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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.1. Pedagogos do Teatro Moderno

3.1.2 Copeau e Meyerhold: Teatro Popular e Pesquisa

Encontrar a ligação entre estes dois encenadores vem responder à necessidade de olhar para os seus contributos nas modernas teorias da performance e como estas se enformam também a partir das suas pesquisas. Tanto Meyerhold como Copeau opuseram-se à influência do naturalismo das culturas teatrais que então vigoravam nos respectivos países. As razões desta oposição distinguem-se das de outros encenadores e dramaturgos da época, no que se refere à função social do teatro, do lugar do texto e da centralidade do actor. Diferenciaram-se sobretudo na tentativa de realçar o Teatro como arte e acto social que recusa a ilusão. Em Meyerhold, esta ligação surge com a necessidade de conhecimento das “leis básicas da teatralidade”, o interesse pela cultura popular, pelas suas tradições teatrais22

e na democratização cultural. Ambos procuravam novas formas de teatro que pudessem

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Sobretudo no renascimento da Commedia del Arte, nos teatros de feira, nos “Mistérios” e nas festas populares.

responder às suas convicções acerca da essência e função do teatro na nova sociedade da sua época (Milling e Ley, 2001).23

Tanto com Meyerhold como com Copeau, o texto nem sempre ocupou um lugar prioritário no seu trabalho. Sentiram a necessidade da recriação de textos que correspondessem à sua procura artística, fossem originais, ou traduções/ adaptações. Encontraram no simbolismo uma base de sustentação prática e teórica. Na verdade Copeau (1979), a partir de um determinado momento do seu percurso, levantou a questão de saber se a “aderência” do teatro ao texto não teria a sua origem numa defesa de território do teatro, por parte da cultura da academia literária e de escritores, mais do que numa necessidade própria da teatralidade.

Também Meyerhold (1980b), após um primeiro momento em que não prescindia de uma subjugação ao texto24, em que competia ao encenador e ao actor trazê-lo à cena no que

ele continha de contemporâneo, deslocou aos poucos a sua atenção do texto para o actor e para o desenvolvimento de capacidades físicas que lhe despertassem uma sensibilidade específica (biomecânica). Roose-Evans (1989) aponta que a exigência de uma nova ideia de teatro associada à inspiração da Commedia del Arte tornou-se fundamental na edificação do novo conceito.

Em ambos, os pensamentos sobre proeminência, papel e centralidade do actor tornam-se um marco das suas teorias sobre o fazer teatral. Resgatam a importância da observação da vida real e do olhar crítico como processo desencadeador de acções criativas performativas. Ao contrário do realismo naturalista, a intenção não era a verosimilhança, mas sim uma percepção distanciada que informasse o jogo simbólico e metafórico do actor. Esta nova atitude performativa resulta da importância atribuída ao corpo do actor como veículo e catalisador da poética dramatúrgica; da necessidade de observação rigorosa; da atenção atribuída ao detalhe (mais uma vez com intenções diferentes); da convicção de que a acção expressa e a forma como é manifestada derivam de uma “vida interior”; da preocupação de que tanto as acções quanto a sua intencionalidade sejam “correctamente” apreendidas pelo público.

No entanto, os textos destas figuras do teatro devem ser contextualizados à luz de uma visão crítica sobre as influências sociais e culturais da época, do contexto político e

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A época foi pródiga na luta pela melhoria de condições sociais, onde o novo conceito socialista, da identidade do povo e da classe operária, depositaria nestas as esperanças de uma sociedade igualitária com acesso à governação, indústria e arte.

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Onde desenvolveu o conceito de “Theatre of Straight Line” onde o encenador absorvia as intenções e a concepção do autor, as transmitia ao actor, assumidamente numa versão revisitada pelo encenador.

social em que viviam, da fase experimental e criativa que atravessavam e a quem esses escritos se dirigiam. A este propósito, Jane Milling e Graham Ley (2001) ressalvam que estas condicionantes foram eventualmente propiciadoras de contradições entre as suas visões teóricas e as suas práticas teatrais.

