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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.2. Estudos da Performance

3.2.2 Âmbitos e Domínios da Performance

Shechner (1988) entende a “acção” como basilar aos Estudos da Performance e identifica quatro âmbitos daí decorrentes: primeiro, o objecto de estudo que se centra no que as pessoas fazem durante a actividade de “fazer”; segundo, a prática artística como projecto em que existe uma relação estreita entre “estudar” performance e “fazer” performance; terceiro, a observação participante como método de investigação e trabalho de campo, com ênfase no conceito de “Outro”, de distância brechtiana e de work in progress (rehearsal

process); e, quarto, a intervenção social e a defesa de convicções. Qualquer uma destas

“acções” é informada pela dimensão ética.

Um maior interesse na cultura, ocidental e não ocidental, nas formas de abordagem das outras culturas, o desalento e crítica que o exotismo não intencional provocou, bem como fenómenos de inter e multiculturalidade levantaram novas questões sobre os objectivos e o corpus da performance. Nos Estudos da Performance encontram-se importantes referências nas abordagens ao interculturalismo com Patrice Pavis, em França, Erika Fischer- Lichte, na Alemanha, ou Diana Taylor e Philip Zarrilli, nos Estados Unidos.

A ligação da performance a outras áreas não teatrais tornou-se, para alguns, um dos fortes argumentos de diferenciação entre performance e teatro.43 Contra esta cisão, Pavis esclarece que:

“a transformação da prática teatral, a influência de formas não europeias e não literárias, a provocação e a difusão da „Performance Art‟ favorecem a adopção da

performance como novo modelo universal, simultaneamente teórico e prático. A

„Posmodern Performance‟ e a desconstrução de Derrida constituem o mais sério desafio para a concepção ocidental de encenação. As duas entidades serão brevemente obrigadas a entender-se.”

(Pavis, 2007: 50)

Quanto ao que se pode considerar ou não como espectáculo, Schechner afirma que: “Quer se chame a uma performance específica “ritual”, ou teatro, depende maioritariamente do contexto e da função onde esta é performatizada, por quem, em que circunstâncias e com que intenção. (…) O facto é que nenhuma performance é pura eficácia, ou entretenimento atractivo.”

(Schechner, 2006: 80)

A performance, informada pelo universo artístico e cultural em que é realizada, funciona como uma metáfora. Mas com a perspectiva de Goffman ou de Turner, também se pode constituir como ferramenta de pesquisa, oferecendo o enquadramento (framing) analítico de alguns fenómenos culturais e sociais. Seja como metáfora, ou como modelo de análise, Schechner (Ibid.) enquadra o entendimento da performance através dos postulados is

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performance, que remetem para o mundo da performance artística e manifestações culturais

– “art performance”, performance teatral, entre outras manifestações e actividades – e as

performance, que remete para o mundo como performance. Ambos os sentidos não tendem a

separar-se em duas categorias, mas complementam-se e confluem dentro de uma mesma área de conhecimento que favorece o entendimento da complexidade inerente à performance e ao acto performativo – to perform. Este autor, associa o termo to perform nas artes com espectáculo e to perform na vida quotidiana com extremos ou “mostrar-se” diante de outros. Pode também ser entendido na sua relação com: “Ser; Fazer; Mostrar fazer; Explicar o mostrar fazer.” (Schechner, 2006: 28), sendo esta última alínea o objecto de Estudos da

Performance.

Schechner sugere que uma das formas de abordar a complexidade da performance é distribuí-la por três grandes grupos: géneros da performance, comportamentos performativos e actividades performativas. Identifica nesta divisão de performance um paradoxo que é preciso acolher, a fim de entender toda a sua amplitude: performance é algo que está circunscrito, mas cuja identidade emerge da sua qualidade em diluir e em diluir-se noutras fronteiras. Salienta os seguintes géneros de performance: “(…) do quotidiano, das artes, do desporto e de outros entretenimentos populares, do negócio, da tecnologia, do sexo, do ritual e do jogo.” (Ibid.: 31). As diferenças são estabelecidas através da função de cada uma delas, das circunstâncias em que ocorrem na sociedade, no local de encontro e nas expectativas criadas acerca dos performers pelos espectadores.

Já Pavis (2007), diante da proliferação de teorias sobre o fenómeno da performance em tantos domínios e práticas culturais, reconhece que seria impossível tentar encontrar uma visão explicativa de conjunto, ou um padrão de análise de todos os géneros. Quanto aos Estudos da Performance e aos Estudos Teatrais, considera-os complementares um ao outro, apesar das dificuldades de “co-habitação”. Valoriza os contributos dos Estudos Teatrais na evolução da prática e teoria teatral, através da encenação, da dramaturgia e de todas as áreas que o Teatro acolheu através das Ciências Humanas, como sejam a Filologia, a Sociologia, a Psicanálise e a desconstrução derridiana. Ao chamar a atenção para o facto de a teoria em Estudos Teatrais se sentir actualmente demasiado “ocidental”, demasiado “cartesiana”, demasiado “humanista”, afirma que: “É verdade que a tarefa das Ciências Humanas tal como a da encenação é ser crítica, e mesmo auto-crítica: procura explicar a representação e avaliar se é ainda descritível como encenação propriamente dita, ou “Performance Cultural”.

