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2ª Parte – Resultados

5.10 Síntese de Resultados da Intervenção no Terreno

Da análise realizada aos questionários, ao diário de campo e aos testemunhos pode-se concluir que a intervenção conheceu uma boa adesão destacando-se um sentimento francamente positivo da parte dos participantes em relação à totalidade do processo. Os benefícios são particularmente evidentes em termos de processo de transição de não

performer a performer. A visão de teatro ganhou novos contornos que contêm os elementos

fundamentais à descoberta criativa e performativa, dentro da lógica e poder do teatro. Nesse âmbito, é de destacar o acesso ao universo artístico, o início da interiorização do sentido das dinâmicas teatrais, a confiança no potencial expressivo e na imprevisibilidade, um percurso na coesão de grupo, uma maior vontade de participação, uma maior disponibilidade para a acção e uma maior vontade de participação nestas iniciativas. Também pela criação de espaços de vivência da dimensão não quotidiana, que ao valorizar o físico e o mental mobiliza outras áreas e potenciais para além do cognitivo, como a estética e um outro contacto com o corpo. Estas áreas, por norma, estavam ausentes da rotina diária destes jovens, ou não eram identificadas e valorizadas.

É de realçar a criação, se não de novas perspectivas, pelo menos de uma outra sensibilidade à cultura, à “sua cultura”, à dinâmica de teatro e performance, ao potencial do processo performativo, à relação com o “outro” e o quanto o “face a face” colabora nessa relação.

É também notório que houve um bom resultado no que se refere à criação de espaços de encontro e de relação dentro do grupo. O grau de sustentabilidade dessa relação junto da instituição e comunidade não é estável, mas pode-se afirmar que se encontra em preparação. O ritmo que o processo adquiriu foi em grande parte induzido pela orientadora, tendo em conta os limites de tempo e o que julgou ser significativo para o grupo como resultado performativo. Não prevaleceu nem o da instituição nem o do grupo: encaixou-se entre aquele mais acelerado imposto pela escola e um bem mais lento que caracterizava o grupo. Resultou da confrontação do coro e do seu pulsar com a realização de uma ideia dentro de um período pré-estabelecido; esta confrontação não foi pacífica. Adquiriu-se um ritmo mais cooperante apenas nas últimas sessões, quando o universo performativo começou a ganhar forma e significado. Pode-se afirmar que se assistiu a uma inversão no significado de esforço – conotado com algo de negativo no que se referia pelo menos às situações de trabalho em laboratório – que ficou associado na grande maioria a algo que é necessário desenvolver para atingir um objectivo comum a todos, que esse esforço vale a pena, pode vir a conhecer

sucesso e ser reconhecido na comunidade escolar. O mesmo acontece na coabitação com a ansiedade associada à subida de adrenalina (ou nervoso miudinho), com situações imprevistas, com a improvisação diante de dificuldades, que podem adquirir contornos agradáveis quanto maior a confiança nas suas capacidades, nas do outro e nas do grupo.

A relevância dos factores culturais no projecto Caleidoscópio manifestou-se em duas direcções.

Uma, que remete para valores tradicionais, em grande parte associados pelos jovens a formas de vida e mentalidades ultrapassadas, aos quais aderem quando essas formas são colocadas em contextos específicos (ex.: os Bailes), mas sem se confundirem com uma invasão do que consideram importante nas suas vidas e nos seus desejos. Julgamos que essa é uma das principais razões para não ter havido proposta de integração de algumas dessas manifestações nem tão pouco de as nomearem como fazendo parte da sua cultura. Podemos afirmar que nutrem respeito, ternura e admiração pela cultura que consideram tradicional, mas está bem demarcada a linha separadora do tipo de vida e imagem de contemporaneidade com que anseiam ser identificados e na qual se revêem. O que surgiu em termos de

performance foi para se rirem – saudavelmente – deles próprios, na identificação fácil de

pequenos detalhes e referências, relançando-os no grotesco da situação, na segurança do que estavam a “representar”. Isso também foi visível pela necessidade de não prescindirem de ícones que os incluem na actualidade (ex.: o chapéu, o rap, o tipo de vestimenta que não só deveria ter o cunho artístico mas também contemporâneo, não conseguindo distinguir a intenção da teatralidade nos figurinos).