3.1.2.1 Meyerhold

Meyerhold é um dos representantes da vanguarda russa do início do século XX. São várias as alterações que trouxe com o seu Teatro Experimental, na tentativa de se afastar do realismo. Realizou pesquisas sobre o actor, a concepção do espectáculo e a relação com o espectador. Ao fazê-lo, atravessou diferentes fases, cada uma das quais enriquecidas pelo crescente interesse em formas tradicionais de espectáculo e de convenções teatrais articuladas com formas inovadoras de encenação. Picon-Vallin (Meyerhold 1980b), na introdução à colectânea de textos de Meyerhold, relata que este encenador explorou a linguagem do grotesco, reafirmou a teatralidade, a improvisação, a fisicalidade e a negação do estereótipo.

O Actor, o Encenador, o Público

A fim de encontrar uma linguagem no actor capaz de corresponder aos seus intuitos inovadores25, Meyerhold encontrou no conceito de “actor-marionete” um dos fundamentos da sua prática. Nesse sentido, desenvolveu o sistema da Biomecânica em 1920. Na Biomecânica sistematizou um conjunto de movimentos a serem rigorosamente praticados pelo actor de forma a se expandir o potencial expressivo da sua fisicalidade em palco, que relacionava o controlo mental com a destreza física e a manifestação de emoções. Roose- Evans (1989) esclarece que a Biomecânica consistia numa forma de treino que procurava desenvolver no actor o seu potencial atlético, acrobático e mecânico. Pressupunha a divisão da acção em três tempos principais: “Preparação da acção – pausa – a própria acção – pausa – e a sua reacção correspondente. O seu alvo era disciplinar a resposta emocional e muscular do actor.” (Ibid.: 28). Outras componentes da Biomecânica eram o domínio entre tensão e relaxamento, do ritmo imprimido ao movimento e a relação existente entre o gesto e o controlo da respiração. Deste percurso de treino físico resultou uma panóplia pré- estabelecida de gestos, movimentos, posturas e ritmos que continham a energia e fluidez

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físicas necessárias para que o corpo correspondesse às necessidades de interpretação do personagem: era a partir do encontro do corpo com o sentimento que o actor comunicaria a emoção contida no papel. Ainda segundo Picon-Vallin (in Meyerhold, 1980b), Meyerhold valorizou a comunicação através da acção física mais do que a “sobre utilização” da palavra; no entanto, conferiu ao texto a base de toda a pesquisa dramatúrgica consequente.

Os conceitos e métodos que Meyerhold desenvolveu foram influenciados pela variedade de investigações no campo performativo que foi cultivando. Interessou-se pelas técnicas circenses, pelo music-hall, pela festa de origem popular, pela mímica, pelas convenções do teatro chinês e japonês, pela utilização da máscara. Fez renascer a utilização de técnicas de improvisação influenciada pela Commedia del Arte. A Commedia del Arte permitiu-lhe realçar aspectos antagónicos, os opostos, o absurdo e favorecer a estranheza e a surpresa. Permitiu igualmente recuperar alguns dos elementos primordiais do teatro, como sejam a utilização da máscara, a existência do conflito e do enredo. O sentido do grotesco inspirou um vasto campo de exploração dramática e favoreceu a composição com base nos contrastes e a integração do som, da música, do ritmo e da imagem.

Meyerhold foi também inovador na relação com o público e colaborou para a extinção da “4ª parede”. Leach (2004) salienta que este encenador engendrou a aproximação entre actores e audiência, não só através da criação de estratégias cenográficas, como da própria concepção de espectáculo; considerava que o público devia desenvolver a sua imaginação na descoberta do significado simbólico, lançando desafios para deslindar uma leitura mais significativa de todo o enredo, com base em códigos cénicos, símbolos, geometrias e metáforas. Foi inovador na visão de trabalho de equipa necessário à edificação do espectáculo o que, forçosamente, trouxe consequências para a riqueza de comunicação de ideias entre todos e para a sugestão de possibilidades de exploração do potencial da obra, mais do que para a apresentação de soluções fechadas.

Um dos grandes objectivos da pesquisa de Meyerhold foi o trabalho do actor com base na improvisação. O papel do encenador deslocou-se da sua centralidade, mas não abandonou o protagonismo na criação e na coordenação do conjunto. Quis desencadear uma nova relação entre encenador e actor que exigia do actor uma atitude criativa e exploratória, cuja prioridade era a recepção de todo o trabalho por parte da audiência. O encenador agia como interlocutor entre o autor da peça e o imaginário: o seu e o dos actores. As etapas e todo o processo de construção diferiam em muito daquelas utilizadas pelo teatro naturalista.