Segundo Shepherd e Wallis (2004), alguns conceitos básicos nos Estudos da

Performance e na Teoria da Performance são: Drama Social e Drama Estético, Ritual

(relacionado com a origem do drama; a prática performativa, num equilíbrio entre entretenimento e eficácia e o actor “genuíno”; a categorização da acção de manifestações culturais); Jogo (na mudança de uma carga pejorativa para uma positiva e ainda como modo de imitar uma acção, ou escapar ao quotidiano); Antropologia Teatral (quebra de a prioris relacionados com convenção e género, afirmação da fisicalidade, corpo como organismo biológico separado da cultura e convergência entre antropologia e drama estético) e

Performance Cultural (“communitas” como ligação humana essencial associada ao efeito

ficcional da performance e o corpo como enformado e enformador pelos seus sistemas de crenças).

Acerca das funções da performance, Schechner (2006) realça que, de entre as várias propostas a mais abrangente é aquela de Bharata (1996), que aponta a performance como sendo “um repositório polivalente de conhecimento e um veículo muito poderoso para a expressão de emoções.” (Ibid.: 45)45. Com base na recolha em diferentes fontes, identificou as sete funções que considerou mais significativas na performance:

“1. Entreter

2. Fazer algo que é belo 3. Marcar ou alterar a identidade 4. Criar ou encorajar a comunidade 5. Curar

6. Ensinar, persuadir ou convencer

7. Lidar com o sagrado ou com o demoníaco.” (Schechner, 2006: 46).

Schechner esclarece que a performance tem lugar como acção, interacção e relação e que não está contida em algo, mas que acontece “entre” algo, no que constitui o espaço liminal. Defende que um evento é performance quando um “contexto histórico e social, a convenção, o uso e a tradição dizem que é.” (Ibid.: 38). Já que as performances são específicas em si, e que cada uma difere de qualquer outra, será através dessas diferenças

45

Para mais informação consultar Bharata (1996) The Natyasastra, New Delhi: Munshiram Manoharlal Publishers.

que se manifesta tudo aquilo que está subjacente a um determinado género performativo, como sejam convenções, tradições e padrões culturais e sociais, escolhas dos autores e criadores e particularidades da recepção.

Pavis (2007) clarifica o termo inglês Performed como “pôr em acção, à vista, em

espectáculo” e traduz Performance por “Prática Espectacular”, em francês (Ibid: 244).

Distingue duas acepções em francês do termo Performance, numa tentativa de verificação do seu sentido, consoante a perspectiva cultural e variação da língua de origem:

– Uma, em que Performance, em francês, corresponde a Performance Art, em inglês, ou Théâtre dês Arts Visuels, ligado “às artes visuais, ao teatro, à dança, à música, ao vídeo, à poesia e ao cinema”. E continua dizendo que: “É um “discurso caleidoscópico multitemático” (A. Wirth). (…) O acento é colocado na efemeridade e inacabamento da produção mais do que na obra de arte, representada e completada.” (Pavis, 1997: 246). O seu aparecimento dá-se nos anos 60 do século XX, muito associada ao happening. Descreve este género como sendo grande parte das vezes auto-biográfico “onde o artista tenta negar a ideia de „re-presentação‟, efectuando acções reais e não fictícias, apresentadas uma única vez.” (Pavis, 2007: 15). Assim, no domínio da arte, faz referência a que “uma acção é executada pelos artistas e é também o resultado desta execução” (Ibid.: 43).

– Outra, em que Performance, Études des Spectacles, ou Études des Manifestations

Spectaculaires, em francês, se refere a Performance Studies, em inglês (Ibid.: 242). Estes

conceitos foram criados nos anos 70 do século XX pela intervenção de etnólogos (Turner, 1982), teóricos e práticos de teatro (Schechner, 1985) do corpo universitário do mundo anglo-saxónico, “para englobar o estudo do conjunto das manifestações espectaculares ou culturais, que vão desde os ritos, as danças folclóricas, passando pelos espectáculos de teatro, de dança, de mímica, de teatro corporal até às práticas ritualizadas da vida quotidiana.” (Pavis, 1997: 268). Refere ainda “cultural performances” como “manifestations culturelles” (Ibid.: 70) e “Theatre Studies” como “Études Théâtrales”. (Ibid.: 69).

Pavis acrescenta que performance se refere à realização de uma acção mais do que à representação de um espectáculo frente a uma audiência. Consequentemente, estabelece que a diferença entre Performance e “Art Performance” reside no ponto de vista em que se coloca o observador ou o performer: “O espectacular é visto (…) do ponto de vista do espectador, enquanto a performance é concebida em função do que fazem os performers.” (Ibid.: 261). Carlson entende a performance como:

“um evento específico com a sua natureza liminar em primeiro plano, quase invariavelmente e claramente separado do resto da vida, apresentado por performers e assistido por audiências onde ambos percepcionam a experiência como material a ser interpretado, a ser reflectido sobre, a ser envolvido em – emocionalmente, mentalmente e talvez até fisicamente.”

(Carlson, 1996: 216)

Por fim, a perspectiva de Conquergood realça a performance no seu sentido político, associado à postura embodied da Etnografia:

“O paradigma da performance privilegia a experiência particular, participatória, dinâmica, íntima, precária, embodied enraizada no processo histórico, na contingência e na ideologia. Outra forma de o dizer é que a investigação centrada na

performance adopta simultaneamente como conteúdo e método o corpo em

experiência situado no tempo, o lugar e na história. O paradigma da performance insiste nos encontros face-a-face em vez de abstracções e reducionismos. Situa os etnógrafos dentro do “trabalho de frente-a-frente” delicadamente negociado e frágil, que é parte da intricada e matizada dramaturgia do quotidiano.”

(Conquergood, 1991: 187)

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