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Escala entre Não-actuação e Actuação

Parte 1: Considerações sobre a Abordagem Metodológica a Adoptar 4.1 Natureza Dinâmica e Complexa do Estudo

4.4 Construção do Estudo

4.4.1 Recolha e Tratamento de Dados das Entrevistas a Especialistas

O Estudo pretendeu identificar linhas orientadoras para uma definição de Teatro Social comum a diferentes países. Inspirados nestas linhas, procedeu-se à criação de um projecto de Teatro Social em Odemira com adolescentes em contexto escolar. Uma das vertentes a que se dedicou atenção foi a identificação e análise das características presentes no jogo teatral e performativo do Teatro Social como veículo de desenvolvimento de comunicação, transformação e expansão da experiência estética e artística. Não se pretendeu entrar no campo da Semiótica, já que uma análise comparada das várias características do espectáculo transborda o objectivo da pesquisa. Antes, procurou-se a elaboração de eixos de orientação a partir dos quais as características de índole artística e liminal pudessem apoiar a emergência de significados num determinado grupo da comunidade rural.

Para consecução dos objectivos propostos no Estudo, procedeu-se à elaboração de uma entrevista semi-estruturada com vista à recolha de declarações de um Painel de Especialistas. O painel foi composto por cinco “especialistas” teórico-práticos: um de origem italiana, dois de origem anglo-saxónica, um de origem francesa e um de origem belga. A uma sexta investigadora não lhe foi possível criar a oportunidade de responder às perguntas, apesar de conhecer o conteúdo da entrevista. A constituição do painel afigurou-se

representativa e satisfatória já que os indagados são uma referência no campo com algumas obras editadas ou uma experiência performativa reconhecida, apresentam uma boa diversidade de origens epistemológicas e culturais, desenvolvem regularmente boas práticas na área que, por sua vez, são alicerçadas em convicções de origem teórica, ideológica ou filosófica. Dois destes elementos são professores universitários e um terceiro dedicou-se à investigação sistemática em Teatro Social. Decidiu-se manter o anonimato dos entrevistados a fim de que os nomes não dominem a leitura de opiniões.

Ao longo do processo de elaboração, recolha e tratamento de dados das entrevistas houve o cuidado de não confundir a natureza de diversos tipos de perguntas: a que se constituía pergunta-mãe da investigação, as que remetem para um subgrupo das perguntas da entrevista e as que decorrem de novas questões em função da evolução da análise. Neste processo, foi possível navegar através da informação e filtrar o que se considerava mais significativo através da identificação de padrões a partir do material revelado, já que não existe nenhuma “fórmula” definitiva para transformar os dados em conhecimento. Em simultâneo, construiu-se o enquadramento com o essencial resultante do processo de análise.

Alguns elementos que influenciaram o desenrolar da entrevista, bem como as qualidades de recepção e interacção, foram o tempo disponível para a sua realização, o domínio da língua inglesa, a atitude mais ou menos convocatória à emissão de opiniões e de aprovação por parte da entrevistadora, a empatia criada e a existência de consonância na experiência profissional. A dimensão e riqueza das entrevistas superaram as expectativas iniciais. De facto, a sua análise, como se apresentará adiante, em secção própria, permitiu a elaboração de um conjunto de tópicos que formaram o eixo central da observação participante que foi aplicada no laboratório durante a intervenção. Foi a partir delas que a investigadora recolheu os indicadores para a observação, participação e caracterização de boas práticas de operadores envolvidos no Teatro Social.

Quanto aos procedimentos, no que se refere ao tratamento e análise da entrevistas, interessa aqui referir, relativamente a aspectos processuais, que foram excluídos os extractos das entrevistas que se tornavam demasiado extensos sem acrescentar informação útil, ou quando essa informação já se encontrava de forma condensada noutras partes da entrevista, ou ainda quando recaíam em questões do foro privado do entrevistado, da variação para outros assuntos adjacentes, mas não centrais, ou ainda frases incompletas, porque o pensamento se redireccionava noutro sentido. No entanto, a investigadora não deixou de incluir essa informação aquando da interpretação das entrevistas, como sinais

complementares para a compreensão dos sentidos subjacentes às declarações verbais: um desses exemplos foi a descrição minuciosa do desenvolvimento de projectos de Teatro Social, que serviu como suporte bastante útil à interpretação de declarações, mas não como fonte de informação de per si; outro, foi o relato de dados pessoais que apoiou o entendimento de determinadas tomadas de posição.

Como já foi mencionado, as entrevistas emergem de uma análise detalhada da literatura no campo do Teatro Social e das questões que à investigadora se colocaram mediante a sua experiência de mais de 20 anos no terreno. As questões colocadas foram organizadas em cinco áreas que incidem em aspectos como a natureza e influências teóricas do Teatro Social, os aspectos da performance e os processos grupais, a avaliação e o futuro do Teatro Social. O objectivo das entrevistas foi aferir o que o grupo de especialistas considera mais relevante na teoria e prática de Teatro Social, de forma a encontrar perspectivas comuns em diferentes países europeus, que permitissem elaborar um conjunto de orientações para o desenvolvimento de um projecto de Teatro Social.

