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Escala entre Não-actuação e Actuação

Parte 1: Considerações sobre a Abordagem Metodológica a Adoptar 4.1 Natureza Dinâmica e Complexa do Estudo

4.3 Metodologias de Investigação em Estudos da Performance

4.3.1 Etnografia da Performance em Conquergood

Como afirma Alexander, a metodologia da performance “pode ser descrita como um conjunto colectivizado de percepções utilizado por aqueles com a convicção de que o potencial comunicativo e pedagógico do conhecimento – o processo de atingir, partilhar e projectar conhecimento – pode ser realizado através do fazer.” (Alexander, 2005: 415). Afirma ainda que, na investigação com base nesta metodologia, o processo de tomada de conhecimento, bem como aquele que projecta em acção esse conhecimento estão profundamente interligados “os performers utilizam os processos de pesquisa, análise e síntese conducentes ao ensaio da mensagem (intenção, conteúdo e forma) que culmina na actuação de pensamento e conhecimento.” (Ibid., 415). A Etnografia da Performance baseia- se nos Estudos da Performance na medida em que se centra na influência que práticas culturais específicas têm na identidade, formatando-a e baseiam-se na Etnografia quando se centra em como a identidade influência e formata as práticas da performance cultural.

A Etnografia da Performance debruça-se igualmente sobre o papel da hegemonia cultural, que o autor define como “as práticas colectivizantes de familiaridades culturais que regulam a identidade através da actualização do embodiment em determinadas normas como

marcas identificadoras de pertença comunal, cultural e politica.” (Alexander, 2005: 427). Segundo Finley (2005), outros escritores que avançaram com a noção de uma pedagogia para a “Critical Performance” são Giroux (2000, 2001), Kincheloe e McLaren (2000), Garoian (1999), ou Denzin (2003), participando assim para a passagem da evocação da emoção e da interpretação para a prática, activismo e contributo para a transformação social. Conquergood reagiu à forma como a academia enformava e era reflexo de mentalidades assentes em princípios hegemónicos e de manipulação de poder.

Schechner, e o princípio de “Restored Behaviour”, configurava a perspectiva de que o corpo é o primeiro local de informação, transmissão e de embodiment. Conquergood acentuou o quanto o embodiment se manifesta como diálogo em performance e redireccionou a sua relevância. Através do embodiment, propõe-se alterar o conceito de observação participante no trabalho de campo, esbater a diferença existente entre observador e os membros da comunidade observada e relançar a importância do investimento político, com consequências a três níveis:

– A primeira relaciona-se com o próprio conceito de cultura e da forma de a abordar ao afastar-se do “estudo da cultura” para “habitar a cultura” e de deixar de encarar o “mundo como texto” para “pensar no mundo como performance”.

– A segunda incide nos métodos de investigação e na postura do etnógrafo ao centrar-se no papel do sensitivo, do compromisso, do olhar crítico: privilegia a subjectividade e a proximidade por oposição à objectividade, ao distanciamento e ao “textocentrismo” “tradicionais”.

Num seu artigo, Conquergood (2002) crítica e desconstrói o saber baseado no “textocentrismo”130 que impera na academia em detrimento de outros modos de

comunicação extralinguísticos e outras formas de conhecimento que, esses sim, encerram “significados subversivos e desejos utópicos.” (Ibid., 151). Afirma que “Epistemologias dominantes, que ligam o saber com o ver, não estão sintonizadas com significados que se encontram mascarados, camuflados, indirectos, embutidos, ou escondidos em contexto.” (Ibid., 146). Acusa esta atitude de encerrar uma abordagem intelectual da vida, que reforça a dicotomia entre teoria e prática e reflecte uma hierarquia social de valores entre trabalho intelectual e trabalho manual. Contrapõe uma etnografia da performance que constrói um conhecimento implicado através do sensitivo. Esta abordagem implica outras variáveis, como a receptividade ao saber dos sentidos, o descrever através da experiência, a humildade,

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Insurge-se contra o “textocentrismo” e não contra a literacia e os textos.

a vulnerabilidade, ou a solidariedade: “o conhecimento é localizado, não é transcendente (...), tem de ser mobilizado e não abstraído (...) e é forjado a partir da solidariedade com e não do distanciamento das gentes.” (Ibid., p 149).

