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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.6 Contributos de Outras Áreas das Ciências Sociais

3.6.1 Antropologia e Sociologia

3.6.2.1 Origens da Dramaterapia

A Dramaterapia desenvolveu-se em Inglaterra e nos Estados Unidos da América entre os anos 60 e 70 do século XX com base no drama na educação e em jogos teatrais promovidos por especialistas de teatro. A área da Psicologia é estruturante na fundamentação da Dramaterapia. No entanto, quem primeiro uniu os termos “Drama” e “Terapia”, em 1959, foi Slade (1958), também na origem do Teatro Educação com o “Child Drama” em Inglaterra (Valente, L., 1991a; Schattner, G. e Courtney, R., 1981).

A mais importante referência surge de Moreno, na primeira metade do século XX, e do Psicodrama. Foi Moreno quem estabeleceu o início das chamadas “Terapias Activas”, dada a relevância atribuída à acção em comparação com a palavra. Davis, um conceituado terapeuta de psicodrama e de Dramaterapia, realça o quanto, já na sua época, Moreno considerava a herança do ritual e da tradição uma importante fonte para a resolução simbólica de crises e conflitos. Sendo esta herança algo que atravessava todas as culturas, a sua aplicação tinha repercussões, tanto a nível das comunidades como em termos individuais. Considerava a capacidade de dramatização, da criatividade, do lúdico e da curiosidade características inerentes ao ser humano, fundamentais na potenciação da pessoa e na resolução de problemas (Davis, 1987). Foi também ele quem formulou e estruturou a terapia de grupo, inovadora na sua época, já que o que persistia até então era o atendimento de um para um, de terapeuta para cliente.

Moreno preconizava como objectivo do Psicodrama a busca da “verdade” através de meios dramáticos. “A descoberta principal de Moreno foi compreender a profunda valência sócio-psicológica da experiência teatral e sobretudo da relevância não só terapêutica, mas

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A ligação entre corpo e mente é explorada em algumas correntes de terapia através do teatro como a de Walter Orioli, sob influência de Barba, ou da Bioenergética, de Alexander Lowen.

também cultural e social do grupo.” (Bernardi, 2004: 47). Defendia que o Psicodrama podia ocorrer em qualquer lugar e em qualquer momento, desde que fossem criadas as condições de espontaneidade; para tal, definiu as condições que pudessem catalisar a sua ocorrência e canalizá-la para objectivos terapêuticos. As técnicas que desenvolveu baseiam-se em improvisações, auto-expressão activa através do drama e jogo de papéis. O efeito catártico91 é um aspecto central na prática do psicodrama. Recusava a divisão entre consciente, pré- consciente e inconsciente, defendendo que o indivíduo é uno. Interessava-lhe agir sobre o “aqui e agora” do grupo e, com cada sujeito, sobre o comportamento e a acção dramatizada. Posteriormente, em termos psicanalíticos, esta recusa progrediu para um reconhecimento do potencial do psicodrama enquanto técnica, mas não da teoria que o sustinha; nomeadamente, porque a estrutura psíquica dos pacientes não demonstrava grandes transformações diante do efeito catártico.

Antes do Teatro Terapêutico, desenvolveu o Teatro Espontâneo, que não se recolheu aos círculos de terapia: Moreno infiltrou-se em grupos marginalizados, aplicando o seu método numa tentativa de ajudá-los a interagir com o social, através da tomada de consciência e expressão de si. Em 1917, defendia uma ideia revolucionária de teatro. Só aceitava como fórmula de teatro realmente implicadora aquela que se opusesse ao teatro tradicional, que abolisse a distinção entre actor, espectador e autor e que intensificasse a experiência dramática.

O ponto de referência da proposta moreniana era a sociedade, já que, na sua génese, punha em questão as máscaras, os estereótipos e alguns formatos massificadores que constituíam a vida colectiva. Chamava ao paciente, “protagonista” e ao terapeuta, “director”. Apesar de Moreno encenar o seu trabalho e apresentá-lo a uma audiência, o intuito era essencialmente o de quebrar barreiras entre actores e essa mesma audiência. Via no teatro tradicional, que considerava ser todo aquele que não era Teatro Espontâneo, a perpetuação de colonização do imaginário através de uma instituição. Outro dado interessante do Teatro Espontâneo relaciona-se com a alteração do desempenho do autor que, até ao momento, estava activo apenas na redacção da narrativa: o teatro-improvisação vinha oferecer a possibilidade de autoria em simultâneo com a de execução, onde imaginário, emoções, visualização, interpretação e acção estão num contínuo processo de transformação. Ao

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Martin Davis, esclarece que “Catarse, um conceito difícil de definir, pode ser representada como a movimentação interna de interacções emocionais e evocativas, previamente evitadas porque os sentimentos emergentes poderiam ser intoleráveis dentro do padrão existente de expectativas de papeís ou de constructos pessoais. (…) Catarse é o momento no qual a estrutura de papeís existente se suporta finalmente na reforma em si.” (Davis, 1987: 116).

conferir ao director-dramaturgo a liberdade de criar os argumentos no momento da sua execução, e ao actor, a liberdade de improvisar, criando e desenvolvendo os papéis, o Teatro Espontâneo desloca-se da “criação como produto” para a “criação como processo”.

