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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.3. Animação Teatral

3.3.2 Origens da Animação Teatral

Com base em todos os autores anteriormente assinalados, podemos afirmar que em AniT é incontornável a abordagem ao binómio “cultura/ sociedade”. A AniT teve repercussões na vida cultural das diferentes sociedades, conforme a dimensão que conquistou e pela qual foi reconhecida.

A AniT sempre se apresentou como um formato alternativo à educação tradicional, ou outros modelos sociais repressores do potencial individual, querendo substituí-los por métodos mais dinâmicos e criativos. É neste capítulo que a sua intervenção irá contribuir para uma eventual alteração do paradigma que os sustém, quer em instituições, escolas ou instituições psiquiátricas, quer em populações fora do circuito cultural da época. A sua emergência surge na experimentação de novos formatos que contestam as estruturas elitistas e hegemónicas de uma cultura burguesa. Nesta procura, encontra espaços de questionamento sobre que cultura e que sociedade construir, com propostas práticas de formas participativas de acção artística e pedagógica (Ventosa, 2006).

Walter Benjamim, contemporâneo e estudioso de Brecht, foi um dos teóricos que inspirou esta área, tendo sistematizado, em 1928, em “Program for a Proletarian Children‟s Theater”, as linhas de orientação onde estava vinculado um olhar sobre a criança como um ser com capacidade para articular o saber sobre o mundo que também é seu, construindo esse saber nas suas situações de vida concreta, com as acções históricas que determinam o momento presente. Segundo Bernardi (2004), são estas linhas que estão na origem do teatro político e de AniT.

Dentro de uma perspectiva histórica mais abrangente, teve a sua origem no pós-II Guerra Mundial55, e até finais dos anos 60, com a intenção de recuperar valores democráticos. Os seus primeiros anos foram marcados por inovações de ordem cultural e pedagógica, com impacto nos organismos de difusão cultural e educativa e nas actividades desenvolvidas “pelas” e “com as” crianças. Encontrou no teatro uma forma de divulgar valores de igualdade social e de promover na população um espaço de expressão e encontro. Sustentou o movimento de educação popular e de militância cultural, que teve uma dimensão forte em França e em Itália, contagiando outros países da Europa. Recebeu a herança de ideais de liberdade presentes na teoria marxista e acolheu alguns aspectos do Agit Prop na sua tentativa de desvelar ideologias manipuladoras, latentes na indústria cultural. Inspirou-se

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Nomeadamente em França, existem alguns exemplos do movimento de Teatro Popular com Jacques Copeau, Charles Dullin, Jean Louis Barrault e Jean Vilar, entre outros.

igualmente no teatro do início do século XX, sobre a criatividade do actor e da sua função nas comunidades locais.

A sua vertente social e política afirmou-se após o Maio de 68: entre os profissionais de teatro, assistiu-se a um interesse crescente pelo encontro com a comunidade, lobrigando novos modos de concepção e intervenção teatral, no que viria a constituir os fundamentos do “68 do Teatro”: o teatro deixa de estar confinado ao edifício teatral e passa a invadir as ruas, escolas, hospitais e outras instituições, ou espaços não teatrais. Desenvolveram-se modelos de participação activa das audiências e de produção de espectáculos e quebraram-se alguns princípios de construção cénica presentes no teatro tradicional, que passaram a ter uma forte componente plástica e visual a três dimensões. Como vimos em capítulo anterior, grande parte das alterações do fazer e pensar teatral foram geradas a partir de profissionais de teatro: surgiram da confluência entre a área artística do teatro, movimentos sociais, políticos e culturais que caracterizaram a época e que Marinis (1998) apelida de “68 do Teatro”. Este movimento questionou o teatro, a sua função, origem, formato de apresentação, relação, entre outros temas. Surgiu em concomitância com a crise no teatro público e procurou sair dos limites impostos pelo teatro de “especialistas”. Nos seus primórdios, este movimento do “68 do Teatro”, “apresentava-se como um acontecimento insólito, inusual, fora dos esquemas e como proposta de pesquisa e de renovação dirigidas à formação ideal de um homem novo”. (Passatore in Gómez et al, 2000: 326). A Animação Teatral soube associar-se às inovações de ordem artística, conceptual e metodológica e contribuiu para o seu reforço e aplicação (Vieites, 2000).

Outra forte influência é a de Moreno e do “Psicodrama”. Precursor da Psicoterapia, desenvolveu um método centrado na expressão e comunicação, tanto individual como em grupo, recorrendo a técnicas teatrais com fins terapêuticos56.