A entrevista consta das seguintes questões:

I – Natureza e Influências Teóricas em TeS 1.1. Contextualização Teórica e Prática

1.1.1. Qual a sua definição de Teatro Social?

1.1.2. Que teorias e práticos mais o influenciam e contribuem para a sua visão de TeS?

1.1.3 Quais são os principais objectivos de TeS?

1.1.4. Na sua opinião, que elementos identificam uma prática como sendo a de Teatro Social? Acha que toda a gente e todas as situações podem beneficiar do TeS?

1.2. TeS e Outros formatos

1.2.1. Gostaria de acrescentar algo acerca das principais diferenças entre TeS e Teatro e Comunidade, Teatro Experimental ou Dramaterapia?

1.2.2. Entre teatro como terapia e terapia através do teatro, qual delas acha que mais se adequa a TeS? Porquê?

II – TeS, Cultura e Performance

2.1. Inclui as performances culturais e sociais do local onde desenvolve o projecto no laboratório ou na performance?

2.2. Na sua opinião, o que procuram os grupos locais numa intervenção de TeS? Que expectativas têm?

III – A Prática e o Processo em TeS (ligado à prática particular do entrevistado) 3.1. O Grupo

3.1.1. O que acha que é mais importante desenvolver no grupo? 3.1.2. Como realiza a abordagem a um novo grupo?

3.1.3. Como procede se o grupo não está interessado na intervenção, ou não quer participar no laboratório ou na performance?

3.1.4. Que tipo de problemas pode surgir com o grupo durante o processo de trabalho?

3.2. Laboratório

3.2.1. Quais são as principais características do seu laboratório? Há alguma estrutura particular que emerge independentemente dos locais de intervenção?

3.2.2. Tem um método próprio?

3.2.3. A que atribui mais importância durante o processo?

3.2.4. Que tipo de recursos utiliza? (humano, institucional, material, financeiro) 3.2.5. Que tipo de linguagens artísticas envolve na sua prática?

3.2.6. A continuidade da acção de TeS depende da realização do laboratório? Porquê?

3.3. Performance e performers

3.3.1. O que significa para si “uma performance”?

3.3.2. Como constrói a performance? Com que dramaturgia? 3.3.3. Valoriza a vertente estética dentro de uma performance? Como?

3.3.4. O que tenta atingir junto dos performers na sua forma de estar em palco – em termos individuai, artísticos, liminais, ou outros? Como?

3.3.5. Quando considera que a intervenção está completa e atingiu os seus objectivos?

3.4. A Equipa de TeS e o Operador de Teatro Social

3.4.1. Qual é o perfil e as aptidões do operador de Teatro Social? Que competências deve desenvolver?

3.4.2. Qual é a estrutura mínima de uma equipa de intervenção? Qual a ideal? 3.4.3. Que outros papéis é necessário gerar na equipa e no grupo?

IV – Ética: Contexto político e social da intervenção

4.1. Como lida com um contexto político ou institucional particular, quando este é coercivo e simultaneamente sustém a intervenção de TeS?

4.2. Em que condições essa intervenção não deve ter lugar?

4.3. Se o TeS procura a transformação, é a transformação social através do indivíduo, ou apenas a transformação do indivíduo? Qual delas é prioritária?

4.4. O TeS concentra-se em grandes, ou em pequenas transformações sociais? Porquê?

V. Avaliação em TeS

5.1. Como procede à avaliação da intervenção?

5.2. Tem alguma estratégia para monitorizar a evolução do grupo durante o processo?

VI. Outras Questões

6.1. Que pessoas, grupos, ou companhias pensa que estão neste momento a desenvolver uma prática interessante em TeS?

6.2. Que aspectos julga mais relevantes integrar num projecto de intervenção de TeS em meio rural?

6.3. O que acha que a prática de TeS alterou em si, como pessoa? 6.4. Como vê o futuro de TeS?

Durante a realização das entrevistas, foi intencional variar para outras perguntas que não as acima referidas, sempre que a afirmação não era devidamente esclarecedora, ou quando se suspeitava que podia gerar novas percepções. Sendo que o objectivo não era a comparação entre as diferentes respostas, não subsistiu qualquer hesitação em desenvolver as questões em diferentes direcções, mas sem perder o eixo norteador da entrevista.

No decorrer da entrevista, foi particularmente desafiante ultrapassar pressupostos enviesados que alguns dos entrevistados tinham acerca da investigadora como representante

da instituição universitária, logo, com uma visão teórica e algo arrogante do tema central, particularmente junto daqueles que estavam mais associados à prática no terreno; junto de outros, persistiu também uma atitude menos cúmplice num primeiro momento, pela imagem de “artista” que construíram da investigadora. Foi notório que, após a fase inicial, e através de pequenos apartes, atitudes não-verbais, ou reacções de cumplicidade, essas representações se desfizeram permitindo a fluidez no encontro entre entrevistadora/ entrevistado(s).

