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Escala entre Não-actuação e Actuação

Parte 1: Considerações sobre a Abordagem Metodológica a Adoptar 4.1 Natureza Dinâmica e Complexa do Estudo

V. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS

5.4 Considerações sobre TeS e Disciplinas Congéneres: Relações e Diferenças

5.4.1 Ligações entre Teatro Educação e Teatro Social

Na análise que se segue sobre as principais analogias entre Teatro Educação e TeS, optámos por sistematizar em quatro grandes áreas o que se nos revelou mais marcante nesta destrinça. São elas a investigativa, a pedagógica, a artística e a teórico-prática; esta última inclui os mediadores e os formatos de intervenção. A necessidade de esquematização prende-se com a quantidade e variedade de informação sobre o assunto, nomeadamente através dos estudos da área de “Applied Theatre” dos países anglófonos. O grande contributo do Teatro Educação reside no facto de dirigir a prática teatral a não-profissionais, seja no paradigma aprendizagem através do teatro, seja no de desenvolvimento da pessoa através do teatro, seja no social e pedagógico.

No que respeita à área investigativa, a Inglaterra, o Québec e a Austrália foram países pioneiros no desenvolvimento de estudos no sentido de contribuírem para a validação essencial do teatro e da expressão dramática nos órgãos institucionais e de pesquisa e afirmação do seu domínio teórico-prático, com o cuidado de não cederem à tentação de “academizar”142 a disciplina. Em alguns ciclos de Teatro Social, está presente esta mesma

preocupação com a “academização” em situações em que a Universidade é tida como parceiro prioritário, do qual depende o desenvolvimento de intervenções na comunidade e de reflexão científica, o que nem sempre é facilitador de uma dinâmica que reivindica a sua consistência através da acção e da valorização do “know-how” dos seus praticantes. Um dos

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Ficou também evidente que quanto mais nos aprofundávamos o conhecimento sobre uma disciplina, mais se esbatiam as fronteiras.

factores desta difícil coexistência prende-se com um paradigma de conhecimento associado a uma metodologia de investigação que abarque a complexidade de processos, actividades, experiências, vivências e subjectividades, difíceis de enquadrar nas tradicionais metodologias de investigação. O outro factor relaciona-se com aspectos formais da organização da estrutura de ensino (tempos lectivos, deslocações de alunos, disponibilidade dos professores orientadores, entre outros). Não há dúvida de que, a serem ultrapassados estes contratempos, seria um grande contributo para a implementação da área a chamada “extensão comunitária” das universidades.

A área pedagógica tem vários elementos comuns com TeS. Promove a intervenção a partir da acção participatória e centra-se na pessoa e não nas disciplinas, o que remete para o indivíduo ser objecto e sujeito da sua própria acção. Esta centralidade no indivíduo realça o domínio do subjectivo, na medida em que é dentro do seu conjunto de referências que cada um tirará o significado da acção.143 Aborda temas da área pessoal, política e social, na tentativa de desvelar aos alunos essas realidades, através de um processo de exploração de abordagem holística, que privilegia a acção e a fisicalidade ao mesmo nível da racionalização e da cognição (Jackson, 1993). O processo suporta-se na ideia de grupo, na dialéctica ente este e o indivíduo; o grupo é entendido como aberto, contendo uma diversidade de ritmos, de temperamentos e de perspectivas. Elabora programas, antevendo o prolongamento e aprofundamento do projecto, por oposição a uma intervenção pontual sem mais consequências. Este processo inclui etapas de sistematização, avaliação e validação da intervenção.

O desenvolvimento da área artística inspira-se em algumas tendências e mecanismos do actor de Teatro Moderno, sem procurar reproduzir um formato, ou um método de criação teatral. Vê a estrutura e os elementos dramáticos como factores fundamentais de suporte ao bom desenvolvimento do processo de grupo, de aprendizagem e de sensibilização ao universo artístico. Neste capítulo, a questão estética não é consensual. O produto artístico é compreendido como acto mediador, que inclui uma apresentação final mais elaborada e várias mini-apresentações entre os elementos participantes. A actividade em si assenta na acção, na experimentação, no lúdico, no corpo, no universo ficcional, nas experiências pessoais como actos de significado.

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O que é adicionado por TeS, via contemporaneidade e pós-modernismo, é que este “encontro de significado” pode ser latente e implícito no domínio artístico, ou explícito no domínio verbal e descritivo.

No âmbito teórico-prático, valoriza a interdisciplinaridade existente entre Teatro e Expressão Dramática e Psicologia, ou Pedagogia. A influência de uma visão de teatro não tradicional realça o Homem como ser social, com necessidade de comunicação, no seu potencial expressivo, criativo e comunicativo, e procura a potenciação das capacidades do indivíduo. Nesta perspectiva, tornou-se inevitável criar espaços para articular e antecipar a emergência de novos dados. Integra uma visão assente na multiplicidade de inteligências, incluindo a inteligência emocional, novos conceitos de valorização do paradoxo (Barret, 1975), que incluem uma visão do processo dramático como sendo sempre improvisado, raramente finalizado e nunca completamente pré-estabelecido. Valoriza as propriedades críticas e transformadoras dos processos dramáticos, nomeadamente através do elogio às diferenças (em termos de idade, sexo, extracto social, cultura), não fazendo destas um obstáculo à expressão e à comunicação, mas antes o motor dessa comunicação. As questões e desafios que emergem pretendem ser o reflexo de vontades múltiplas e da sua co- habitação.