Contribuiu para a receptividade da AniT nas escolas um conjunto de pensadores das áreas da Educação e da Psicopedagogia e o conceito de uma pedagogia activa de ensino e métodos de aprendizagem através da experiência. Foi importante o movimento da Escola Nova, com contributos directos ou indirectos de Freinet, Montessori, Wallon, Yllich, Makarenko e, mais tarde, Freire. Finalmente, o papel do jogo dramático nas escolas foi tendo cada vez mais relevância através da teorização de Slade e Way, ou Barret, entre muitos

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Para mais detalhes, consultar capítulo da Dramaterapia.

outros (Vieites, 2000b).58 Bento (2003) apresenta uma diferenciação entre expressão dramática e arte dramática, que não é estranha a alguns debates de Teatro Educação e que remete para uma oposição entre ambas no que refere a ser processo ou produto, ser de natureza pré-teatral ou de produção artística ou, ainda, favorecer uma aprendizagem intrínseca (importância do sentido) ou uma aprendizagem extrínseca (importância dos signos). No entanto, este autor afirma que:

“Ao problematizar e ao reivindicar a existência de duas componentes no teatro, fazemo-lo com a convicção de que ambas se completam. As divergências situam-se ao nível das abordagens específicas, traduzindo-se naquilo que é a essência do fenómeno teatral: a criação e a fruição.”

(Bento, 2003: 87)

Esta oposição é a que prevalece na linha de AniT, numa perspectiva assente na Animação Sociocultural.

Em França, os seus precursores foram Copeau e Dullin, entre outros que se confrontaram com os ideais fascistas do nacional-socialismo. Em 1941, um grupo de encenadores com a intenção de aplicar os princípios do Teatro Popular, da arte teatral e do jogo dramático, defendidos por Copeau e Chancerel, fundaram o grupo da Educação pelo Jogo Dramático. Alguns dos nomes mais marcantes foram Jean Louis Barrault, Jean Vilar, André Blin, Marie Helène Dasté. Esta conjugação foi em grande parte responsável pelo impacto que a Animação Teatral conhece ainda hoje neste país. São uma importante referência na sua consolidação os contributos de Gourdon (1986).

É de realçar o movimento de “Théâtre Action”, que surgiu na Bélgica e em França, a partir dos anos 80 do século XX. Sob os auspícios de Biot (2006), tem como base um conjunto de pensamentos sobre o papel libertador de mentalidades e atitudes através da Animação Teatral, essencialmente inspirado na filosofia de Boal, mas não só. Neste movimento o acto conscientemente político sobrepõe-se ao acto teatral em si: este olhar não deixa de estar sujeito a debates dentro do próprio movimento. Alguns dos seus conceitos- base são a criação e a acção do colectivo, a educação permanente, a proximidade da cultura, o teatro na origem de diálogos públicos e a poética no Teatro Popular. No entanto, a pesquisa profunda que lança sobre os processos de criação artística, e outras inúmeras questões associadas ao binómio político/ teatro e ao trabalho desenvolvido no terreno, fazem deste

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movimento um dos marcos mais importantes das iniciativas nesta área. No prefácio do livro que reúne um conjunto de itinerários e perspectivas que marcaram os anos entre 1996 e 2006, pode ler-se:

“O índice de matérias é revelador destes olhares múltiplos, ele anuncia estes debates subtilmente contraditórios entre ser ou não ser, fazer ou não fazer teatro-acção, entre

a política e o social, entre os binómios estético e escrita, entre o aqui e o longínquo,

ou ainda a propósito de questões de palavras, de societal a pedagógico, dos paralelos às convergências, e destes utensílios de investigação, de análise e de reflexão, porque tudo está por reescrever…”.

(Biot, 2006: 15)

O seu contributo não se limita ao pensar sobre a sua acção, mas tem também a preocupação de desenvolver uma série de intervenções entre as quais festivais internacionais (FITA), conferências e publicações, nunca dissociando a teoria da prática e sempre à procura de um diálogo internacional, onde cada país se veja espelhado neste ideal de intervenção, num espírito solidário e de resistência a uma cultura e política dominantes. Tem ainda o mérito de ter conseguido agregar uma série de figuras relevantes na AniT e de companhias de teatro sedeadas fora dos grandes centros urbanos e na periferia, tendo criado uma frente que conseguiu pressionar os órgãos oficiais e, até recentemente, obteve apoios institucionais para a divulgação dos seus intentos, práticas e pesquisas. Sem podermos precisar com grande exactidão, este movimento tem vindo a perder a sua influência nos últimos anos. Houve grupos de teatro e entidades portuguesas que foram convidados a participar nas iniciativas do “Théâtre Action”, e de entre eles José Caldas Neto.

Em Espanha, as abordagens tradicionais estruturam a AniT com um objectivo prioritário de carácter sócio-educativo, sociocultural e não-artístico, podendo este último estar, eventualmente, presente. A sua forte componente educativa deriva das teorias da Pedagogia Social, entre outras pertencentes à área das Ciências da Educação, mais concretamente da informal e não-formal e da Sociologia (Vieites, 2000c). Nesta primeira fase, em que a Animação Teatral foi considerada uma extensão dependente da Animação Sociocultural, procedeu-se à operacionalização de muitos dos objectivos da “área-mãe” através de dinâmicas e acções com base no teatro como instrumento. As actividades sustentavam-se em metodologias activas de carácter participatório, auto-organizativas e integradoras. Criou-se um espaço de interacção com base no lúdico, no jogo dramático, na

criatividade e na expressão, com ou sem a concretização de um produto final. Esta corrente, que visava o desenvolvimento comunitário, estava associada ao desenvolvimento do teatro amador (Vieites, 2000b).

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