A outra direcção tem a ver com o quanto os factores culturais são fundamentais para uma aproximação e, tanto neste quanto no contexto anterior, o quanto não devem ser remetidos para os sinais da tradição – com o perigo eminente de cair na ilustração cultural ou ainda na pretensão da sua reabilitação – mas, sobretudo, para aqueles que constituem a actualidade: é nesse sítio que a relação evolui, entre o antes, o agora e o que está para ser, em termos de imagem e de acção. Constatámos que os membros do grupo se moviam entre a recusa de se remeterem para um passado e um estereotipo e a importância de se manterem ligados a essas referências; nesta recusa persistia a convicção de não serem confundidos com “o tradicional rural” e a afirmação do contexto a que pertencem, independentemente de esse contexto os acolher de braços abertos.

Fica-se com dúvidas no que respeita a uma alteração significativa sobre a perspectiva de cidadania, ou seja, aquela que não pára às portas do discurso normativo mas conduz à

prática e à construção de convicções pessoais a partir do embodiment, da constatação da necessidade de justiça social. Não foram recolhidos dados que permitam aferir com certeza de que o insight sobre cidadania tenha ocorrido com a consistência ética e política, propulsora da acção; no entanto pode-se afirmar que esta foi alvo de reflexão em moldes alternativos. Também não ficou claro que se tenha criado a necessidade de autoria no desenvolvimento de acções que permitem a afirmação de voz individual.

Pode-se considerar que a percepção da diferença e a necessidade de inclusão foi um dado que acompanhou todo o percurso e que da sua confrontação resultou reflexão sobre o tema. Pode-se afirmar que essa reflexão foi mínimamente geradora de mudança de atitudes na quebra de estereótipos e receptividade ao “outro”, mas que ainda não se reflectiu em “acção” propriamente dita.

No que se refere à relação com a instituição, pode-se afirmar que o que prevaleceu foram espaços que, apesar das diferenças, permitiram a criação de pontes. Isso é visível quando a atitude do professor manifestou: a valorização do encontro de sintonias; a procura e identificação de interesses e objectivos comuns durante o desenvolvimento da intervenção, nomeadamente de desenvolvimento cultural, pessoal e grupal; a recuperação de etapas geradas no seio da intervenção mas que são também úteis na perspectiva institucional, pedagógica e didáctica; a curiosidade pelas estratégias comunicacionais desenvolvidas e sua futura aplicação em contexto de sala de aula; o elogio das dinâmicas de Teatro Social como estimuladoras de uma melhor relação entre aluno e professor e de convite a uma maior participação activa; a identificação de objectivos da área comuns; o incentivo a contributos que provém do exterior; a percepção da intervenção como uma experiência inovadora e enriquecedora; a consciência de que essas experiências são marcantes, logo, as que interessa desenvolver; a visão da escola como local promotor de cultura e aberto a toda a comunidade. Foi com certeza um privilégio poder ter desenvolvido a intervenção em parceria com este professor.

Conclui-se que foi sobretudo um período de lançamento, onde a intervenção se assumiu como projecto piloto. Foi bem-sucedido pela criação de expectativas, despertar de potenciais e desejos latentes. Devido à sua natureza, às características dos seus participantes directos e indirectos, dos parceiros institucionais e sem a ambição de atingir em plenitude os objectivos delineados em Teatro Social num tão curto espaço de tempo, fica por cumprir o fortalecimento do caminho percorrido.

O desfasamento com os objectivos foi visível na reconstrução de papéis. Julga-se que o fraco resultado se deve sobretudo à juventude da iniciativa, à fraca mobilização de público, à pouca divulgação e à curta duração. No entanto, estes indícios não põem em causa o potencial transformador do projecto de Teatro Social nem a pertinência da sua implementação. Na realidade, seja pela criação de expectativas nos performers, seja por aquelas geradas noutros elementos que reconhecem nestes performers novos potenciais, seja ainda pela receptividade e entusiasmo demonstrado pela audiência, prevalece a convicção de que foram criadas as condições para a sua expansão com uma amplitude significativa.

O projecto de Teatro Social teve o mérito de entabular um percurso, de iniciar mudanças, de criar espaços e expectativas para que numa próxima oportunidade os resultados individuais e sociais sejam mais expressivos em termos de eficácia, entretenimento, intensificação estética e comunicativa, criação de pontes e impacto nos diferentes ciclos. Foi muito gratificante ter tido a oportunidade de desenvolver esta experiência com cada um dos rapazes e raparigas que nele participaram.