Alicerça-se na prática de “Devising Theatre” – num teatro de criação/ desconstrução em conjunto (Milling e Ley, 2001) –, ou em estratégias do “Teatro do Oprimido”, sem deixar de utilizar elementos do teatro tradicional, do drama educacional e de simulação.

5.4.1.1 Algumas Diferenças com Teatro Educação

Algumas das diferenças mais relevantes entre TeS e Teatro Educação assentam na centralidade atribuída às teorias que estão na sua origem: da Educação, da Pedagogia ou da Psicologia, que realçam a formação da pessoa em contexto educativo. Consequentemente, as práticas desenvolveram-se na ligação entre esse domínio teórico e os métodos de ensino de teatro e expressão dramática. Esta perspectiva implica que os objectivos sejam delineados a partir do contexto educativo, em que a interdisciplinaridade escolar é em grande parte construída em função de directivas dos professores e dos conteúdos programáticos e didácticos: utiliza-se o teatro como instrumento de aprendizagem alternativa para transmissão e assimilação de conteúdos de programas escolares. As características do orientador resultam da combinação das qualidades do professor com as do actor. (Jackson, 1993)

O facto de os grupos de TE terem sido no seu início estabelecidos pelo sistema de educação oficial e por um repertório teatral da classe média, provocou uma dependência institucional que forçosamente condicionou a acção. (Milling e Ley, 2001) Em termos do

contributo para a transformação social, o TE realiza-se através da perspectiva de teatro e expressão dramática enquanto “médium” educacional. (Bolton, 1993) Mesmo quando foram revigoradas à luz de uma visão mais crítica e política com, por exemplo, Illich ou Freire, que punham em causa o sistema político e institucional e o papel da educação na busca de práticas igualitárias – estas actividades permanecerem limitadas ao espaço escolar.

Na sua vertente relacional e grupal, procura também a compreensão racional das interacções humanas de onde os conhecimentos dos pedagogos do Teatro Experimental servem de suporte para a concretização em linguagem teatral das experiências que emanam do grupo. A apresentação de um produto teatral não é uma etapa fundamental do processo e pode acontecer, ou não.

Na operacionalização, os objectivos não são traçados pelos seus participantes directos, mas antes obedecendo a uma hierarquia de decisão e a uma estrutura pré- estabelecida, que se adapta aos diferentes públicos escolares. O drama é o centro da actividade exploratória e expressiva e dele decorre a utilização de outras linguagens artísticas. A valorização de alguns elementos inerentes no treino do actor decorre do facto de proporcionar abordagens alternativas no desenvolvimento de capacidades que demonstram ter “utilidade” na aprendizagem escolar, como seja a concentração, a criatividade, a memória, o “à vontade” diante de um público.

5.4.1.2 O Que É Acrescentado por TeS

Em TeS desaparece a dicotomia entre Expressão Dramática e Teatro. O valor do teatro, na perspectiva de Teatro Educação, advém das suas características pedagógicas e não do teatro em si como forma artística. Uma das razões pelas quais esta diferença se dilui em TeS, é que o produto envolve o que foi desenvolvido durante o processo e a sua dramaturgia assenta em vários elementos já presentes na etapa de laboratório com expressão dramática144. No sentido inverso, o processo é vivido através da construção de vários pequenos produtos, onde está presente o divisar da carga simbólica e de signos teatrais, mais associados ao formato performativo. Aliás, esta dicotomia corre o risco de, à força da apologia do jogo dramático sobre o “teatro”, as sessões plenas de jogos teatrais, propostas lúdicas e

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Inputs criativos, fisicalidade, composição do texto, direcção de performers, entre muitos outros elementos que estão explícitos em Spolin, Barker, Johnston, entre outros.

improvisações não conhecerem outro fim, ou impacto senão a exploração fechada em si mesma.145

Da visão assente nas modernas perspectivas de teatro e performance, surge uma nova categoria onde esta diferenciação em vez de antagónica é informativa da etapa de desenvolvimento do processo em termos de criação e de pedagogia teatral: enquanto a expressão dramática implica a expressão e a comunicação através do jogo de papéis, a expressão teatral envolve sobretudo a comunicação que se estabelece entre performer e audiência; no entanto, pretende-se que o nível de comunicação, energia, expressão e criatividade, encontrado nos jogos de expressão dramática, continue a contagiar os

performers diante da audiência, seja esta formada por pares, ou por um conjunto de pessoas

mais anónimas. A tónica mais vincada numa ou outra vertente depende apenas do contexto e dos objectivos da intervenção e das técnicas teatrais e comunicativas que se possam vir a aplicar nessa situação e não tanto de um princípio conceptual. Tanto uma como outra, estas vertentes estão condicionadas pelo nível de aprofundamento em termos artísticos que é pertinente desenvolver, deslocando-se deste modo de uma escala errada de elaboração, que parte da expressão dramática (menor) para teatro (maior), para outra, que parte da complementaridade de ambas para o aprofundamento na exploração técnica e de envolvimento pessoal em relação ao objecto teatral a aproximar (Pagliarino, 2005). Assim, a consecução dos objectivos realiza-se em TeS com, desde, pelo e dentro do teatro e

performance.

Em capítulo próprio para a identificação das características de TeS, veremos que existem outras diferenças subtis, mas que não deixam de redireccionar a prática e a sua reflexão da perspectiva de TE para uma particular a TeS.

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