– A terceira reside na ética da Etnografia associada ao ponto de vista e presença do etnógrafo dentro da própria pesquisa e dentro da comunidade onde a pesquisa incide. Então, o etnógrafo passa a assumir-se como “co-performer”: o “co-performer” é parte integrante da

performance que observa em “co-actividade” com “indivíduos únicos”. Defende que o

trabalho de campo ancora numa forma de “performance dialógica”, onde propõe uma abordagem metodológica que busca evitar erros conceptuais com origem em paradigmas de conhecimento sustentados na exclusão e na repressão. Propõe o “co-performer”, como presença específica de espaço e tempo no encontro com o “Outro”, um modo de “agir com” o Outro (doing with), num compromisso intersubjectivo e interpessoal que mobiliza o etnógrafo na sua totalidade; a construção da performance, com um final em aberto e sujeita a constantes interrogações, passa a realizar-se através dos vários elementos que constituem essa comunidade (Conquergood, 1982). No seu artigo, “Performing As a Moral Act: Ethical Dimensions of the Etnography of Performance”, sugere a este propósito que,

“uma performance dialógica é uma forma de ter uma conversa com outras pessoas e culturas. Em vez de se falar deles, fala-se para e com eles. A proximidade sensível e o salto empático exigido pela performance são uma ocasião de orquestração de duas vozes, de juntar duas sensibilidades. Ao mesmo tempo, o conspícuo artífice da

performance é uma vívida lembrança de que cada voz possui a sua integridade (...). É

um tipo de performance que resiste a conclusões (...). A compreensão dialógica não termina com empatia. Há sempre suficiente apreciação pela diferença por forma ao texto poder interrogar, em vez de se dissolver dentro do próprio performer (...). Mais do que uma posição definitiva, a atitude dialógica está situada no espaço entre ideologias em competição.”

(Conquergood, 1982: 10)

Conquergood (1998) estabeleceu uma trajectória com três elementos que formam um circuito a partir do qual o etnógrafo se referencia a fim de identificar as etapas pelas quais o grupo “se transporta” e “se representa”. São eles: mimesis (acção reflectora que simultaneamente subverte a realidade), poiesis (acção iluminadora que transcende essa realidade) e kinesis (acção de intervenção e transformação). Em cada uma das etapas o grupo

imprime e gera significados e, simultaneamente, transgride convenções instaladas e subverte tradições normativas.

Esta trajectória testemunha que a performance não se limita a uma descrição do mundo, mas o quanto potencia a acção sobre esse mundo num sentido de mudança e de resistência a estruturas de poder opressivo.

Conquergood tornou-se uma fonte de inspiração para uma análise perceptiva de como a performance opera nas actividades dos indivíduos, das sociedades e das culturas. Já Hastrup, no seu livro, A Passage to Anthropology (1995), defendia que a preocupação do etnógrafo não deveria centrar-se nas expressões da experiência, mas na própria experiência e que a maior parte do conhecimento cultural estava armazenado em acções mais do que em palavras, ou em padrões de experiência corporizada. 131

O investigador tem por objectivo percepcionar as necessidades “das pessoas” (indivíduo) e “entre as pessoas” (grupo) no terreno e encontrar as estratégias que melhor lhes correspondam. Esta postura direcciona o investigador, não só para o estudo de práticas sociais (e culturais), como também para a sua recomposição e reconstrução, assumindo um papel de activista político. Assim, tem de estar alerta para qualquer indício que crie espaço para a transformação das práticas “produzidas e reproduzidas”, de forma a que a transformação se reflicta posteriormente no contexto de onde decorreram originalmente.

Acentuam a importância utilização de métodos e técnicas que contenham a coerência e integridade científica que lhes permitam ser o reflexo das escolhas epistemológicas e ontológicas. No entanto, sublinham que não se deve “partir” dos métodos e técnicas de investigação no momento de reflexão e discussão do trabalho que teve lugar na prática investigativa, apesar de esta estar suportada em diferentes tradições de investigação132: ao considerar prioritária a prescrição de um método específico, esta pode não ser suficientemente abrangente e receptiva às variáveis que emergem durante a prática. No quadro apresentado por Kemmis e McTaggart (2005), sobre essas tradições em investigação, o Estudo em curso inscreve-se numa perspectiva que assenta, quer numa “visão reflexiva/ dialéctica das relações e ligações subjectivo/ objectivo”, quer numa “visão reflexiva/ dialéctica das relações e ligações individual/ social” e numa prática “social e historicamente

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Mais tarde, Hastrup colaborou com Barba no estudo da organização do nível pré-expressivo no corpo do performer, de onde resultou a Antropologia Performativa que assenta num modelo que cruza mente, corpo, cultura e acção.

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Para mais informações, consultar o quadro elaborado por estes autores (Kemmis e McTaggart, 2005: 573).

constituída” e “reconstituída pela actividade humana e acção social: métodos críticos; análise dialéctica (métodos múltiplos).” (Ibid.: 573).

4.3.2 Limitações na Aplicação do Modelo da Etnografia da Performance ao

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