Leach (2004) sublinha que cabia ao encenador projectar a obra teatral no seu todo, transmitir aos actores a sua concepção, incutindo-lhes o entusiasmo e a inspiração necessários à colaboração criativa destes, com base na improvisação. Era a partir de imagens, interpretações e ideias do encenador que os actores, supostamente, desenvolviam a “sua forma de” performance que, por sua vez, seria apresentada à audiência. Meyerhold (1980a) apelidou esta sua abordagem de “Teatro da Linha Direita”. A relação entre actor e encenador tornou-se um elemento central na criação do espectáculo, dentro dos parâmetros estabelecidos por este e bem aceites por todos.

Função Social do Teatro

O hino às virtudes da era industrial deixava adivinhar os ideais revolucionários da época de Meyerhold, com a transformação da sociedade e uma distribuição mais justa da produção e da riqueza. A vitória do racionalismo e a faculdade de reflectir sobre a sociedade, sobre o mundo e a condição humana tornam-se um vector do seu teatro, inserido no movimento “Agitação e Propaganda” (Agit Prop). O Agit Prop teve consequências tanto nas correntes teatrais, como também nas outras esferas da cultura, como sejam a dança, a pintura, a música, a literatura. Defendia-se a agitação de massas através das artes, onde estas tinham o papel de mostrar aos públicos o quanto o poder é opressivo e como só a luta do proletariado desencadearia a libertação dos povos, ideais caros à Revolução Russa de 1917; defendia-se a destituição de uma elite artística e o direito de todos usufruírem de um mundo cultural, crítico e actuante. Raras foram as ocasiões em que os artistas tiveram tantas oportunidades de pesquisar sobre formas alternativas de teatro, como aconteceu nos primeiros anos pós-revolução russa, antes da ascensão de Estaline (Milling e Ley, 2001).

A estilização do jogo de actores, a cena arquitectural de grande porte, o design, a carga simbolista presente na dramaturgia, com correspondência na cenografia, ou mesmo a posterior cenografia, de carácter abstracto de formas geométricas, envolvia o público na consciência de que o que se passava diante de si era diferente da realidade, que pertencia ao domínio do teatro. Mas exactamente porque imerso nessa linguagem ficcional e estética, despertava um olhar crítico sobre o enredo e, consequentemente, sobre a realidade. A distorção intencional da realidade conferia à cena novas dinâmicas de percepção e instigava nos actores novas alternativas de execução teatral altamente estilizadas. Mas que realidade? Com Estaline no poder, Meyerhold é forçado a restringir as suas pesquisas teatrais, enquanto que o teatro é utilizado como forma de propaganda da ideologia do partido único, um teatro

panfletário. É aqui que o movimento (pseudo) revolucionário vem chocar com a pesquisa artística de Meyerhold, que se sente impedido de exercer a liberdade criativa e artística e se reencontra, no final da vida, com Stanislavsky (Roose-Evans, 1989).

3.1.2.2 Copeau

Copeau (1979) foi durante muito tempo crítico de teatro e iniciou-se como encenador aos trinta e cinco anos de idade, impulsionado pela sua necessidade de inovação do teatro, bem como contraponto ao teatro de Antoine26, que então prevalecia. No entanto, sempre tornou pública a sua admiração por aquele que contestou, atribuindo-lhe um papel fundamental na evolução da concepção de teatro e admirando o espírito dedicado e o rigor das suas produções.

Apesar de se considerar incluído no movimento dos “inovadores” do teatro, criticou os seus contemporâneos por se confinarem à simples experimentação técnica sem uma intenção definida, o que, na sua perspectiva, não representava um contributo para o desenvolvimento do teatro enquanto resposta a uma aspiração espiritual.

Em 1913, decidiu formar a companhia do “Théâtre du Vieux Colombier”, para aí iniciar a aplicação de princípios teatrais que viriam a revolucionar a prática dramática do seu tempo e a inspirar várias gerações de actores, dramaturgos e encenadores, seus contemporâneos e sucessores.

