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Escala entre Não-actuação e Actuação

2.5 Teatro Social como Movimento Abarcador de Várias Tendências

Alguns dos autores relacionados com Teatro Social (Thompson, 2009; Kuppers, 2007a; Bernardi, 2009; Ghiglione, 2007) encontram ligações entre os processos individuais desenvolvidos e o percurso artístico dos não-performers. Entendem esse percurso artístico como a criação de universos de possíveis que contém a imaginação, a revelação de potenciais latentes, o encontro consigo e com o outro, a “aventura colectiva” e o rumo ao desconhecido por oposição à censura. Procede-se ao desmantelamento de paradoxos entre o social e o individual, ou ainda de performances de domínio e autocensura interiorizadas: acentuam a importância da poética como elemento de afirmação e transgressão.

Schechner e Thompson (2004) afirmam que os tipos de performance que emergem de TeS são os seguintes: Testemunho – experiência individual dentro de um quadro histórico, catarse, retribuição, role-play, dramatização de situações; Acusação – as Mães na Argentina, que associa a imagens culturais fortemente enraizadas e sagradas, como a da procissão e a da Mãe; Acção – Boal e o seu Teatro Arena, ou outros, que incluem

performances baseadas em temas de intervenção social, como o Greenpeace; Alívio – arte

terapia, ritos sociais, sagrado, saber lidar “com” depois de perceber o que foi; orações, cerimónias, funerais, férias, comemorações cívicas e bandeiras, sendo que estes rituais são facilmente manipulados e explorados; Entretenimento – momentos de gozo, alegria, prazer; género tradicional da feira; divertimento, fantasia, imaginário; presença do tradicional, popular e entretenimentos globais; Arte – transmutação das experiências traumáticas em expressões universais e estéticas como, por exemplo, “Guernica”, de Picasso, ou a tragédia grega em “As Mulheres de Tróia”. Estes autores levantam questões relacionadas com a perspectiva de “arte” e objecto artístico, a legitimação do que é arte e a sua acomodação a padrões predeterminados, ao indagarem se o TeS se deve assumir como corrente e respectiva categorização, já que contém a capacidade de transformar a experiência em arte, ou antes se deve afirmar como movimento abarcador de várias tendências.

Segundo Schechner (2006) o que é designado como arte numa certa cultura pode não o ser numa cultura diferente, ou ainda nem existir esse termo para definir performances que contenham um sentido estético. O que vai validar um objecto ou acontecimento como sendo arte depende do contexto, das circunstâncias históricas, do uso e das convenções locais. A tendência dos últimos anos tem sido a de dissolver fronteiras entre o que se considera arte e não-arte, ou ainda, o colapso entre ficção e realidade que, em teatro, tem uma importante

referência a Pirandello: quase se pode afirmar que no paradigma anterior se tentava que a ficção fosse o mais real possível e actualmente se tenta que detalhes da realidade se transformem em ficção. A título de exemplo, os acontecimentos performativos que não se enquadravam na categoria tradicional de arte porque, entre outros factores, estavam demasiado próximos de elementos comuns do dia-a-dia, mas que não deixavam de ser considerados, pelos seus autores, como contendo uma outra estética e índole artística, foram enquadrados nos anos 70 na categoria de “performance art”. Kaprow (2008) nota, a propósito, o facto de o território eleito para a arte experimental – ou a vertente de “vida como arte” – ser o jogo com o lugar-comum, revelando o que normalmente passa despercebido, ou está escondido por convenção, de onde se mantém a dúvida – seja por parte do artista seja por parte do interlocutor – se o resultado do exercício experimental é arte; no entanto, não nega que existe uma diferença entre arte e vida sendo que, em arte, o que se experiencia não é o evento em si mas a sua representação (Schechner, 1995). Esta postura assenta na convicção de que o mais importante não é afirmar a sua natureza artística, dentro de um padrão que se convencionou ser “arte”, mas antes a sua não acomodação numa dada categoria, o que obriga à continua exploração de novas possibilidades desde o momento em que é designada arte. 14 A propósito da necessidade que caracteriza a tradição da cultura ocidental, de separação entre o que é arte e o que é vida, Kaprow afirma que:

“Suponho que o conflito entre arte e vida tem sido um tema da arte do Ocidente pelo menos desde a Roma Antiga… Resumindo, arte como arte defende que a arte está separada da vida e de tudo o resto, enquanto que a vida como arte defende que a arte está conectada à vida e a tudo o resto… A mensagem de raiz de arte como arte é a separação e a especialização; e a correspondente em todo o género de arte na vida como arte é a conexão e uma perspectiva abrangente de consciência (conhecimento).” (Kaprow, 1998: 36)

