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Escala entre Não-actuação e Actuação

Parte 1: Considerações sobre a Abordagem Metodológica a Adoptar 4.1 Natureza Dinâmica e Complexa do Estudo

4.1.2 A Alteração de Paradigma na Investigação

A alteração de paradigma na investigação de carácter científico surgiu da confrontação das ciências exactas sob o signo do positivismo e do determinismo com as descobertas produzidas na Física Quântica, na Nova Epistemologia e no pensamento filosófico. As polémicas geradas sobre a origem do conhecimento e da veracidade científica defendiam a emergência de um novo paradigma assente na complexidade e nos sistemas abertos (Khun, 1978; Morin, 1990; Damásio, 2005). Morin construiu a sua teoria do pensamento complexo e permeabilidade dos sistemas, fundamentando n‟ “O Paradigma Perdido” (1975), que marcou o século XX.

O pensamento de Edgar Morin movimenta-se desde a Epistemologia, a Educação e a Ecologia às teorias políticas (Marxismo) ou ao Cinema.123 As suas referências em termos filosóficos têm por base Hegel, Marx, Bachelard e Luckacs. Luckacs, que constitui um marco importante no teatro, já se tinha proposto a examinar a complexidade.

O pensamento complexo configura questões que são caras à filosofia da ciência como sejam as relações sujeito-objecto, sujeito-sujeito e sujeito-mundo, num novo paradigma onde predomina uma mudança de pressupostos, do modo de olhar, interiorizar e expressar a realidade. Na complexidade, o indivíduo é co-produtor do objecto que conhece e da objectividade que lhe imprime; aqui, a objectividade está relacionada com a subjectividade, na medida em que a primeira, mesmo quando emerge num determinado momento, nunca anula a existência em constante mutação da segunda.

O pensamento complexo surge de uma ruptura contra o determinismo, contra o conhecimento construído a partir da sua compartimentação, ou da sua redução às partes que o compõem, contra a aplicação do pensamento mecanicista a sistemas altamente elaborados, como seja o social, contra a convicção de que fenómenos como o acaso, a entropia, o ruído, a indeterminação, o paradoxo, a desordem, a desorganização não são factores

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Morin teve e tem grande impacto em Portugal, nomeadamente através de conferências com o cientista promovidas, entre outros, pelo Instituto Piaget.

epistemológicos que permitem a aproximação ao conhecimento dos sistemas, mas apenas excepções contidas nesses mesmo sistemas.

Morin propõe-se destruir os fundamentos da certeza de forma a deixar emergir um pensamento menos mutilador e compartimentado e mais racional, na medida do possível, numa tentativa de corresponder às exigências de investigação e verificação do conhecimento científico em simultâneo com as da reflexão inerentes ao conhecimento filosófico. Afirma que “A racionalidade (…) não tem nunca a pretensão de esgotar num sistema lógico a totalidade do real, mas tem vontade de dialogar com o que lhe resiste.” (Morin, 1990: 102). Tentou encontrar uma outra lógica e um novo paradigma que albergasse dois princípios que se opunham mutuamente: um, que presidia às descobertas da Física e que demonstrava o princípio da desordem; o outro, com origem nos historiadores e biólogos, que propunha um princípio de progressão de universos organizados. Defende que os conceitos não se identificam pelos seus limites, mas sim a partir do seu núcleo, já que a amplitude de um conceito se pode entretecer na amplitude de outro. Para definir o núcleo e pensar a complexidade, torna-se necessário elaborar macroconceitos que, neste caso, se assumem como três princípios fundamentais: O primeiro é o princípio dialógico que “associa dois termos ao mesmo tempo complementares e antagónicos” (Ibid., 106); o segundo princípio é o da recursão organizacional, em que se assiste a um processo em que os produtos e os efeitos são simultaneamente as causas e produtores daquilo que os produziu. As acções produzidas revertem e causam um efeito nas causadoras dessa mesma acção, o que entra em ruptura com o pensamento linear de causa-efeito; o terceiro é o princípio hologramático em que não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte que está no todo. Ainda em oposição com a lógica cartesiana, a complexidade imprime uma dinâmica de articulação perpétua entre o todo e a parte e vice-versa. Nesse todo, destacam-se três etapas que abarcam o paradoxo, a coexistência e a simultaneidade de opostos, que são outras das características fundamentais aos sistemas complexos: “Um todo é mais do que a soma das partes que o constituem”; (…)“O todo é menor do que a soma das partes” (já que as qualidades de cada elemento não se podem exprimir na sua plenitude quando integradas no todo organizacional); (…)“O todo é simultaneamente mais e menos que a soma das partes.” (Morin, 1990: 138).

