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Escala entre Não-actuação e Actuação

Parte 1: Considerações sobre a Abordagem Metodológica a Adoptar 4.1 Natureza Dinâmica e Complexa do Estudo

V. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS

5.4 Considerações sobre TeS e Disciplinas Congéneres: Relações e Diferenças

5.4.3 Ligações entre Dramaterapia e Teatro Social

Tanto em Teatro Social como em Dramaterapia, subsiste um conjunto de interesses comuns, mesmo que suportados por diferentes paradigmas, sendo que o crescimento e o enriquecimento do sujeito não-performer é uma constante nas duas abordagens.

“O verdadeiro teatro é efectivo na própria vida. Inicia uma viagem especial a um espaço sagrado – altera radicalmente a sua atitude perante a vida, afectando as suas perspectivas subjacentes perante as coisas. Desenvolve a sua espiritualidade, trazendo-a ao contacto com a vida. Um espectáculo pode fazer isso...”.

(Grainger, 2009: 234)

Do que se refere às abordagens, prolifera um conjunto de técnicas sobretudo exploradas com fins terapêuticos e que são amplamente utilizadas pela Dramaterapia. Algumas delas são adequadas a várias situações de TeS. Algumas destas técnicas são: Técnicas projectivas; Role Play; Utilização de Mitos e Lendas e exploração da sua carga simbólica; Exploração de rituais. No entanto, a pertinência da sua utilização em TeS nem sempre é pacífica.

Pitruzella avança com outros factores que, a nosso ver, suportam o interesse da abertura da área do TeS à Dramaterapia e vice-versa. Um, reside na relação entre o encenador e o actor com consequências imediatas na qualidade dessa relação, que envolve um novo olhar quanto à recolha de material humano, estético; outro, está associado à porosidade do processo147 no que se refere à criação estética no que ela contém de intersecção entre as vivências individuais e a sua transfiguração cénica; um outro, na integração da afectividade como elemento agregador (aproximação) e identificador (a aceitação da diferença) que esta despoleta. Pitruzella (2009) realça que os benefícios da Dramaterapia nos encenadores podem ser variados, como seja o desenvolvimento da sensibilidade e de uma atitude empática com o grupo, expandindo os limites estéticos da

performance; mas o que ele mais privilegia é a evolução da interioridade do encenador:

“Mais que tudo, poderá permitir aos encenadores alcançar maior consciência dos seus próprios sentimentos, assim desenvolvendo uma consciência renovada na sua relação com os actores, de forma a evitar forçá-los a um conformismo não crítico num projecto pré-concebido, evitando o risco de limitar a liberdade de cada um.” (Pitruzella, 2009: 107)

147

Esta “porosidade” infligiria ao processo um efeito rizomático e saudavelmente “caótico” de tendência pós- modernista (Ryan, 2005).

O Processo Simbólico

Uma influência positiva da prática da DMT em TeS é a ênfase atribuída ao processo simbólico latente nos contos, lendas e mitos e rituais. A DMT debruçou-se sobre como o processo simbólico é propiciador da transição entre o pressentido e o apropriado. Esta apropriação surge no encontro entre experiências passadas (memórias, “unfinished business”), vivências quotidianas (assumir de papéis sociais que se distanciam do self), ou de potenciais por realizar (efectivação de fantasias e capacidades). No espaço seguro promovido pelo universo ficcional, torna-se possível representar histórias de vida na mobilização da acção, dos sentidos, do corpo e da mente. O subtexto desloca-se do foco no personagem – como acontece no método de Stanislavski – para o subtexto do sujeito na sua relação com o personagem, por forma a contribuir para a reflexão sobre papéis, atitudes, comportamentos e relação com os outros. Realça-se a carga simbólica das situações desencadeadas entre personagens e os significados que esta carga possa evocar em cada um, numa panóplia de acções e representações.

O papel do dramaterapeuta na interpretação da metalinguagem e do subtexto é particularmente valorizado para o bom desenrolar do processo terapêutico, que tem algo em comum com a necessidade de desconstrução apontada em TeS.

Em Teatro Social torna-se um elemento estruturante esta criação de espaços seguros (Winnicot, 1975 e Schechner, 1989), onde o indivíduo se redescobre, transforma e põe em questão.

Reconstrução de Papéis e Empowerment

A Dramaterapia canaliza a abordagem aos contos e lendas para a reconstrução de papéis que pode emergir durante a dramatização, ou a improvisação. Nesta perspectiva, o que decorre em cena não parte da análise do texto na sua relação com um personagem – como no teatro tradicional –, mas da exploração da narrativa na sua relação com o percurso individual (de re-presentação, experimentação da subpersonalidade). A criação do espaço liminal, a apropriação simbólica do texto facilita a ocorrência de significados particulares a cada indivíduo que são partilhados através da acção. TeS, em certas abordagens, mantém os mesmos princípios, mas desloca-se da dramatização entre pares para a sua tradução em espectáculo.