Kuppers e Robertson (2007b) salientam que, na perspectiva sobre o que é arte, importa se esta é vista como algo que transcende o quotidiano, se é fechada em si mesma e

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O pensamento de Kaprow veio afirmar esta tendência ao distinguir os termos “arte como arte”, ou “vida como arte”. Marinis (1997) insurge-se contra visões despropositadas e genéricas que não diferenciam teatro e vida: “Perspectivas como(…) as de uma teatralização mundial que se estaria produzindo actualmente e dentro da qual seria cada vez mais difícil, cada vez mais inútil, diferenciar práticas teatrais específicas e especializadas.” (Ibid.: 186) Numa tentativa de estabelecer alguma ordem no que é entendido como limites entre teatro e vida, ressalva que esta não delimitação é bem-vinda desde que continue a valorizar o investigador, o estudo das várias questões, incluindo a dos seus contornos, mesmo que as conclusões sobre os vários temas sejam transitórias.

se resulta num efeito secundário da composição; ou se é algo que, apesar de transcender a realidade quotidiana, constitui “um princípio de aglutinação dinâmica”, inteligível, que emana não só da trajectória do artista – das suas escolhas, percepções e heranças culturais –, mas também das relações humanas e da elaboração colectiva de significado. Bourriaud (2007b) realça que a estética é relacional e que a arte é um estado de encontro, ao afirmar que, na perspectiva actual de arte e estética, não se deve falar em “forma”, um dos critérios que presidiu à apreciação estética da era modernista e que arrastava a “fusão em harmonia” entre estilo e conteúdo numa “resolução formal” fechada em si mesma; deve falar-se sim em “formações” que implicam elos relacionais e modos de percepção, através dos quais os indivíduos se sentem afectados pela obra de arte em presença15. Kuppers e Robertson corroboram a opinião de que a forma de arte só assume a sua existência quando subordinada à interacção humana, em que, nesta interacção, a arte é o agente de ligação entre os momentos de subjectividade, as sensações e as experiências fora de comum. Bourriaud afirma a este propósito que: “(A arte) só existe no encontro e na relação dinâmica desfrutada por uma proposição artística com outras formações, artísticas ou não.” (Bourriaud, 2007b: 107).

Notas Finais

O Teatro Social emerge cada vez mais fortalecido e reconhecido a partir de uma convergência de movimentos e de tendências e da respectiva diversidade de propostas conceptuais, contextos, modelos e intervenções. Na opinião de Schechner (2002), o seu objectivo principal é “habilitar os indivíduos para actuar com e/ ou ser parte de comunidades, criar performances que expressam as suas necessidades particulares no interior das suas circunstâncias históricas particulares.” (Schechner, 2002: 159). E, nas palavras de Sue Jennings, parafraseada por Schechner, o Teatro Social é um teatro específico feito para pessoas específicas num momento e local específico (Jennings in Schechner, 2002).

Tal como falava Bernardi (2004), a respeito do regresso a uma utopia que configurou a Animação Teatral, TeS propõe-se como um teatro crítico que, em sintonia com princípios éticos e de acção participatória, desenvolve processos criativos, expressivos e comunicativos, persegue a mudança pacífica em direcção a uma sociedade inclusiva onde

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Bourriaud (2007b: 106) refere-se ao conceito de “Block of Affects and Percepts”, inerente à definição de arte da autoria de Deleuze e Guattari.

todos os cidadãos possam ter voz e sejam capazes de desconstruir as hegemonias e o controlo social. Na opinião de Vieites (Vieites, 2000c), o teatro, no limite do encontro entre o estético, o social e o cultural, é simultaneamente um fim em si mesmo e um veículo de relação entre cada uma das pessoas que formam a comunidade, entre o pequeno e o grande, entre o local e o global, entre a vida e o sonho.

A convergência de perspectivas, quanto ao que se constitui ou não como TeS, parte do princípio de que a tensão que possa surgir entre as várias correntes (Teatro Comunidade, Teatro Popular, entre outras) não deriva da falta de elementos que permitem o encontro de território comum entre elas, como seja o pro-social, os princípios éticos, ou a aplicação das técnicas em função da necessidade dos contextos populacionais. Muitas discordâncias relevam de factores relacionados com o percurso cultural, a falta de conhecimento das raízes teórico-práticas que orientaram cada uma, ou da falta de clareza das vertentes que presidem à acção (Schechner e Thompson: 2004).16 É no sentido de contribuir para a inversão de mal entendidos que passamos de seguida a indagar sobre as várias disciplinas na origem de

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