Na concepção sobre complexidade introduziu, como condição e limite da explicação da mesma, o tetragrama de ordem/ desordem/ interacção/ organização, que são interdependentes e sem que qualquer deles seja prioritário: “Na complexidade muito alta, a

desordem torna-se liberdade e a ordem é muito mais regulação do que imposição.” (Ibid., 158). A complexidade é veículo da impossibilidade de unificação, é o progresso da ordem, da desordem e da organização.

Morin propõe-se construir uma teoria, ou um pensamento transdisciplinar que seja receptivo aos fenómenos complexos, abordando os substratos que a Biologia e a Antropologia têm em comum. Complexo implica a associação entre elementos heterogéneos, que apresenta em simultâneo o paradoxo do uno e do múltiplo. A complexidade contém incertezas, fenómenos aleatórios, que derivam do seu contacto com o acaso.

"Assim, a complexidade coincide com uma parte de incerteza, quer mantendo-se nos limites do nosso conhecimento, quer inscrevendo-se nos fenómenos. Mas a complexidade não se reduz à incerteza, é a incerteza no seio dos sistemas ricamente organizados. Ela relaciona sistemas semialeatórios cuja ordem é inseparável dos acasos que lhe dizem respeito."

(Morin, 1990: 52)

Para Morin, a complexidade não é um fundamento explicativo da essência do mundo, mas um princípio regulador de pensamento que equaciona o mundo através dos seus paradoxos, sem perder de vista o mundo fenomenal que constitui a realidade com que lidamos; não é uma resposta, mas antes uma forma de pensar através das incertezas e das contradições, onde preside a união:

“dos processos de simplificação que são a selecção, a hierarquização, a separação, a redução, com os outros contraprocessos que são a comunicação, que são a articulação do que está dissociado e distinguido; e é o escapar à alternativa entre o pensamento redutor que só vê os elementos e o pensamento globalista que apenas vê o todo.” (Morin, 1990: 148)

Morin finca o facto da complexidade não se remeter apenas para essa união, mas de se localizar no centro dela já que “ uma tal relação é ao mesmo tempo antagónica e complementar”. (Ibid., 149). Sobre a acção, realça várias qualidades: “A acção, supõe a complexidade, quer dizer, imprevisto, acaso, iniciativa, decisão, consciência dos desvios e das transformações”. (Ibid., 118). Chama “estratégia” ao itinerário heurístico que procura alcançar uma solução, ou significado a atribuir a algo. A estratégia, como ponto de união entre o imprevisível e o potencial organizador, envolve a capacidade de encarar vários

cenários possíveis ao desenrolar da acção, que depende da versatilidade, da qualidade da informação e da permeabilidade a novos significados. A estratégia luta contra e aproveita-se do acaso e do erro em benefício da totalidade do projecto. “Na complexidade muito alta, a desordem torna-se liberdade, e a ordem é muito mais regulação que imposição.” (Ibid., 157).

Defende que, no universo da complexidade, a investigação recai no oculto por detrás do fenómeno e não no fenómeno em si: nomeadamente, o estudo na área antroposocial é complexo já que se enquadra no primeiro princípio de que o todo está na parte que está no todo. Ontologicamente, o pensamento complexo pressupõe a aceitação da natureza múltipla e diversificada do objecto de estudo.

Nestas mudanças de paradigma, também o pós-modernismo e a fenomenologia (Husserl 1999; Heidegger, 1961) proporcionaram novos prismas em domínios como o das Ciências Sociais e Humanas, com destaque neste Estudo para a Antropologia e as Artes Performativas. Os elementos de investigação que até aí eram prova de “verdade científica” e de “transparência da representação” sofreram um revés. A fenomenologia afirma a não existência de uma percepção “pura; preocupa-se em como o mundo assume significados na e através da consciência humana e da descoberta do ‟Outro‟”; defende que aquele que percepciona é que determina o significado e a perspectiva. Por extensão, foi colocado no centro do debate o lugar do investigador e a subjectividade, a existência de afinidades e intersubjectividades com o objecto ou os sujeitos de estudo e o assumir de um ponto de vista do investigador.

A análise dos sistemas complexos elaborada por Morin, atrás referida, e algumas conclusões a que o autor chegou acerca do que caracteriza esses sistemas, surgiu-nos como um paradigma que contém a amplidão, clareza e esclarecimento suficientemente abrangentes de várias questões que apareceram no percurso da investigação (mas já equacionadas anteriormente), associadas à área social, cultural e artística. Daí a nossa necessidade de “ter exposto” as bases principais deste paradigma que acabou por influenciar transversalmente diferentes fases do Estudo e apoiar a problematização, ou o “fazer de conhecimento”.

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