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Escala entre Não-actuação e Actuação

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO: RAÍZES DO TEATRO SOCIAL

3.3. Animação Teatral

3.3.1 Definição de Animação Teatral

Para entender em que consiste a Animação Teatral (AniT) há que considerar os seus destinatários, contextos, territórios e lugares de intervenção, bem como as actividades que pretende desenvolver e os objectivos que procura atingir.

As raízes etimológicas de “Animação”, colocam-se no binómio “anima” (dar alma, dar alento, dar vida) e “animus” (dinamismo), (Caride, 2006: 36). O termo Animação está “ligado à festa, ao divertimento colectivo, ao happening, à livre expressão do prazer”

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(Passatore, 2000: 326) e alude a um conjunto de práticas muito vasto, difícil de definir por si só. Tendo em conta essa dificuldade, Vítor Ventosa (2000) avança com uma definição de AniT nos seguintes termos: “Animação Teatral seria esse tipo de Animação Cultural que se serve do teatro e das suas técnicas para a consecução da sua meta fundamental, isto é, o desencadeamento de processos auto-organizativos mediante a promoção da criatividade individual e da expressão colectiva.” (Ibid.: 134). Xavier Úcar (2000), com base numa série de pressupostos que realçam o conceito integrador de AniT, descreve-a como “aquele conjunto de práticas sócio-educativas com pessoas, grupos ou comunidades que, através de metodologias dramáticas ou teatrais, gera processos de criação cultural e persegue o ‟empoderamento„ dos participantes.” (Ibid.: 104).

A Animação Sociocultural

Muito sucintamente, alguns dos conceitos-chave da Animação Sociocultural são a educação permanente, o desenvolvimento comunitário e a gestão cultural. Tem como finalidades prioritárias o desenvolvimento do saber cognoscitivo, o saber fazer e o saber estar. Os valores que promove são a liberdade, o pluralismo, a consciencitização, as relações humanas, a autonomia pessoal e a democracia cultural. As suas diferentes modalidades implicam a extensão cultural e a transformação social. Fundamenta-se nos saberes da Antropologia, Sociologia e Psicologia e a sua área de referência é a Psicologia Social (Serrano, 2006).

Gómez (2000) traça um conjunto de princípios fundamentais à Animação Sociocultural, que estão na base da perspectiva da AniT e que a coloca como especialização da primeira. Quintana (1986) sistematiza as linhas estruturantes da Animação Sociocultural, demonstrando que é sob esse grande chapéu que qualquer tipo de Animação desenvolve a sua teoria e a sua prática, onde a disciplina de Pedagogia Social assume um papel fulcral.

Queremos destacar a perspectiva portuguesa apresentada por Bento (2003), quando encara a Animação Teatral como estreitamente associada à Animação Sociocultural; nesta perspectiva, está em perfeito acordo com os autores espanhóis acima enunciados. Afirma que o que as diferencia são os objectivos e as estratégias:

“Os objectivos da AniT estão associados à construção de um potencial projecto artístico-teatral que se poderá ou não concretizar-se em espectáculo. Já os objectivos da Animação Sociocultural, desenvolvida através do teatro, estão associados às

questões gerais e específicas do desenvolvimento cultural, social, educativo e artístico.”

(Bento, 2003: 98)

E acrescenta: “Mesmo num processo de Animação Teatral ou de Animação Sociocultural a partir do teatro, defendemos a ideia de que o objectivo (fim) primeiro do teatro é a de que ele aconteça, se concretize, independentemente de ser também um meio.” (Ibid.: 56), mas ressalva que “em ambos os tipos de Animação, o teatro é utilizado como um meio.” (Ibid:98).

Apesar de considerarmos estas definições das mais abrangentes em termos de uma definição geral de AniT, notamos que a tónica de intervenção se altera conforme o percurso cultural e social de cada país. Segundo Pavis (1997): “A animação familiariza um público ainda mal informado com o aparelho teatral, dessacraliza este e insere-o no tecido social.” (Ibid.: 18).