4.4.1.1 Metodologia Aplicada ao Tratamento das Entrevistas

As entrevistas foram tratadas com base na Análise Temática e enunciação de categorias que esclarecem a fundamentação teórica, objecto, processos e metodologias em Teatro Social. Foram previamente transcritas na íntegra. A transcrição das entrevistas foi transferida para o programa QSR (Qualitative System Research). NVivo8 de gestão qualitativa de dados e procedeu-se com esse instrumento de forma sistemática à codificação, compreensão e identificação das categorias.

A análise e tratamento repartiram-se, assim, entre transcrição e Análise Temática (Braun e Clarke, 2006), com a identificação e organização de categorias não naturais (Taviani, 1986; Ruffini, 1986; Barba, 2007).

Apesar de alguns investigadores não considerarem a Análise Temática um método em si, mas um complemento eficaz da análise qualitativa, há outros que reclamam a sua eficácia enquanto método (Braun e Clarke, 2006). A Análise Temática é independente da base teórica e epistemológica do conteúdo a que é aplicada, o que permite a sua utilização numa grande variedade de áreas. Tal como noutros métodos, a análise é presidida pela orientação conceptual e pelas questões decorrentes da pergunta principal de forma a promover a interpretação dos vários temas daí decorrentes.

Esta Análise, com base em Boyatziz (1998), propõe uma abordagem flexível assente na identificação e comunicação de temas explícitos e de padrões subjacentes à entrevista numa abordagem que permite espaços tanto indutivos quanto dedutivos. O processo de codificação de padrões, ou criação de nós, antecede o de interpretação; na fase de interpretação, os padrões tornam-se categorias da análise sujeitas a várias filtragens. Para a identificação de padrões, é essencial a leitura e releitura cuidadosa da informação. Boyatziz define tema como um “padrão na informação que no mínimo descreve e organiza as observações possíveis e no máximo interpreta aspectos do fenómeno.” (Ibid.: 4). Atribuiu-se o valor de categoria a todo o tipo de informação que contribuiu com algum significado e

considerou-se uma “boa categoria” aquela que encerrava uma riqueza qualitativa do assunto em foco, de forma a facilitar a organização e identificação da informação e facilitar o desenvolvimento de categorias-chave. No capítulo V, as frases que emergiram da análise com o NVivo8, são seguidas de um entre parêntesis que contém as iniciais com os códigos das categorias a que se referem.

Categorização

Como critério para a identificação de temas, atendeu-se à prevalência, ou à evidência, ou à ocorrência de um determinado padrão; conforme o refinamento e reajustamento posterior, esse padrão tornou-se categoria-chave, secundária, ou outra. Sendo o Teatro Social uma área ainda pouco estudada, optou-se por não definir um modelo de categorias a priori, tendo procedido à atribuição de nomes à medida que se avançou na leitura das entrevistas. Neste caso, houve uma aproximação ao modelo da “Rich Analysis” (Braun e Clarke: 2006), onde o campo de questionamento se coloca na horizontal e na diversidade de informações, mais do que no vertical e no aprofundamento de um determinado assunto.

Categorias Semânticas e Categorias Livres

Tornou-se desde logo patente que as entrevistas encerravam questões mais evidentes e outras menos explícitas, o que remeteu para categorias semânticas e categorias emergentes. Por categorias semânticas (Braun e Clarke: 2006), entendem-se aquelas informações que respondem directamente às perguntas realizadas; por emergentes, aquelas respostas que contêm temas que não tinham sido anteriormente equacionadas e que apontam para novas direcções de investigação.

Foi intencional não restringir o campo de categorias emergentes e simultaneamente permitir alguma profundidade nas que se encaixavam nas semânticas. Assim, numa primeira fase, dividiu-se a análise em dois grandes grupos com as diferentes secções da entrevista: um primeiro, com as categorias semânticas em árvore, onde um tema principal se ramifica em vários subtemas; um segundo, que estabeleceu as categorias emergentes em temas livres. Nesta etapa, o mesmo texto foi colocado em diferentes categorias sempre que necessário, de forma a não restringir a possibilidade de transversalidade, nem a dar prioridade a uma determinada perspectiva em detrimento de outra, sem o conhecimento rigoroso da totalidade da arrumação, da totalidade das categorias e de como estas se relacionavam e articulavam entre si. Num segundo momento, procedeu-se à comparação entre as diversas categorias e

entre as em árvore e as livres e realizou-se novo alinhamento; de cada vez que se eliminava, ou fundia categorias, esse nova disposição tinha reflexo em toda a organização, ou seja, até atingir um resultado satisfatório e coerente, procedeu-se a várias filtragens (ver pág. 246/7).

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