Em termos cénicos, por contraste com Antoine, Copeau foi um dos precursores do despojamento do palco. Defendia que deviam estar presentes em cena apenas os elementos mínimos que agilizassem o jogo do actor. Não confundia este despojamento com precariedade de meios, procurando que cada objecto ou elemento cenográfico contivesse em si próprio uma multiplicidade de sentidos. Também em termos de cena foi inovador, ao anular o proscénio e ao quebrar com a distância entre o público e a cena pela exclusão das luzes frontais (Roose-Evans, 1989).

Encenou variadíssimos textos clássicos, mas também alguns modernos na sua época. Procurava o contacto orgânico com o texto, da escuta do seu ritmo, intervalos, silêncios bem como com outros elementos que em dramaturgia têm uma forte correspondência com os elementos musicais. Já na fase final da sua carreira, transitou de um interesse centralizado na obra dos clássicos para a composição de um repertório próprio às pequenas companhias,

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Antoine fundou e dirigiu o “Théâtre Libré” entre 1887 e 1896. Foi um dos precursores do naturalismo por oposição ao classicismo e ao romantismo. Alterou a relevância da encenação na criação teatral, remetendo para o encenador o papel mais relevante logo a seguir ao do autor/ dramaturgo.

mais próximo das realidades culturais onde estas estavam integradas, num teatro ligado aos eventos e ao cerimonial ocasional. As dúvidas sobre a centralidade do texto como essencial ao teatro decorreram da pesquisa acerca da criação das produções de Molière e da teatralidade presente na Commedia del Arte (Milling e Ley, 2001).

O Actor, o Encenador, o Público

Copeau também recusava a afectação do actor, o artificialismo e almejava recuperar para o teatro a sua autenticidade e sinceridade. Sempre preservou o enfoque no trabalho do actor, que entendia ser a alma do espectáculo. A abordagem ao jogo do actor, que ele próprio praticava, implicava uma entrega mental e física ao papel na busca da verdade, recusando qualquer artificialismo de forma. Era um processo que decorria em diferentes etapas. Para encontrar a aliança entre rigor e espontaneidade na interpretação de personagens, exigia aos actores um rigor físico e mental, uma resposta constante à contracena e um bom ambiente de camaradagem entre todos. Colocava a “camaradagem” ao mesmo nível de qualquer outra competência do ser actor.

A relação com os actores pressupunha proximidade e respeito, acompanhada por uma direcção muito clara, a valorização do espírito de grupo que ultrapassasse as barreiras do

cliché ou da intriga, uma dedicação e entrega totais à causa e à prática teatral. Ao encenador

competia participar na construção dos diferentes domínios da apresentação, desde a recriação do texto, aos cenários, às luzes, aos figurinos. Via o papel do encenador como o de um guia espiritual, a quem competia “filtrar, seleccionar, explicar, equilibrar, harmonizar.” (Roose- Evans, 1989: 57). Tinha por mentor da sua mestria Molière que, enquanto director de Companhia, tinha desenvolvido a capacidade de percorrer as diferentes componentes de realização do espectáculo.

No que se referia ao ideal de actor e ao seu treino, defendeu o termo “vocação” por oposição a “profissão”, e sempre se recusou a encará-la como actividade comercial, ou profissional (Milling e Ley, 2001). A aprendizagem produzida pela experiência no “tablado” estruturou a sua forma de ensino: o desenvolvimento das competências de actor era fortemente influenciado por conceitos de Companhia, presentes em Molière, e pela forma de actuação da Commedia del Arte, entre outros formatos de Teatro Popular, capazes de conferir ao espectáculo a força do retorno às raízes, “ numa comunhão de riso e reconhecimento.” (Roose-Evans, 1989: 56). Estimulava os jovens a munirem-se de todo o tipo de expressão dramática que beneficiasse a “frescura” do jogo, como a mímica, ou a

dança, ou o teatro Nô, que era, no seu entender, uma das formas mais disciplinadas de arte de palco (Ibid.).

Esta convicção denota um idioma religioso que o inspirava e se manifestava no ethos que queria afirmar na Escola do Vieux Colombier27 e na companhia “Les Copiaux”, que fundou em 1924, quando se mudou para Burgundy, em meio rural (Copeau, 1979).