Cultura, Democratização Cultural e Cultura Democrática

Elementos-chave para a AniT são o território, as comunidades locais, a cultura, as políticas culturais, os modelos de desenvolvimento e a educação, onde o sujeito é considerado no seu potencial activo e transformador de realidades sociais e individuais, que tendem a melhorar a sua própria qualidade de vida e a prática de cidadania (Caride, 2006).

Um dos conceitos base de AniT prende-se com a noção de cultura. Com base num quadro de Egg (1992), pode-se fazer a distinção entre: “cultura como ornamentação”, que consiste no aprimoramento da sensibilidade do indivíduo à presença estética contida numa obra com origem num processo intelectual; a “cultura como resposta proveniente do passado”, como apropriação patrimonial material e imaterial, ponte entre a tradição e o presente, que interfere no estilo de vida; a “cultura aberta à criação do futuro”, como forma criativa de construção mental, embodied e social, que age no modus vivendi individual e colectivo. Ou seja, põe-se em dúvida uma única noção dominante de cultura, e substitui-se pelo conceito de cultura (ou culturas) “em movimento”, onde cada cidadão contribui para a emergência da definição do conceito de cultura.

Relacionada com a noção de cultura, num primeiro momento, impôs-se a questão da Democratização da Cultura, que surge no pós-II Guerra Mundial II, com uma forte influência marxista, com a intenção de todos terem acesso a produtos culturais (Coenen-

Huther, 1977). Concretamente, assistiu-se a uma oferta crescente de produções teatrais, oferta essa que conheceu um importante impulso através do denominado Teatro Popular (Schechter, 2003). Este assentava na difusão e itinerância cultural, na tentativa de levar o teatro às populações fora dos grandes centros urbanos.

Por um lado, num esforço do poder central em favorecer (ou manipular?) a difusão de outro tipo de produtos culturais52, surgiram críticas quanto ao facto de não se pretender mais do que generalizar uma cultura de elite, atitude essa que continha uma vertente hegemónica ao assumir-se como um padrão cultural “de qualidade” a seguir; por outro lado, não incidia numa aposta de mudança da atitude da audiência perante os produtos que lhe eram apresentados, mantendo uma postura de receptor passivo e consumista, sem aquisição de poder crítico. Pode-se afirmar que a difusão, com este tipo de características, está mais próxima do conceito de “Cultura de Massas” do que do conceito de Teatro Popular, uma das suas principais origens que, como nos é dado a conhecer pela História do Teatro Moderno, assentava em princípios de resistência a uma cultura teatral e artística dominante (Trilla, 2004).53

Na continuação desta oferta e como reacção às críticas54, germinou a necessidade de implicar as populações na sua cultura, fosse em termos de oferta, fosse em termos de criação, de forma a motivar a comunidade: deixam de ser espectadores de cultura e passam a ser agentes activos dessa cultura (Simonot, 1974). Esta motivação só seria possível através de um real interesse pelo amadurecimento das comunidades, o que faz emergir, nos anos 80 do século XX, um novo conceito de cultura e a noção de Democracia Cultural, onde o centro é a realização pessoal e colectiva, partindo não de produtos exteriores à realidade cultural de uma comunidade, mas antes partindo dessa realidade, tornando a cultura um sistema gerador do convívio, dinâmicas de desenvolvimento individual e da comunidade local, de experiência e de dialéctica de saber. Entre inúmeros escritores da AniT mais associada à Animação Sociocultural, a Democracia Cultural surge por oposição à Democratização da Cultura (Caride, 2000).

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Estas iniciativas adquiriram algum sucesso, conforme as políticas culturais de cada país, financiamentos e uma articulação consistente com os organismos acolhedores.

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Esta incoerência foi amplamente denunciada e debatida por Jacques Copeau e seus sucessores. 54

Outro grande crítico deste tipo de apresentações foi Jacob Moreno com o seu ataque à “cultura enlatada”. Para mais detalhes, consultar o capítulo sobre Dramaterapia.

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