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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.4. Antropologia Teatral

3.4.4 Críticas à Antropologia Teatral

A abordagem em AT, quando se opôs ao racionalismo e ao positivismo semiológico, tornou-se fonte de debates (Pavis, 1997).

Levantaram-se algumas vozes contestatárias sobre o valor científico da metodologia utilizada, ou seja, do quanto esta não servia a investigação de novas categorias e variáveis enquadradas pelo processo de pesquisa proposto em Geertz, mas que se apropriava de uma adaptação desse enquadramento para a confirmação de categorias já identificadas anteriormente, sem o percurso científico necessário à sua emergência. Zarrilli (1988) foi um dos críticos de Barba com a publicação na The Drama Review do artigo “For Whom is the ‟Invisible„ Not Visible? Reflections on Representation in the Work of Eugenio Barba.” Barba (1988) teve oportunidade de esclarecer algumas questões que lhe foram lançadas nesse texto através do artigo publicado na mesma revista, “About the Visible and the Invisible in the Theatre and about ISTA in Particular.”, onde expõe a sua postura como investigador diante do objecto cénico.

Algumas críticas dirigidas à Antropologia Teatral foram:

– Pavis apontou alguma indefinição quanto à metodologia e ao processo de análise que está na origem das afirmações científicas, nomeadamente quando é feita uma análise “transcultural” descontextualizada, histórica e socialmente, o que leva a uma confusão do que se entende por “transcultural”, bem como sobre o instrumento de observação e os procedimentos científicos utilizados. A este propósito, afirmou que:

“no estudo do bios do actor, o que é necessário exactamente examinar e medir? Devemo-nos contentar com uma descrição morfológica e anatómica do corpo do actor? Devemos medir o trabalho dos músculos, o ritmo cardíaco, etc.? É preciso medicalizar a investigação teatral? Tais estudos foram desenvolvidos sem que os resultados possam ser relacionados com outras séries de factos, nomeadamente os elementos socioculturais.”

(Pavis, 1997:20)

– Pavis opôs-se também à fractura apontada por Barba entre um corpo quotidiano no seu ambiente cultural e um corpo performativo em ambiente artificial, já que, mesmo quando actua, o corpo do actor está impregnado da sua cultura de origem e da sua gestualidade quotidiana. O corte estabelecido entre vida e representação contrariaria todo o pensamento desenvolvido pelos sociólogos e antropólogos de “teatro=vida” (Shepherd e Wallis, 2004).

No entanto, Carlson (2004) considerou que antropólogos como Singer ou Bauman e criadores teatrais como Barba – apesar das suas diferentes perspectivas e áreas de investigação – têm em comum o facto de entenderem a performance como uma actividade extra-quotidiana, como afirma em grande parte das suas pesquisas. Resta saber se essa perspectiva não será o lançamento de um novo nível de análise.

Outros investigadores realçam uma contradição quanto ao espaço de liberdade de experimentação do actor, quando a figura do “mestre” oriental se impõe como referência para a procura do ethos do actor. Acresce o facto de que as figuras históricas, que inspiraram Barba, defendiam a criação teatral centralizada no director. Ou seja, é um formato operacional e estético de treino do actor que tem subjacente um modelo com um ascendente e poética que, forçosamente, influenciam o actor na sua expressão e no seu ethos: a hierarquia está patente, seja o modelo baseado nos “princípios que retornam”, ou outros.

Por fim, Schininà (2004a) assinalou que esse grupo de artistas se enclausurou de tal forma no treino de técnicas e de pesquisa teatral que os resultados atingidos não “comunicam” com quem não pertence a essa mesma comunidade de artistas. Curiosamente, nas suas práticas mais recentes de “Teatro Mundi” e de “Teatro de Interferência”, Barba integra práticas com algumas semelhanças com o happening, onde subsiste uma maior aproximação entre cultura, arte e vida.

Schechner (2002) refere que, independentemente das críticas a que possa estar sujeito, Barba sempre foi consequente com os objectivos da sua pesquisa. No entanto, esta não se pode enquadrar numa linha académica já que, ao pretender confirmar a universalidade do nível pré-expressivo, ou nível biológico, embate em questões de rigor de investigação. Nesta busca de universalidade, Schechner (Ibid.) aponta duas questões: por um lado, em termos de diversidade na observação e recolha de dados, a amostra deveria ser muito mais abrangente e não se limitar quase exclusivamente a performances de origem asiática (esquecendo outras como a africana); a partir daí, a investigação poderia ser desenvolvida com base na constituição de um corpo de perguntas que emergiria dessa observação e respectivas respostas. Schechner tem a convicção de que as similitudes encontradas, ou o nível bios, são apenas fruto da difusão cultural. Por outro lado, em termos teóricos, Barba não devia partir da sua própria visão do que é a “excelência teatral” e seleccionar apenas as exposições e demonstrações que coadjuvam a sua opinião; ao comparar as práticas ocidentais e orientais, as ilações são maioritariamente sujeitas a preferências e técnicas, que visam um determinado estilo de representação.