Sem a pretensão de acelerar os ritmos de cada um no contacto com a prática de Teatro Social, que implicaria ignorar importantes etapas e vivências, conclui-se que, apesar da sua fragilidade, os resultados são bastante satisfatórios.

Podemos afirmar que a maior parte dos objectivos foram atingidos, apesar das limitações referidas.

VI. DISCUSSÃO

“Todo o teatro é social mas nem todo o teatro é Teatro Social.”

Neste Capítulo da Discussão, teve-se como eixo norteador o desenvolvimento do texto a partir da perspectiva dos diferentes níveis de análise que devem ser contemplados na problematização de questões que pretendem entrecruzar os dados teóricos e os de origem prática. Estes níveis surgem das várias leituras sobre Metodologia de Investigação que houve oportunidade de expor em Capítulo próprio. São eles:

– Nível meta teórico: aprofundamento do estudo das áreas nas quais TeS se inspira, se é uma simples prática com um conjunto de técnicas, ou uma disciplina com um discurso próprio. Foi neste nível que se procurou delinear uma estrutura interna e identificar detalhes que diferenciam TeS de outras estruturas de conhecimento. Para isso, foi necessário indagar sobre a existência de perspectivas sobre Teatro Social (Bernardi, 2004; Schechner 2006; Thompson 2009).

– Nível sistemático-conceptual: sistematização de conceitos, termos e taxinomias que lhe conferem uma linguagem e estatuto próprio. Em simultâneo, no campo fenomenológico, configuraram-se práticas e âmbitos de intervenção que afirmam TeS como domínio e atitude, que se debruçam sobre as abordagens teatrais e performativas com preocupações artísticas e sociais (Entrevistas e Laboratório de Dramaturgia da Comunidade “Caleidoscópio”).

– Nível sociológico e antropológico: definição do âmbito da intervenção no terreno, estudo da situação concreta em contexto que potencia a operacionalização com estratégias facilitadoras da participação e envolvimento (afectivo, artístico, cultural e político) do indivíduo e do grupo e do reflexo dessa acção nos diferentes ciclos da rede social. Procedeu-se ao registo e análise de procedimentos, técnicas e metodologias específicas à intervenção que permitiram a realização de parte dos objectivos (Schininà, 2004a; Valente 2009b; Bernardi 2009; Madison, 2005).

– Nível metodológico e tecnológico: conjunto de procedimentos, técnicas e metodologias académicas, específicos à natureza da intervenção, incluindo os recursos tecnológicos, que permitem a realização de objectivos (Ghiglione e Pagliarino, 2007; Taylor, 2003; Vieites, 2000b).

– Nível ideológico, ético e político: definição de finalidades, funções, objectivos e compromissos de TeS enquanto actividade teatral e performativa, com impacto no sujeito e dos vários ciclos da rede social. Neste nível, elaboraram-se linhas de orientação em consonância com valores que animam TeS no desenvolvimento de práticas, cujos princípios se confrontam com as realidades políticas e culturais dos contextos da intervenção (Thompson, 2009; Schininà, 2004a).

– Nível de elaboração experiencial: onde ocorre a operacionalização e de onde emerge um tipo de experiências que integram factores, emoções e subjectividades. Estas experiências podem assumir um carácter evocativo, focar detalhes aparentemente desinteressantes, sem se limitar à prossecução de objectivos pré-delineados. É neste nível que se procura reflectir a partir da experiência embodied e “teorizar”, uma teoria que se constrói a partir das práticas (Barba 2000; Conquergood 1991).

A Discussão vai ter os objectivos da investigação como pano de fundo e será organizada nos seguintes eixos: I – Natureza e Influências Teóricas em TeS; II – Princípios e Conceitos Teórico-Práticos Identificadores de TeS; III – Características e Procedimentos da Operacionalização em TeS; IV – Avaliação; V – Valores Éticos e Políticos; VI – O Futuro de TeS.

Para simplificar a leitura, utilizámos as seguintes abreviaturas: quando a fonte de referência está relacionada com os resultados da análise das entrevistas, indica-se com “ENTR”; quando a referência é feita com base nos resultados da análise à Intervenção em Teatro Social “Caleidoscópio”, indica-se com “CAL”.

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