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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.6 Contributos de Outras Áreas das Ciências Sociais

3.6.1 Antropologia e Sociologia

3.6.2.2 Os Criadores da Dramaterapia

Com base na investigação elaborada por Valente (1991a), os contributos teórico- práticos para a criação da Dramaterapia, como área científica em Inglaterra, são oriundos de diferentes expoentes, sendo os mais marcantes os de: Peter Slade, Dorothy Heathcote, Richard Courtney, Roger Grainger, Robert Landy, Sue Jennings, ou Brian Way, em Inglaterra e Estados Unidos, para nomear apenas alguns.

Encontram-se correntes, ora de acentuação mais psicológica ora mais artística. Pitruzella (2004), dramaterapeuta e psicoterapeuta italiano, define Dramaterapia como uma terapia de natureza criativa, que se sustém no uso artístico da imaginação e na exploração expressiva do corpo, centrando a sua atenção mais no processo artístico do que no resultado terapêutico.

Entre os práticos de Dramaterapia coexiste uma grande variedade de técnicas que visam a reabilitação: as que têm uma fonte no processo de matriz teatral (Jennings, Jones, Cavallo), aquelas que privilegiam a dramatização de contos, fábulas e mitos e consequente (des)construção simbólica e metafórica (Gersie, Lahad), actividades associadas à interpretação narrativa e papéis previamente inventariados e definidos (Landy). Estas diferenças, tal como foi apontado no Estudo acima mencionado, em vez de se apresentarem como fracturas dentro de uma disciplina, podem ser representativas de grande riqueza e heterogeneidade que alimenta a área, reforça a sua vertente flexível e atende a uma renovação constante.

Peter Slade foi o primeiro a conjugar o termo Drama ao termo Terapia; foi nessa articulação que se inspirou para encontrar os princípios da sua actuação como pedagogo e orientador em drama. Formalizou o seu pensamento no livro, Child Drama, em 1956. Child

Drama convoca as várias dimensões do sujeito: física, emocional, afectiva e cognitiva. O uso

de técnicas dramáticas como forma de terapia inspirara-se nos “jogos espontâneos” das crianças, utilizando e modificando em parte o conceito junghiano de “imaginação activa”. Em todo o processo, considerava fundamental a construção de laços afectivos e afinidades entre os participantes e entre os participantes e o orientador de forma a promover uma catarse “generalizada.”93 (Valente, 1991a).

Defendia a criação de um contexto educativo e terapêutico, em que, através da dramatização, se procurava mobilizar sentimentos intensos de realidade e de experiência,

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“Enquanto Slade providencia uma catarse “generalizada”, para Moreno havia uma catarse “específica”, porque o terapeuta dirigia a sua atenção para um problema específico do paciente” (Courtney 1981: 7)

conjugando a “absorção”, ou total entrega ao desenvolvimento da acção em curso, com a “sinceridade”, que era associada a fundamentos como a verdade e o comportamento honesto (Slade, 1981).

Foi graças à sua perspectiva da Expressão Dramática na escola que a vertente psicoterapêutica do drama se consolidou. Na sua génese estavam preocupações com aqueles menos habilitados a integrarem-se no sistema escolar, ou com os menos talentosos, para os quais o sistema não tinha suficiente sensibilidade e muito menos resposta. A arte conquistou um papel de superação de contingências sociais, na resolução de problemáticas pessoais e no encontro consigo próprio, fosse no assumir de fragilidades como na exploração de potencialidades.

Esta vertente teve como grande seguidor Brian Way e a publicação do seu livro, “Development Through Drama” (1967) viria a inspirar a segunda geração de professores de Expressão Dramática com o seu enfoque no desenvolvimento pessoal, restaurador no adulto do desenvolvimento natural conseguido através do jogo, do dramático e do lúdico. Conceitos como “a pessoa na totalidade” herdam muito do ideal de Rousseau no que respeita a sensibilidade, tolerância, imaginação e reflexão, abrindo portas para uma adaptação social.

