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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.2. Estudos da Performance

3.2.6. Performance e Etnografia: Dwight Conquergood

A visão de Van Gennep e dos ritos de passagem teve grande influência na teoria da

performance como algo à parte do quotidiano, enunciada em Singer, Baumann e Barba.

Turner, inspirado na perspectiva de Van Gennep, debruçou-se mais sobre a função de transição entre dois estados e ofereceu à Antropologia uma nova percepção de cultura à luz da performance. Schechner concentrava-se na compreensão da performance e da

representação de rituais através dos processos e implicações gerados pela e contidos na cultura; a reforçar esta opinião declara que: “A performance não tem origem no ritual, mais do que em qualquer um dos géneros estéticos. A eficácia origina-se nas tensões criativas do binário eficácia-entretenimento.” (2006: 70).

Deste conjunto de prismas sobre a performance sobressai a qualidade de pertença à margem ou na fronteira das convenções instaladas, como local privilegiado de negociação entre o indivíduo e a sua herança cultural e social. É neste território liminal de margem, fronteira e in-between que Conquergood, investigador de Estudos da Performance, desenvolveu a sua pesquisa em performance com base na abordagem etnográfica. Conquergood (1991) atribuiu um sentido ético às práticas da performance do etnógrafo em conjugação com a participação activa dos membros da comunidade no trabalho de campo, através da construção de representações protagonizadas, ou testemunhadas por eles.

No artigo, “Rethinking Ethnography: Towards a Critical Cultural Politics” (1996), Conquergood explora o conceito que decorre da tríade “Bodies, Borders and Performance”. Esta tríade é a base que sustenta o seu pensamento quanto à performance como veículo de subversão, de acesso ao que se encontra intencionalmente encoberto, ou inconscientemente encriptado e de acção política e transformadora. Para sistematizar as suas convicções na área, o autor enunciou questões sobre pensar a cultura enquanto acção e não como retórica, como processo em vez de produto, ou ainda sobre a prática do etnógrafo e das implicações metodológicas do trabalho de campo, desenvolvido como performance colaborativa, propiciadora de ficção, entre observador e observado (in Conquergood, 1991). Estas preocupações atravessaram as diversas áreas da sua análise. Conquergood baseou-se no pensamento de Foucault (1979), Taussig (1993) e De Certeau (1974) para fundamentar a sua posição. Surge assim uma terceira questão presente nesse mesmo artigo: “As Políticas da

Performance… Como é que a performance reproduz, permite, sustém, desafia, subverte,

critica e naturaliza a ideologia? Como é que as performances reproduzem e resistem em simultâneo à hegemonia?” (Conquergood, 1991: 341).

Afirma a performance e o acto performativo como social e politicamente orientados, de onde emergem manifestações embodied relacionadas com a distribuição de poder e modos de resistência. Sobre esta questão, Conquergood tinha o propósito de: “juntar diferentes vozes, visões do mundo, sistemas de valores e crenças para que pudessem ter uma conversa uns com os outros.” (Conquergood, 1982: 9).

A Etnografia, ao centrar-se no prisma da performance como acto político que se opõe à domesticação, transgressor de um status social, pressupõe a existência do factor político como um dos seus principais elementos. Consequentemente, considera o etnógrafo um activista político, assumidamente envolvido na acção sobre o mundo, acção ou acções essas que se encontram plasmadas no “aqui e agora” do corpo do etnógrafo e no dos membros da comunidade. Esses “corpos” são os locais de manifestação de intrincados e delicados jogos de poder e de performance. Daqui estabelece-se o encontro e o confronto com o não-verbal, no território próprio à experiência embodied da comunidade, fazendo emergir o que afinal encorpora a performance como expressão de significados (Conquergood, 2002): no momento em que a comunidade que preside ao trabalho de campo integra a performance, revela-se o potencial de politização através da voz de um grupo específico de pessoas, em prol da defesa de posições, perspectivas e ideias. Para Conquergood embodiment é sinónimo de “político” (Madison e Hamera, 2006).

Notas Finais

Como se pode constatar, a performance associada ao pós-modernismo e ao pós- estruturalismo propõe novas teorias que se enraízam em diversos temas da contemporaneidade política e social. A análise da performance em si, ou a partir da sua associação com a performatividade, ou ainda com a teatralidade, gera uma enorme panóplia de teorias inspiradas na Linguística, nas Teorias da Comunicação e do Comportamento, nos Estudos Culturais, na Antropologia, na Arte, nos Estudos Cénicos, nos estudos de identidade, de género, raça e queer ou, ainda, nos pós-coloniais. (Carlson, 2004).

O Teatro e os Estudos Teatrais, apesar de estarem na origem das teorias da

performance e dos Estudos da Performance, ocupam apenas uma pequena parte do seu

interesse, já que o teatro é encarado como algo de ultrapassado, pertencente ao paradigma modernista, cartesiano, repressor com tudo o que de pejorativo uma tal abordagem acarreta. A avant garde teatral surge como um dos movimentos responsáveis pela alteração de paradigma de teatro para performance. No entanto, também ela é tida como padecendo de grandes lacunas em termos de atitude crítica, de ruptura, de desconstrução, com um pensamento e prática demasiado arraigados ao modernismo (Shepherd e Wallis, 2004).

Entre críticos e defensores, os Estudos da Performance mantêm-se na dúvida se os pensamentos que os sustêm (os “pós” ismos) ainda não realizaram o seu potencial (Harvey, 1994); se uma tal profusão de direcções impossibilita qualquer tentativa de “dar sentido”

(Pavis, 1997); ou se construíram uma torre de marfim à qual apenas os especialistas podem aceder (Schechner, 2006). Uma outra questão mais pragmática é saber se os artistas que aderem à corrente da performance o fazem por convicção, ou porque já esgotaram o interesse pelo “mediador” artístico que exploravam ou, ainda, porque a “novidade” pode trazer mais possibilidades de vingar no mercado de trabalho (Shepherd e Wallis, 2004). Por fim, surge a dúvida se a “metáfora teatral” e a estética artística, dois dos principais factores do poder do teatro e que imprimem ao espectáculo uma experiência única (sensualidade dos sentidos) que só emerge no contexto ficcional, perdem consistência, campo e território à força de tanta solicitação, adaptação e instrumentalização em outros domínios (Pavis, 2007; Thompson, 2010).

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