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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.1. Pedagogos do Teatro Moderno

3.1.5 O Novo Teatro e a Performance Teatral

A partir dos anos 50 do século XX, assiste-se a um movimento de procura de novas formas de pensar e de fazer teatro e a uma diversidade de abordagens teóricas sobre o conceito de teatro, sua função e realização. Esse movimento, que surgiu no final da década de 50, foi denominado Novo Teatro (“Nuovo Teatro”), por Marinis (1988)39, Teatro Alternativo, por Kershaw (2001) 40, mas é ainda comummente conhecido por Teatro de Vanguarda, ou Teatro Experimental.

Schechner (2006) identifica o agrupamento das grandes correntes teatrais do seguinte modo: uma, que emerge do dadaísmo e do surrealismo, que inspira a dança pós-modernista ou a performance art, que realça o conceito de embodiment, o cruzamento com novas tecnologias e vídeo, ou outras linguagens associadas à imagem. Outra, influenciada pelo simbolismo e o expressionismo, que alicerça o Teatro Épico e o teatro de significado social. Deste último grupo, destaca-se o teatro de rua e de guerrilha, ou ainda a constituição de grupos com estilos de vida alternativos e comunitários, com modalidades como o “Terceiro Teatro”, ou o “Teatro do Oprimido”. O teatro como relação, de conotação política, surge como uma das características desse teatro (Marinis, 1997).

Quase todas as figuras que constituem o Teatro Moderno deram corpo a um conjunto de processos anti-culturais, que se traduziram numa estratégia de ideais utópicos que, num momento ulterior, se identificaram com a sigla Arte=Vida, em concomitância com acontecimentos políticos (Marinis, 1997; Kershaw, 2001). A reflexão sobre Teatro fica definitivamente associada à sua acção como fenómeno social, relacional e pedagógico, numa perspectiva artística; inspirou os processos a desenvolver na comunidade, ao abordar a actividade teatral na riqueza que é a sua variedade de funções e vertentes.

O Novo Teatro caracteriza-se por uma oposição à tradição artística, a manifestações e actos representativos da ordem opressora existente e às formas de conformismo individual e de grupo subtilmente perpetradas pelos órgãos de poder da sociedade contemporânea; deliberada e muitas vezes prazenteiramente, quebra convenções artísticas, sociais e culturais. Marinis (1988) afirma que os elementos unificadores das experiências teatrais dessa época

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O termo “Novo Teatro” já era utilizado anteriormente em França para designar o teatro do absurdo dos anos 50 (Pavis, 1997: 231). Optámos pela utilização desta denominação já que, nas entrevistas realizadas posteriormente, personalidades de referência no teatro social também a utilizam e em parte fundamentam a sua opção.

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Kershaw considera que como consequência do rápido crescimento do Teatro Alternativo a que se assistiu nos anos 60 e 70 em Inglaterra, sobressaem quatro termos principais para identificar esse teatro: “experimental”, “underground”, “fringe” e “alternativo”.

residem na procura de uma renovação radical e profunda na forma de conceber e fazer teatro em relação às convenções estereotipadas da cena oficial41.

Innes identifica o paradoxo existente numa grande parte de iniciativas artísticas positivas que conseguiam vencer as barreiras do domínio político, mas com tendência a serem reivindicadas como propriedade exclusiva de sub-grupos isolados e por vezes antagonistas. E continua:

“Assim a arte moderna surge fragmentada e sectarizada, definida tanto por manifestos como pelo trabalho imaginativo, representando a complexidade amórfica da sociedade pós-industrial numa multiplicidade de dinâmicas, mas de movimentos instáveis focados em abstracções filosóficas. Daí o uso dos “ismos” para as descrever: simbolismo, futurismo, expressionismo, formalismo, surrealismo.” (Innes, 1993: 1).

Leach constata a existência dessa fragmentação mas justifica-a não tanto como fruto do isolamento, mas antes como abertura de “espaço mental”, num prelúdio à perspectiva pós-modernista:

“A vida pós-século XIX, pelo menos na Europa e nas Américas, tornou-se difícil de ancorar para muitos daqueles cuja primeira experiência foi de incoerência e de fragmentação. Os movimentos artísticos avant garde dos modernistas, portanto, não eram em si apenas fragmentos da grande “cultura modernista”, mas eram também respostas às percepções da experiência fragmentada.”

(Leach, 2004: 25)

Os diferentes ângulos apontam para um equilíbrio entre teoria e prática suportado na dimensão política, social e interior.42 Partimos do princípio de que as várias tendências traduzem o teatro como performance viva e efémera, que resulta do encontro entre audiência e performers, e de que a dinâmica emocional e criativa assim gerada lhes é fundamental (Drain, 1995).

