Z£bç èadXòv: “a um, Zeus destina a ação guerreira, ao ou­ tro, Zeus coloca no peito o nobre vóoç”. Aqui passam os do significa­ do de “m ente” para o de “pensam ento”, significados esses muito pró­ xim os um do outro. Em alemão, podem os empregar a palavra Verstand

(= a mente, intelecto) tanto para designar o espírito quanto para in­ dicar a função e as faculdades do espírito.

D aí a dar à palavra vóoç a tarefa de designar a função isolada, a representação clara considerada isoladamente, o passo é outro; assim, por exem plo, quando se diz que alguém excogita um vóoç (cf. //., IX, 104: oõ yáp xiç vóov àXXoq á p d v o v a xoõôe votigei; O d., V, 23: ox> yàp ôf) xoõxov p,èv èpoó^EDaaç vóov aw rj). E sse significado já ultra­ passa, portanto, o significado das nossas palavras espírito, alma, inte­ lecto e assim por diante. O m esm o se pode observar a propósito da palavra ©'ojxóç. Quando se diz que alguém sente alguma coisa, %axà

0opóv, 0o}ióç é, nesse caso, um órgão e podemos traduzir a palavra por “alma”, mas devem os ter presente que se trata da alma sujeita às “em oções”. Porém 0\)póç virá também em seguida determinando uma função (e então poderemos traduzir a palavra por “vontade” ou “cará­ ter”) e também a função isolada: também essa expressão, portanto, tem um sign ificad o m uito m ais am plo do que as nossas palavras “alma” e “espírito” Isso aparece de modo bastante claro na Odisséia

(IX, 302), onde Odisseu diz: exepoç 8é ji£ 0upòç epuKEv: “um outro

0t>|ióç m e retém”, e aqui, portanto, 0upóç se refere a um particular m ovim ento do ânimo. Temos, assim, um significado claro e preciso, tanto para 0ujxóç quanto para vóoç.

21. Também Platão vê o vovç como o^iga tíiç yvxfiç: O Banquete, 219a; Rep., 7 ,533d;

15 Mas que valor tem tudo o que dissemos ante a concepção que tem Homero do espírito humano? Poder-se-ia, num primeiro momento, pen­ sar que Gnpóç e vóoç são algo semelhante àquelas partes da alma de que fala Platão. Só que isso pressupõe a unidade da alma, e é exatamente essa unidade que em Homero se ignora22 Gupóç, vóoç e \|n)%q são, por assim dizer, órgãos separados que exercem, cada um por seu turno, uma função particular. Esses órgãos da alma não se distinguem substancial­ mente dos órgãos do corpo. Também nós, quando queremos determinar os órgãos do coipo, temos de passar do órgão para a função e desta para a função isolada. Dizem os, por exemplo, “ver algo com outros olhos” e, neste caso, o olho não é o órgão, visto que a frase naturalmente não quer dizer que se usam, neste caso, outros olhos; “olho” indica aqui a função do olho, o “ver”, e a frase significa, portanto, olhar alguma coisa “com um olhar diferente”, “com diferente disposição de ânimo” Da mesma maneira também se deve entender o etepoç Gupóç de Homero. A s duas frases há pouco citadas, que contêm a palavra vóoç, fazem-nos ir mais além. Aqui o significado de vóoç já passa da função para o efeito do voetv. De qualquer modo, a frase vóov àpeívova vorjaet também pode ser traduzida assim: “ele terá uma representação melhor”, mas aqui “re­ presentação” não mais significa o ato de representar e sim, a coisa repre­ sentada. O mesmo podemos dizer da frase Tomov èpoúÃetxxxç vóov. D e qualquer modo, é importante o fato de que vóoç, em ambas as passagens (e estas são as únicas em Homero onde esse termo tem o significado de vórjpa, “pensamento”), apresenta-se como objeto interno dos verbos voetv e ßonÄeuetv. Muito vizinha ainda se sente a influência do verbo voetv, isto é, a função.

Propositalmente evitamos dar ênfase, nestas pesquisas, à diferença entre “concreto” e “abstrato”, visto ser, em si mesma, pouco segura; mais útil nos será atermo-nos, também, para o futuro, à diferença entre órgão23 e função. Não se deve, por exemplo, pensar que Gopóç tenha em Homero um significado “abstrato” apenas porque uma vez aparece na forma áGopoç. Então também se deveria dizer que “coração” ou “cabe­ ça” são formas abstratas, já que podemos dizer que uma pessoa não tem coração ou que perdeu a cabeça. Se digo que alguém tem boa cabeça, refiro-me com isso à sua inteligência, assim com o quando digo que al­ guém tem bom coração estar-me-ei referindo a seu sentimento; também nesses casos, o órgão está no lugar da função. A s expressões “sem cora-

22. É muito mais provável que Platão derive sua concepção sobre as diversas partes da alma das concepções homéricas e use a imagem do ôopóç apenas com escopo “pedagógico”; de fato, a diferença entre vobç e 0vpóç manteve-se viva exatamente nas máximas que convi­ dam à moderação (a respeito, cf. pp. 187-188).

23. Onde falta, no entanto, como sublinha acertadamente E. R. Dodds, op. d /., 16, toda e qualquer idéia de um organismo supra-ordenado em relação às paites.

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