• Nenhum resultado encontrado

ÉTICA, ABORTO E HIV/AIDS

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 42-46)

Resumos dos trabalhos

5. ÉTICA, ABORTO E HIV/AIDS

Adriane Roso2 Descritores: Psicologia Social; Ética; HIV

INTRODUÇÃO: A AIDS é um fenômeno social e cultural, “que se coloca tanto no âmbito dos direitos reprodutivos quanto no dos direitos sexuais” (ÁVILA, 1999, p.47). Não é uma simples doença que atinge o corpo biológico; ela interfere nas práticas cotidianas referentes à saúde sexual e reprodutiva e implica a modificação das relações de gênero, as quais desempenham um importante papel “em estruturar desigualdades e acentuar, para as mulheres, riscos à saúde sexual e reprodutiva” (MANE & AGGLETON, 2000, pp.104-105). Como a epidemia está afetando mais e mais as mulheres em idade reprodutiva, a transmissão perinatal está produzindo desafios e desdobramentos para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e está revelando a urgência de uma discussão mais ampla sobre o assunto, bem como o reconhecimento da AIDS como um dos principais problemas do campo sexual e reprodutivo (BARBOSA, & DO LAGO, 1997). Há uma grande dificuldade em se lidar com a complexidade desse fenômeno social. O discurso tradicional sobre sexualidade e reprodução, construído cultural e socialmente, interage com novas idéias e com fatores econômicos, e a epidemia da AIDS abre portas para discussões antes inimagináveis. Mais do que nunca, os discursos do domínio privado se tornam uma parte da esfera pública. Os temas relacionados à AIDS tocam em tabus e levantam questionamentos éticos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, especialmente quando o foco de atenção são mulheres soropositivas que querem engravidar ou que já estão grávidas. Sem dúvida alguma, a Aids tem despertado o interesse de pesquisadores sociais. Utilizando o ProQuest®, ProQuest Digital Dissertation®, e Ovid® como base eletrônica de banco de dados, observa-se que uma proporção marcante dos estudos tem como foco descrever as intenções de gravidez e/ou aborto, e/ou a experiência da maternidade de mulheres HIV-positivas (e.g., SIEGEL & SCHRIMSHAW, 2001; CHEN, PHILLIPS, KANOUSE, COLLINS, & MIU, JUL. 2001; WESLEY, 2000). Não há como falar em aborto sem que nos remetamos a questão ética. A palavra ética vem do grego ethos, que significa “modo de ser”, “costume” ou “caráter”. Não se adquire ética “naturalmente”, mas pelo hábito, costume. Uma pessoa não nasce com uma ética; ela é construída. Então, uma pessoa não nasce preconceituosa, não nasce virtuosa, pois preconceitos e virtudes originam-se do conviver em sociedade. A ética não se define pelo individual, pelo meu agir; ela é muito mais geral, mais ampla, o que é muito bem explicado por Vázquez (1999): definir o que é bom não é um problema moral cuja solução caiba ao indivíduo em cada caso particular, mas um problema geral de caráter teórico-ético. Os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e os problemas morais são os que se apresentam nas situações concretas, no cotidiano. A função fundamental da ética é explicar, esclarecer ou investigar determinada realidade. OBJETIVO: Assim, a partir de uma perspectiva psicossocial dialógica, tem-se como objetivo nesse ensaio investigar as percepções       

1 Tese – Relato de Pesquisa.

2 Doutora e Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

sobre aborto de cinco mães soropositivas que vivem em duas cidades diferentes sob o ponto de vista cultural e estrutural, mas que compartilham muitos pontos em comum em relação à AIDS, como, por exemplo, o tipo de população mais vulnerável à infecção: mulheres que vivem em situação econômica desprivilegiada e marginalizadas (veja PARKER, 2002; CDC [CENTER FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION], 2000; GALVÃO, 1997). METODOLOGIA: Esse é um estudo transcultural comparativo qualitativo da cultura sexual e reprodutiva de mulheres latinas que vivem na cidade de Nova Iorque e de mulheres que vivem em Porto Alegre, Brasil. O propósito fundamental de uma abordagem qualitativa é desenvolver uma teoria que irá acessar e tentar entender as experiências de vida das pessoas. A filosofia da pesquisa qualitativa enfatiza a base fenomenológica do estudo, uma descrição elaborada dos “significados” do fenômeno para as pessoas ou da cultura a ser examinada. Isso é denominado de abordagem compreensiva (verstehen approach), e os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas da situação, de eventos, de pessoas, de interações, e de comportamentos observados (PARKER, HERDT, & CARBALLO, 1999; GONZÁLES-REY, 1997; PATTON, 1990; DENZIN, & LINCOLN, 1984). O foco principal da pesquisa são mães HIV-positivas latinas, entendidas aqui como aquelas que vivem ou são oriundas de um país com cultura latina, em específico mães brasileiras que vivem na cidade de Porto Alegre, Brasil, e mães porto-riquenhas e dominicanas que vivem na cidade de Nova Iorque, EUA. Baseado numa amostra de julgamento (veja BERNARD, 1994), o número de participantes selecionado foi de 5 mães soropositivas. Em Nova Iorque, todos as participantes (Cora, Anabela e Yolanda) entrevistados receberam um formulário de consentimento informado o qual cobre todos os passos da pesquisa, e que foi lido pelos/aos participantes. O formulário de consentimento foi em espanhol ou em inglês, de acordo com a preferência do participante. Em Porto Alegre, processo similar aconteceu às participantes (Cleo e Selena). Para colher as histórias das pessoas soropositivas sobre o aborto enquanto portadoras do HIV, recorreu-se ao método de entrevistas narrativas. (veja JOVCHELOVITCH & BAUER, 2002). Nesse ensaio, apresenta-se as narrativas que se referem ao aborto. Analise das narrativas fundamenta especialmente em autores que entendem a sexualidade e a reprodução como uma construção social, e que se preocupam com as práticas discursivas mas não esquecem as instituições sociais e a força que as estruturas político-econômicas exercem sobre os sujeitos em seus cotidianos. RESULTADOS: Os fatores que envolvem as decisões em terminar a gravidez em mulheres soropositivas incluem, entre outros fatores, a percepção de risco, a influência do parceiro e da família, o medo de acelerar a doença ou de afetar a criança, preocupação com os cuidados a longo prazo da criança, e saúde materna pobre (KURTH & MINKOFF, 1995), e nenhum desses fatores, aparecem nas narrativas das moradoras de Porto Alegre, Cleo e de Selena. A decisão tanto das moradoras de Porto Alegre e de Nova Iorque foi por não fazer aborto. Chamou à atenção a postura ética dos profissionais da saúde que as atenderam, pois eles indicaram/sugeriram o aborto para suas pacientes, postura que gera sofrimento em Anabela e Yolanda, que têm como primeira reação o choro, acompanhado de uma diversidade de sentimentos, como raiva, desespero e indignação. Todavia, ambas reagem à tentativa de interferência dessas profissionais da saúde, deixando clara suas posições e quais são seus direitos, mostrando o sentido de entitlement à