Copeau desenvolveu, dentro do espírito de itinerância e de descentralização teatral, todo um saber de despojamento do palco, de organização do local de espectáculo que não as salas tradicionais para esse efeito, de rentabilização de cenários e de articulação de signos teatrais, que tinha também como objectivo o reconhecimento das realidades da comunidade.

Quis reforçar a função cerimonial do teatro, como espaço e momento privilegiado de encontro, ao qual deveria ser atribuído um estatuto particular e nobre por parte da audiência, por parte dos actores, por parte dos autores. Desenvolveu na sua pequena Companhia, que encontrava na pequena escala a qualidade da relação entre actor e público, alguns dos princípios de teatro dedicado a um local e a uma cultura particulares; só neste contexto se reuniam as condições para o desenrolar de um trabalho de improvisação ligado à comunidade a que era dirigido (Milling e Ley, 2001).

Desenvolveu formas de encenação, de representação e estratégias de treino do actor que favoreciam a interacção entre o palco e o público, a criação de espectáculos que resultassem interessantes e dinâmicos. No encontro com o público, procurou a actualidade nos textos clássicos, opondo-se a um tom escolástico e declamatório sem desvirtualizar os seus autores e conteúdos dramáticos. Foi Copeau que estimulou nos seus sucessores o florescimento de formas populares de teatro em França, que conheceram um apogeu particular no pós-guerra.

Diferentes opiniões sobre objectivos e estilos do teatro “popular” e sobre o interesse da adesão de um grande público aos espectáculos foram temas que interessaram Copeau ao longo da vida. Num primeiro momento, a sua curiosidade pelo Teatro Popular incidia mais na forma e no estilo. Aos poucos, e em concomitância com as tensões que estiveram subjacentes a acontecimentos políticos e sociais da sua época29, reconheceu no Teatro

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A escola conheceu o seu auge entre 1921 e 1924, tendo recebido alguma inspiração do músico e pedagogo Jacques Delcroze.

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A escola conheceu o seu auge entre 1921 e 1924, tendo recebido alguma inspiração do músico e pedagogo Jacques Delcroze.

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Tensões que oscilavam entre a propagação de novas mentalidades e discursos políticos de justiça e democratização social e os acontecimentos em que se assistia à deturpação do ideal socialista, à ascensão de Estaline e à perseguição de intelectuais e artistas defensores da liberdade de pensamento e acção, como Meyerhold.

Popular uma linguagem própria de grande potencial, alicerçada na sabedoria das origens, meritória de pesquisa, de valorização e de divulgação. Aliás, nas várias tournées realizadas pela Companhia, a partir dos anos 20 do século XX, tornou-se um princípio estruturante da prática artística dar a descobrir os textos clássicos a todo o tipo de camadas sociais, o chamado “público popular”, e não apenas à elite cultural do seu tempo (Drain, 1995).

Função Social do Teatro

Copeau não confundia o seu interesse em audiências menos habituadas ao feito teatral com a tendência, a que se assistia em França, para a realização de espectáculos para massas, desenvolvida por outras companhias de Teatro Popular que, aliás, tinham algum paralelo com o que se passava na ex-URSS. Também distinguia “teatro para massas” de “teatro de massas”, recusando peremptoriamente a primeira designação, já que estava associada a eventos nazis; recusava a promoção indiscriminada de espectáculos teatrais para um público que se tornava anónimo, com uma mensagem ideológica explícita, sem o contacto mais próximo entre os acontecimentos em palco, protagonizados pelo actor, e a audiência, contacto esse que era afinal a relação privilegiada promovida pelo acontecimento teatral e que ele tanto defendia. No entanto, com a II Guerra Mundial e a ocupação de França pelas forças de Hitler, defendeu uma atitude mais politizada do teatro na qual este, sem nunca se demitir da sua dimensão artística, poderia também integrar uma função de regeneração cultural. Este intento político, fortemente ligado a uma preocupação moral imbuída de espírito religioso e católico a que já aludimos anteriormente, consistia numa entrega à “missão” de divulgar o teatro a uma audiência popular que era, afinal, a classe trabalhadora quase sem meios financeiros (Milling e Ley, 2001).

É nesta vertente que emerge uma visão do teatro na sua função social que, no entanto,

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