Shepherd e Wallis (2004) referem a determinação de Barba e Savarese em distinguirem Antropologia Cultural, Antropologia Física e Antropologia Teatral: Barba e Savarese consideravam esta última um “género” diferente dos dois anteriores, com um objecto de investigação próprio. Shepherd e Wallis (2004), a este respeito, dizem que, quando Barba e Savarese identificam o seu projecto como “o estudo do comportamento humano, não apenas no nível sócio-cultural, mas também no fisiológico” (Ibid.: 8), sem o saberem, estão a aludir aos primórdios da Antropologia. Estes autores concluem que a oposição não se estabelece em relação à Antropologia Cultural, mas antes em relação ao cultural. Concluem que em Barba e Savarese está subjacente a convergência entre drama estético e Antropologia e, como tal, sugerem que a Antropologia Teatral se enquadre na Etnografia da Performance. Deixam em suspenso a pergunta de como manter a consistência científica de uma área que tem por centro o Homem, quando esta é descontextualizada de factores culturais. Outra crítica alude ao risco de orientalismo, apesar da reciprocidade que preside aos encontros interculturais poder minimizar esse risco. Por fim, afirmam que Barba e Savarese se contradizem porque, apesar de recusarem a ilação de princípios universais, apresentaram uma alternativa de “princípios de orientação” que contém tendências igualmente universais.

Apesar das críticas tecidas à Antropologia Teatral, tanto Schechner, quanto Marinis, Pavis, ou Shepherd e Wallis são unânimes ao considerarem que a sua investigação foi muito frutífera para um intercâmbio entre Oriente e Ocidente, que vários autores e criadores teatrais se inspiraram tanto nos métodos expostos, quanto nos processos e técnicas de uma outra cultura: Barba representa uma referência incontornável no quadro da performance contemporânea.

Notas Finais

Marinis, numa atitude conciliadora e sensata quanto à futura aplicação dos princípios, defende que:

“os princípios pré-expressivos (…) servem, ou melhor dizendo, poderiam servir ao actor, ao estudioso, sempre que se entendam e utilizem correctamente, sem uma excessiva sobrevalorização (provavelmente não constituem, pelo menos na sua formulação actual, as invariantes subjacentes ao funcionamento profundo a qualquer fenómeno teatral), mas também sem uma excessiva subvalorização (não se trata “só” – como também alguns têm insinuado – da poética do Odin e do seu director). Em

todo o caso, é indispensável que quem teoriza acerca da Antropologia Teatral

segundo Barba faça um esforço por precisar melhor a natureza, o estatuto teórico e as

funções dos princípios pré-expressivos.” (Marinis, 1997: 89)

Oferece-nos igualmente com os seus princípios constitutivos uma base muito alargada de exploração da comunicação performativa e em que termos essa comunicação pode acontecer. Elementos pré-expressivos, como os já apontados anteriormente, podem assumir-se como estímulos a uma determinada poética teatral criativa e de acção, bem como constarem como variáveis de monitorização do processo de evolução de cada participante. Aliás, Oriolli (2007), um dos fundadores da Teatroterapia, apresenta uma abordagem das sessões de terapia teatral com base nas propostas psicofísicas de Barba, onde elenca rubricas de monitorização.

A Antropologia Teatral abre caminho para que esses princípios sejam uma boa orientação de operacionalização da arte teatral, mas também constitutivos de um processo de descoberta da pessoa numa acção interdialógica com a descoberta do performer em palco. Resta perceber se algumas das “leis pragmáticas” são também aplicáveis a criações teatrais com um universo de pessoas que não são actores, mas que pretendem transitar, ou transitaram, de não performers para performers. Salvaguardamos, no entanto, a necessidade de que estes princípios sejam traduzidos para uma plataforma específica à área dos não

performers e que não subsista uma obrigatoriedade (ou pior: uma linearidade) na aplicação

de todos eles.

3.5. Exemplos de Metodologias de Teatro para e com a

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