reprodução. CONCLUSÕES: Cleo, Selena, Anabela, Cora e Yolanda tomaram a decisão de não abortar quando engravidaram, recusando a intromissão ética dos profissionais da saúde. A religiosidade é o fator mais marcante na decisão contrária ao aborto.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, M. B. Direitos reprodutivos, exclusão social e Aids. In R. Parker & R.M. Barbosa,

Sexualidades pelo avesso. Direitos, identidades e poder, Rio de Janeiro: IMS/UERJ, Editora 34, 1999, p. 39-48.

BARBOSA, R. M.; LAGO, T., G. AIDS e direitos reprodutivos: para além da transmissão vertical. In R. Parker (Org.). Políticas, instituições e AIDS. Enfrentando a epidemia do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar, 1997. p.163-176.

BERNARD, H. R. Research methods in Anthropology. Qualitative and quantitative approaches (2ed). Walnut Creek, CA: Altamira, 1994.

CENTER FORDISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). HIV/AIDS among U. S. women: minority and young women at continuing risk. Rockville, Maryland: Center forDisease Control and Prevention, National Center for HIV, STD and TB Prevention, September 2000.

CHEN, J. L.; PHILLIPS, K. A.; KANOUSE, D. E.; COLLINS, R. L.; MIU, A. Fertility desires and intentions of HIV-positive men and women. Family Planning Perspectives, 33, 4, 144-152 and 165. Jul. 2001.

DENZIN, N. K., & LINCOLN, Y. S. (Eds.). Handbook of qualitative research. Thousand Oaks, CA: Sage, 1984.

GALVÃO, J. As respostas religiosas frente à epidemia de HIV/AIDS no Brasil. In R. Parker (Org.). Políticas Instituições e AIDS. Enfrentando a epidemia, 109-134. Rio de Janeiro: Zahar/ABIA, 1997.

GONZÁLES-REY, F. (1997). Epistemología cualitativa y subjetividad. Playa, Ciudad de La Habana: Pueblo y Educación.

JOVCHELOVITCH, S. & BAUER, M. Entrevista narrativa. In M. W. Bauer, & G. Gaskell, (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático, pp. 90-113. Petrópolis: Vozes, 2002.

KURTH, A., & MINKOFF, H. L. Pregnancy and reproductive concerns of women with HIV infection. In P. Kelly, S., Holman, R. Rothenberg, & S. P. Holzemer,Primary care of women and children with HIV infection. A multidiciplinary approach. Boston/London: Jones and Bartlett Publishers, 1995. p.59-87.

MANE, P., & AGGLETON, P. Cross-national perspectives on gender and power. In R. G. Parker, R. Barbosa, & P. Aggleton (Eds.), Framing the sexual subject. The politics of gender, sexuality, and power. Berkeley\Los Angeles, CA: University of California Press, 2002. P.104-116.

PARKER, R. The global HIV/AIDS pandemic, structural inequalities, and the politics of international health. American Journal of Public Health, 92,3, 343-346, March 2002.

PARKER, R., HERDT, G., & CARBALLO, M. Sexual culture, HIV transmission, and AIDS research. In R. Parker, & P. Aggleton (Eds.), Culture, society and sexuality. A reader. Philadelphia, PA: UCL Press, 1999. p.419-433

PATTON, M. K. Qualitative evaluation methods. Beverly Hills, CA: Sage Publications, Inc., 1990. SIEGEL, K., & SCHRIMSHAW, E. W. Reasons and justifications for considering pregnancy among women living with HIV/AIDS. Psychology of Women Quarterly, 25, 112–123. Blackwell Publishers, 2001.

Wesley, Y. Correlates desire for children among Black women with and without HIV infection (Immune Deficiency). Doctoral Dissertation. New York: New York University, Division of Nursing, 2000.

6. PSICOLOGIA DA COMUNICAÇÃO E CONTEXTOS MIDIÁTICOS: CONSIDERAÇÕES

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 42-46)

Outline

Documentos relacionados