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58 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

na Lírica Grega Arcaica

58 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

'-i um período de perto de duzentos anos, aproximadamente todo o tempori portanto, durante o qual floresceu a lírica grega arcaica. Poderemos,? assim, dar relevo suficiente não só aos traços comuns mas também aos%

traços individuais desses poetas. ;

M ovem o-nos, porém, num campo que não oferece senão escás-J sos fragmentos. Para encontrarmos nos poucos poemas-, chegados até;! nós com pletos, de Arquíloco, Safo e Anacreonte, e nas citações em ? geral muito breves, feitas por escritores mais tardios, uma resposta às 1 nossas pesquisas sobre o valor histórico-espiritual dos primeiros líri-:? cos gregos, temos amiúde de considerar com o um tesouro até mesmo * pormenores mínimos. À s vezes, é quase apenas por acaso que conse- ' güim os estabelecer a derivação de um pensamento ou de um tema, * originados de outro mais antigo e assim pôr em relevo, de quando em - quando, o que se apresenta com o novo e característico. Mas, no final, esses novos elem entos fecham -se num quadro unitário e vem os, as­ sim , que o caminho seguido pelos líricos leva a uma determinada direção, e aquilo que, num primeiro momento, poderia parecer varian­ te de um mesmo pensamento ou interpretação pessoal de um tema tra-; dicional, revela-se com o parte de um processo histórico mais amplo.

Arquíloco encontrou, na Odisséia, o verso (XIV, 228): “Quem com um trabalho se alegra, quem com outro” E o transformou assim (4 1 )1: “Cada um de diversa maneira o coração aquece”

A idéia de que os homens tenham metas diferentes não está ex­ pressa claramente na Ilíada. N a Odisséia chegou-se, portanto, a um conhecimento mais sutil da diversidade existente entre os homens; daí parte Arquíloco e eis que essa diversidade se torna um conceito funda­ mental da era arcaica: Sólon diz-nos claramente que os caminhos da vida são diversos, e Pindaro, sobretudo, apresenta-nos múltiplas variantes desse pensamento. Também a sensibilidade ante as mutações a que está sujeito o indivíduo no tempo faz-se mais aguda. Na Odisséia, Arquíloco lê (XVIII, 136 e ss.): “Diverso é o pensamento do homem que vive sobre a terra, conforme o dia que o pai dos Numes faz surgir”

E dirige estas palavras a seu am igo G lauco (68): “V ário é o ânim o dos hom ens, ó G lauco, filh o de Léptine: muda segundo o dia que Zeus lhes manda e só com o próprio interesse concorda o p en sam en to”1 2

1. Os números, aqui e mais adiante, colocados na frente dos fragmentos dos líricos, referem-se à 2il ed. da Anthologia Lyrica de Diehl. No tocante aos líricos, cf. Rudolf Pfeiffer e Philoligus, 84, 1929, 137; W. Jaeger, Paideia, I; Hermann Gundert, Das neue Bild der

Antike, 1 ,130; H. Frankel, Philosophie und Dichtung, 182 e ss. O verso citado de Arquíloco

lembra também os versos IV, 548 e ss. e VIII, 166 e ss. da Odisséia.

2. A relação entre Arquíloco e a passagem da Odisséia é, aliás, uma questão debati­ da; parece-me certa, porém, a prioridade do verso da Odisséia’, cf. R. Pfeiffer, Deutsche Lit.

O fato de Arquíloco valer-se justamente dessas duas expressões da Odisséia, que sublinham a condição instável do homem exposto às influências estimulantes e coativas que as coisas sobre ele exercem , faz-nos ver quão profundamente ele sentia esse estado incerto do ho­ mem; outros versos confirmarão essa impressão. A té aí, decidida­ mente, nada de novo. Mas a diversidade dos pontos de vista faz com que a pessoa sinta mais agudamente o próprio eu na sua particulari­ dade, e disso nasce verdadeiramente algo de novo para o mundo.

Que o homem possa contrapor sua opinião à dos outros, já o apren­ demos com um poema de Safo, achado no Egito, num papiro bastante danificado. Restaurado, o poema (27) diz aproximadamente o seguinte:

Alguém dirá que da negra terra os cavaleiros são a coisa mais bela, outro que os soldados ou os navios, e eu, o que o coração, amando, deseja. E isso a todos poderei provar. Pois até ela, a mulher mais bela. Helena, abandonou o melhor dos homens, causando a ruína da excelsa Tróia; nem na filha pensou, nem nos pais queridos, seduzida por amor, para longe a arrebatou Cípris. Fácil é vencer um coração de mulher; facilmente a paixão lhe ofusca a mente. Ela agora me lembra Anactória distante. Seu andar garboso, cheio de graça, e o esplendor de seu rosto radiante me são mais caros que os carros lídios, mais que as pelejas dos soldados armados.

Como introdução e final do poema, Safo usa o “preâmbulo”, for­ ma popular para dar relevo a uma coisa diante de outra. Safo vale-se dele para contrapor sua opinião à dos outros. À s esplêndidas coisas que todos admiram, às paradas de cavaleiros, soldados e navios, con­ trapõe uma sim ples coisa: o gracioso andar e o semblante lum inoso da querida Anactória. “A coisa mais bela é a que agrada”. A o esplen­ dor exterior, Safo antepõe o sentimento interior. O pensamento que Arquíloco extraíra de Homero: “Cada um de maneira diversa o cora­ ção aquece” colocava todos os valores sobre um m esm o plano; Safo diz qual é para ela o valor mais alto: o que a sua alma en volve com o sentimento do amor. Pensamentos semelhantes a esse ecoaram amiú- de na era arcaica; mas é em Safo que primeiro o encontramos3. D e outra feita, diz ela (152) de sua amada filha Cieis: “Não a entregaria nem por toda a Lídia”, e Anacreonte usa esse pensamento em forma

Frankel, op. eit., 185 e Am. Jouni. PhiloL, 60, 1939,477; W. Schadewaldt, Von Homers

Welt, nota 1 dap. 93.

3. É mais ou menos do tempo de Safo a inscrição do Létoon de Delos (Erich Bethe,

Hermes, 72, 1937, 201):

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A imensa importância que tinha para a época o problema do sumo valor demonstram- no não só as numerosas passagens dos líricos (Pindaro) mas também, por exemplo, as narra­ tivas dos Sete Sábios que procuram saber qual o homem mais feliz e qual o mais sábio. Mais adiante (p. 188), demonstraremos que ainda não existe aqui a incerteza da escolha.

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