Numa segunda fase, no âmbito do Teatro Terapêutico, nasce o psicodrama e, mais tarde, o sociodrama. O conceito de “papel individual” na sua relação com “papel social” torna-se central. Enquanto no psicodrama o paciente, o seu relato e a sua história são o centro do drama a improvisar, no sociodrama todo o grupo improvisa sobre o tema que preocupa a comunidade, num formato de psicoterapia de grupo (Courtney, 1981). É no processo que decorre entre o contexto dramático, contexto grupal e contexto social que o protagonista se reconstrói e afirma a sua natureza, emancipando-se da carga massificadora imposta pelos papéis sociais e pelas ideologias que através deles se perpetuam. Através da exploração e reconstrução dos papéis, procura-se a reconstrução de sistemas sociais, testando numa situação segura o efeito da transformação nesses papéis. A Dramaterapia adopta muitos destes princípios mas prescinde do carácter de intensidade e universalidade “messiânica” que caracterizava Moreno. Também não encontra na catarse o objectivo da sua intervenção junto do grupo (Davis, 1987).

Outra importante referência é Jung que foi o primeiro a investigar a natureza e o valor do símbolo, da função simbólica e dos arquétipos. Como forma de acesso ao inconsciente utilizou conceitos inovadores como o de arquétipo ou de inconsciente colectivo, e deu especial relevância ao mito, à lenda e ao símbolo. Este investigador elaborou metodologias terapêuticas com base nesses elementos que foram amplamente adaptadas e utilizadas nas abordagens dramaterapêuticas, nomeadamente através da ênfase atribuída à mitologia, à religião e à filosofia. Partiu da convicção de que a história e a imagem podem representar a percepção objectiva e subjectiva da realidade interna e externa. A teoria das histórias e das lendas pressupõe um padrão na “viagem” da alma, da psique e do herói interior e simboliza os conflitos e a sua resolução. A universalidade com que trespassaram a(s) história(s) do Homem, numa grande variedade de culturas até aos nossos tempos e em diferentes níveis de conhecimento de si, da sua génese e do que o rodeia, vincam a sua ancestralidade e sabedoria. Providenciam uma oportunidade multidimensional de diálogo entre o terapeuta, o paciente e essa sabedoria ancestral. Jung desenvolveu o conceito de “inconsciente colectivo”, ou de uma sabedoria profunda; grande parte da sua terapia estava

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Segundo Hanna Segal, psicanalista de referência, a equivalência simbólica constitui-se quando a realidade de um objecto, ou actividade é negada identificando-se com uma outra, quer subsista, ou não, o reconhecimento de semelhanças e a consciência e respeito pela separação.

focada no acesso a esse inconsciente. Para Jung, o inconsciente era fonte de bem-estar, criatividade e de orientação interior. Encontrou na imaginação e na criatividade fontes de cura. Jung desenvolveu técnicas de imaginação activa, através das quais encoraja o paciente a fantasiar, a explorar e a inventar os seus próprios mitos; deste modo, a construção das histórias tende a simbolizar a sua vida e as suas aspirações futuras, seja para verbalizá-las seja para exprimi-las (acting out). Jung também estimula a expressão de sentimentos através de uma panóplia de diferentes técnicas e abordagens como a pintura, a escultura, a música e o movimento. Tentou expandir a vivência de diferentes realidades que subsistem no indivíduo e na sua psique, através da criação de estratégias de diálogo entre a área do pensamento e da lógica com a da imaginação e da experiência.

O conceito de “arquétipo” integra a sua perspectiva do homem na relação com a psique. As principais características dos arquétipos são: a universalidade, através do espaço e do tempo, ou seja, através de todas as culturas e épocas; a bipolaridade, em que cada um contém, de forma complementar, as qualidades positiva e negativa; a produção de efeitos poderosos, como a fascinação e o sentir-se elevado por algo grandioso, ou significativo; o situar-se nos extremos, o que faz com que, seja ela qual for, a experiência arquetípica torna- se absolutamente boa, ou absolutamente má, como “maior que grande”, ou “mais pequena que o pequeno”, como “sempre”, ou “nunca” (Jung, 1939).

Winnicot (1975) é também uma referência essencial, já que, no seguimento dos contributos de Jung e complementando as suas descobertas, investigou as raízes da capacidade de simbolizar no desenvolvimento psicológico da pessoa e pesquisou sobre as condições psicológicas necessárias ao seu desenvolvimento. Esta construção de um espaço de ensaio, onde prevalecem objectos transicionais, foi apontada por este pensador, que realçou a importância destas vivências ficcionais para a construção das sucessivas etapas de desenvolvimento do indivíduo desde a sua infância, em termos cognitivos, afectivos e sociais e de como deste processo depende, uma boa parte, do equilíbrio pessoal e da qualidade de relação com o meio envolvente. Esta “área de ilusão” e “terceira área”, onde se inscrevem as experiências com o objecto transicional, têm como característica estruturante a admissão do paradoxo.

Outras referências vindas sobretudo da área da Psicologia, surgem com Rogers e a noção de empatia, Vigotsky com as teorias da aprendizagem através da interacção social e da linguagem, apenas para apontar os mais relevantes. Freud, como complemento, ou por oposição, está na base de qualquer um deles.

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