A ênfase atribuída ao envolvimento no drama e jogo dramático na infância implicava que estes nunca pudessem ser canalizados para um produto performativo, já que isso iria colidir com a qualidade da entrega e a possível predominância do produto em detrimento do processo. No conceito de “Drama in Therapy”, foi fundamental o enfoque e compreensão do drama na criança. Este enfoque suportava-se no conhecimento da sua forma de jogo, criatividade, processos criativos, vida interior, imaginário e enfim, do universo infantil e das suas percepções. Foi também inovador em Slade o facto de encontrar vias dramáticas através das quais as percepções da criança, como criança, pudessem ser manifestadas. Esta preocupação tinha também na sua base a teoria de que, no desenvolvimento do jogo na criança (componente ontogéneico), se reconhecem padrões de evolução do Homem ao longo da história (componente filogénico).

Richard Courtney (1981) é uma figura de grande relevo na área da Dramaterapia e também do Teatro Educação de Inglaterra. Entendia a Dramaterapia como resultado da conjugação entre teatro (“e se mágico”), educação (“Creative Drama”) e terapia (Psicodrama), inaugurando uma nova disciplina onde a audiência era testemunha, objecto e participante da acção terapêutica.

Considerava o drama uma actividade universal e o drama espontâneo, um complemento dinâmico fundamental ao bem-estar pessoal e social e ao ajustamento à existência. Destacava elementos como a presença do factor estético na vida interior do sujeito, sem querer estratificar ou sobrepor elementos cognitivos aos sociais e afectivos; defende que a acção dramática é válida, tanto na arte quanto na vida. Partia do princípio de que o pensamento dramático, ou a capacidade de o Homem projectar ambientes ficcionais e antecipar situações reais, é um elemento central da mente, inscrevendo-se em ambos os territórios do pensamento e dos sentimentos. Afirma ainda que esse pensamento está presente na coexistência entre os níveis do pessoal, social e cultural. Ao nível do desenvolvimento pessoal, as suas palavras-chave são: mente, imaginação, percepção; ao nível do social são: imagem, relação interior/ exterior, simbolização, holístico, papéis; ao nível do cultural são: ritos, mimesis, catarse. Encontrava na Dramaterapia uma alternativa saudável para a realização de algumas funções do ritual, que quase desapareceram na nossa sociedade actual. Considerava a Dramaterapia área sem limites precisos, em movimento, com um potencial em constante expansão.

Robert Landy, outra importante referência, sistematizou o conceito de “persona” e elaborou uma taxionomia de papéis. Desenvolveu ainda metodologias de Dramaterapia com base em narrativas e construção da “persona” e redifiniu o conceito de distância94. A

taxionomia de papéis, enquanto tratamento, pode constituir-se tanto como abordagem específica, ou como complemento de outras abordagens (de reabilitação/ potenciação do sujeito). No entanto, pode ser também aplicada como verificação e avaliação de diferentes fases do tratamento. A esse propósito declara que:

“A taxonomia de papéis é uma forma sistemática de ver a personalidade em termos dramáticos, quer dizer, em termos de personae. Conceptualizo personae como papéis. Defini papel não só como carácter em drama, mas também como recipiente de todos os pensamentos e sentimentos que temos acerca de nós próprios e dos outros, nos nossos mundos sociais e imaginários (Landy 1990: 230) e mais tarde como a unidade básica da personalidade contendo qualidades específicas que providenciam a singularidade e coerência a essa unidade.”

(Landy, 1997: 7)

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De seguida Landy fundamenta como a existência humana é inerentemente dramática e como tal defende que os conceitos de papel e de guião apoiam a compreensão e a reflexão sobre a vida quotidiana de cada um. Landy compreendeu o “papel”, no sentido de modelo e interpretação do modelo, de conduta individual e de função social, cuja construção se baseava no self psicológico, como forma de o indivíduo se apreender no decurso da sua vida e de apreender as relações que estabelece, assumindo condutas pré-determinadas que actualiza em função da sua personalidade, comportamentos e contexto social. A interpretação de papéis em contexto dramático permite que a expressão seja realizada de forma contida e segura, já que pode incidir na manifestação de aspectos até aí desconhecidos, ou difíceis de tolerar pelo próprio e, eventualmente, também vedados aos outros.