Essas novas tendências teatrais, e as preocupações quanto às suas variadas funções, muitas vezes convergiram com o papel estético que caracterizou a arte teatral. A evolução do

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Carlson (2007) leva um pouco mais longe a sua preocupação com a terminologia, encontrando interessantes paralelos e diferenças entre os vários termos que assinalámos acima e que seria demasiado vasto aqui analisar. 42

Pavis (1997) projecta o espaço interior em três locais e percepções diferentes, que se encontram durante o feito teatral: o do espectador, o do realizador e o do actor.

teatro testemunha o constante questionamento acerca do seu papel e dos seus objectivos. As várias respostas que se foram afirmando dão corpo, seja a um movimento de conjunto, seja a atitudes individuais. Nesta perspectiva, o teatro não se remete para a esfera de entretenimento, ou de escape da realidade: qualquer das vertentes em que se coloca, complexificou-se e enriqueceu-se, clarificou intenções, de forma a tornar-se mais significativo para o indivíduo, para a comunidade, num encontro entre o social e o estético. Nesta linha, ultrapassando uma questão de estilo ou de estética, o teatro continua a desafiar convenções e preconceitos, a afirmar o seu carácter transgressor e inovador, tentando corresponder a uma renovação da linguagem, atitude que é própria aos novos desafios impostos pela emergência de novos paradigmas (Marinis, 1988).

3.1.5.1. O 68 do Teatro

Vários investigadores (Bernardi, 2004; Kershaw, 2001; Carlson, 2004; Schechner, 2006; Kuppers, 2007a) esclarecem que o crescente interesse dos profissionais de teatro na comunidade está directamente relacionado com os primórdios do Teatro Comunidade.

As alterações iniciadas pelos precursores do Teatro Moderno e as suas posturas artísticas, estéticas e sociais reflectiram-se a vários níveis: na passagem do teatro centralizado no texto, ou da visão literária do teatro, ao teatro centrado numa multiplicidade de linguagens que constituem a performance; na passagem do teatro centrado no encenador para o teatro baseado na criatividade do actor e na colaboração de todos os que participam na construção performativa; na relevância dada às audiências, à comunicação e à propagação de processos de participação pró-activa. Estas preocupações, e a relevância dada aos contextos e à noção de cultura, favoreceram o desenvolvimento dos processos teatrais na população. Para além de opções estéticas específicas, a atitude vanguardista caracterizou-se por contemplar uma complexidade de funções intercomunicantes, como sejam a artística, a sócio-política, a comunicativa e a própria interioridade do indivíduo (Leach, 2004).

Algumas as alterações fundamentais à emergência das teorias modernas da

performance teatral foram:

– O contexto cultural em que o espectáculo acontece tornou-se central na interpretação dos significados apresentados em palco, o objecto do espectáculo deslocou-se da mensagem, ou mensagens que pretende transportar para um público, para a possibilidade de diversidade de perspectivas com que esse público “percepciona” o espectáculo.

– Alteraram-se os modos de produção e de construção criativa com que os conteúdos desse mesmo espectáculo são construídos: preside a ruptura, a desconstrução, a colagem, a multiplicidade de sentidos e interpretações.

– Emergiu uma teatrologia pluridisciplinar que se debruça sobre a dramaturgia do actor, a experiência do espectador e as relações entre teatro e vida quotidiana (Marinis, 1997).

– A construção artística e criativa fez um maior apelo à fisicalidade e à interioridade do indivíduo.

– Defendeu-se a resistência a formas subtis, ou explícitas de dominação do pensamento e da acção, subtilmente enraizadas no nível mental e físico do indivíduo através dos mecanismos sociais do poder (Foucault, 1979; Illich, 1973; Freire, 1975; Debord, 1994).

Zarrilli aponta que o fazer teatral como prática sociocultural que produz várias relações e inter-relações, onde estão implicadas a realidade quotidiana, a História, a Política e a Economia. Refere também que esse percurso não se limita a reflectir e a exprimir a realidade e as suas tensões. Zarrilli esclarece que:

“A relação entre qualquer um dos fazedores e o feito (directores, designers, actores, etc.) é sempre actualizada dentro de uma rede específica de relações e circunstâncias materiais que, enquanto processo e prática, inflige em todos aqueles fazeres o que está a ser feito.”

(Zarrilli, 2002:1)

Em termos de produção, recepção e comunicação teatral, o paradigma da “performance” ganhou dimensão e reivindicou o terreno que correspondia ao conjunto de inovações e experimentações em curso. Algumas das referências de prática performativa dramática, em termos de metodologias e de pesquisa, são Grotowsky, Barba, Brook, Living Theatre, Bread and Puppet Theatre, Teatro Campesino, Robert Wilson, Dario Fo, Carmelo Bene, Augusto Boal e, mais recentemente, Richard Foremann.

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