Audiência Não Anónima

Em TeS e no psicodrama de Moreno, nem o grupo de perfomers, nem a audiência são um conjunto de indivíduos anónimos e os conteúdos da performance devem ser significativos para ambos.

Segundo Moreno, a comunicação com a audiência faz com que esta pressinta a carga do percurso realizado através da qualidade da fisicalização, da espontaneidade e da entrega à acção. A ocorrência de insight e subsequente potenciação na reformulação de papéis são potenciadas pela relação que se estabelece entre performer e assistência. Em DMT, é na ocorrência do insight que se gera a transformação e o empowerment com sucesso.

Fica patente que, apesar das diferentes origens teóricas, o Teatro e a Dramaterapia têm abordagens idênticas, através da utilização do drama, da estrutura dramática, de processos específicos e do universo não-quotidiano que é criado; o drama é o veículo para atingir objectivos artísticos em Teatro e objectivos terapêuticos em Dramaterapia. Logo, a diferença não reside nas metodologias em si, mas na intenção com que estas são aplicadas, já que os objectivos a atingir são diferentes.

5.4.3.1 Algumas Diferenças com Dramaterapia

Para além das duas diferenças identificadas por Pitruzella entre Teatro e Dramaterapia, onde o primeiro favoreceria a concentração de energias na criação da

performance e o segundo o enfoque no processo do indivíduo nesse percurso, gostaríamos

de acrescentar ainda diferenças noutros campos:

– A Reflexão Final: Em teatro a reflexão e avaliação final incidem em cada um dos sujeitos, ou no grupo focalizando os elementos que favoreceram, ou bloquearam o processo de exploração criativa e dramática, num projecto comum: a análise visa o enriquecimento do

performer dentro da dramaturgia. Em Dramaterapia essa avaliação/ reflexão debruça-se

também sobre cada um dos sujeitos, ou sobre o grupo, mas centra-se nos contributos de desenvolvimento pessoal que podem advir do processo e exploração dramática e criativa como fonte de experienciação individual: a análise visa o enriquecimento do sujeito. – A Análise da Acção: no teatro contemporâneo, a análise da acção do actor/ personagem148

afasta-se de uma abordagem “psicologizante” centrando-se na análise da acção em função

148

Com base na noção “distanciação” de Brecht, que não se confunde com a “distância”, de Landy, ou com a “Acção Física”, de Grotowsky, ou com outras noções e mecanismos teatrais presentes no teatro contemporâneo.

da “situação/ contradição/ reacção”.149 Em Dramaterapia, a análise da acção do sujeito/

protagonista procura as causas psicológicas e sociológicas que estão na origem do “comportamento/ reacção”.

– A Dramaturgia: Em Teatro, a dramaturgia constrói-se a fim de criar 1) um código comum entre os actores, 2) entre os actores e a obra, 3) uma situação de comunicação com a audiência. Em Dramaterapia, a dramaturgia é em função das necessidades do grupo não implicando um código de conjunto, nem a comunicação com a audiência.

– Abordagem ao Personagem: Em teatro a desconstrução/ construção do personagem (onde o

self pode estar directamente implicado) é em função da criação conjunta e da apresentação

da obra. Em Dramaterapia, a criação do personagem é em função das necessidades do indivíduo.

– Elaboração Estética: Em teatro, a elaboração estética é central. Em Dramaterapia, a elaboração estética, a existir, é um complemento.

– Ligação Corpo- Mente: Em Teatro, o actor convoca corpo e mente dentro de um percurso de aprofundamento de técnicas e poéticas a fim de “contribuir para” e “participar na” dramaturgia: todos estes elementos buscam uma aproximação à obra. Em Dramaterapia, o percurso técnico e poético é dispensável, sendo que este percurso técnico é substituído pelo resgate e rentabilização de características dramáticas que envolvem também o corpo e a mente e que são inatas e espontâneas no indivíduo (e sem implicar esforço em alcançá-las). – Códigos de Comunicação: Em Teatro, o percurso do actor permite o encontro de códigos de comunicação comuns de emissão, de interpretação, de percepção, com os outros intervenientes e a criação de uma performance conjugada em grupo. Em Dramaterapia, os códigos de comunicação variam de pessoa para pessoa e não existe a preocupação de conjugação no resultado em grupo.

– Natureza do Actor: Em Teatro, o percurso do actor encerra características que procuram alcançar a sua segunda natureza.154 Promove-se a criatividade, a energia, a inteligência “de palco” (com a mobilização do espírito de síntese e de selecção) e as capacidades sensoriais

149

Pavis, P. (1997), Dicitonnaire du Théâtre. Paris: Lettres Sup.

154

e intuitivas, a fim de serem postas ao serviço de uma criação conjunta que transcende o conjunto, ou seja, que é mais do que a soma das contribuições das partes desse conjunto. Em Dramaterapia, procura-se alcançar a natureza do indivíduo. A aproximação à criatividade, à energia, à inteligência emocional e cognitiva, à intuição, às sensações e ao espírito de síntese é mobilizada em função das necessidades do indivíduo.

5.4.4 Ligações entre Animação Teatral, Animação Sociocultural e Teatro

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