Landy descreveu o processo de distanciação metafórica e estética, em contexto de drama ficcional, como sendo de origem cognitiva e afectiva realçando que, através do processo criativo, era dada a oportunidade de criar ordem e de dar forma a sentimentos que não tinham tradução em qualquer outro formato que não o ficcional, onde se torna terapêutica a oportunidade de identificação de “constructos”, a descoberta do equilíbrio entre sentir e pensar e a revisão de auto-percepções negativas (Bundy, 2006).

È também fundamental o contributo de Sue Jennings. Segundo Jennings (2005), dramaterapeuta e actriz, as teorias da actualidade que influenciam a área são os novos estudos realizados no campo da Neurociência como Cozolino (2002), Teoria dos Sistemas com Bateson e Bronfenbrenner e Bandura com a Teoria de Aprendizagem Social e, finalmente, alguns pensadores do Teatro Social como Schininà (2004), Somers, Taylor, (2003) e Thompson (1994).

O modelo dramaterapêutico proposto por Jennings (1997), defende que a mente constrói uma relação correcta com o mundo circundante por via de uma estrutura interna à própria mente, estrutura cuja natureza é dramática. A sua teoria resulta da articulação dos conhecimentos em diferentes áreas: dos mecanismos dramáticos que sustentam o processo artístico em âmbito teatral; da função do jogo na infância como elemento essencial na percepção da realidade e da construção da relação das teias sociais contidas nessa realidade; do campo antropológico, sobre a função do mito e do rito e dos rituais como fenómenos colectivos e sociais. Indagou sobre a presença do elemento teatral nesses rituais e da conexão entre teatro e ritual. Jennings dá-nos a seguinte perspectiva acerca da função do ritual:

“Schechner sugere que o ritual é o foco de convergência da teoria antropológica, biológica e estética (Schechner, 1991). Eu defendo que a experiência terapêutica do teatro pode ser comparada com a performance do ritual de cura que nos mantém, ou nos assiste para retornar ao bem-estar.”

(Jennings, 2005: 15)

A importância que atribui à educação resulta da articulação que encontra entre terapia e educação, como parte de um maior processo de interacção social que ocorre no quotidiano. É a autora da teoria do “Remedial Drama” (1984), na qual muitas das actividades desenvolvidas têm por base o movimento corporal e a técnica Laban. No entanto, por considerar que a Dramaterapia começa no corpo, Jennings não aceita que subsista um processo linear que tem início no corpo e termina na interpretação de papéis; sendo o Homem multifacetado e o movimento uma dimensão humana, este pode ser amplificado de maneira multidimensional de forma a tornar-se um veículo mediador dessas várias facetas (1997); considera que a Dramaterapia facilita a conexão da pessoa com o seu próprio corpo para assim promover a descoberta do self escondido.

Posteriormente, elaborou o conceito de “Theatre of Healing”. Jennings utiliza o paradigma de “Proximidade-Distanciamento”, sugerido por Landy, como fonte de articulação entre a estética contida nos mecanismos teatrais e a terapia, e realça a diferença com uma abordagem mais psicodramática em Dramaterapia. É apologista do encorajamento do jogo dramático e do desenvolvimento da experiência estética, que considera em nada limitar ou opor-se à intenção terapêutica, antes a enriquece e viabiliza. Utiliza a exploração de uma história universal através da “distância dramática” e do texto, para que os pacientes encontrem a sua própria história e trabalhem com o seu próprio material. Também utiliza frequentemente a máscara e outros formatos de projecção.

Propõe também uma abordagem através do modelo dramaterapêutico EPR95, que descreve o processo terapêutico e uma evolução particular no interior desse processo, no qual distingue três fases: Embodiment – Projecção – Papel. Estas três fases, por sua vez, correspondem à constituição do princípio de realidade na criança no decurso da primeira infância: jogo físico (E), jogo projectivo (P) e jogo dramático (R) (Jennings, 2005).

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Para mais informação, consultar Jennings S. (1999) Introduction to Developmental Playtherapy: Playing for Health, London: Jessica Kingsley.

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