• Nenhum resultado encontrado

VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR: PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS ESCOLARES QUE VIVEM EM ABRIGO

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 162-166)

MULTIPROFISSIONAL COM FAMILIARES DE POTENCIAIS DOADORES DE ÓRGAOS

40. VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR: PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS ESCOLARES QUE VIVEM EM ABRIGO

Ruth Irmgard Bärtschi Gabatz2

Stela Maris de Mello Padoin3 Eliane Tatsch Neves4 Descritores: violência doméstica; enfermagem pediátrica; maus-tratos infantis.

INTRODUÇÃO: A violência intrafamiliar contra a criança foi tratada, por muito tempo, como um problema estritamente familiar, sendo sustentado como tal pela sociedade. Continua sendo justificada, como maneira de educar e até de demonstrar carinho e afeto. No entanto, não é possível tratar essa questão como se fosse natural, pois inúmeras são às vítimas desse tipo de violência, tornando-a uma questão de saúde pública (MINAYO, 2004). A violência contra a criança, constitui-se em uma violação aos seus direitos fundamentais, tornado-se uma questão ética importante, uma que indivíduos vulneráveis estão expostos a riscos em sua integridade física, moral, psicológica e econômica. Assim sendo, a intervenção do Estado nas situações de violência contra a criança é feita visando o bem-estar e a proteção desta, para tanto diversas leis, especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA (BRASIL, 2006), foram instituídas. Entretanto, essas só poderão ser aplicadas quando houver quebra do silêncio que envolve a violência intrafamiliar contra criança. Assim, a partir da suspeita e/ou confirmação da presença da violência intrafamiliar o Estado tem o dever de afastar o agressor do convívio das crianças executando o Art. 130 do ECA, sendo ela encaminhada provisoriamente a um abrigo. Foi dessa possibilidade que emergiu a questão: como a violência no contexto familiar é vivenciada sob a perspectiva das crianças? OBJETIVO: Compreender as vivências das crianças, vivendo em lares, sobre a violência no contexto familiar. METODOLOGIA: Pesquisa qualitativa do tipo descritivo-exploratória, fundamentada no Método Criativo Sensível (CABRAL, 1998). Os dados foram produzidos em duas instituições que acolhem crianças e adolescentes, sendo a população constituída por quatro crianças, em idade escolar, vítimas de violência intrafamiliar, ali abrigadas. A produção dos dados ocorreu por meio das dinâmicas de criatividade e sensibilidade (DCS): O Brincar em Cena e Corpo Saber. A DCS O Brincar em Cena foi utilizada com recursos tipo modelagem, família de bonecas da pano e desenhos, por meio destes buscou-se conhecer como era a vida das crianças no ambiente da família de origem. A DCS Corpo Saber objetivou conhecer de que forma o corpo das crianças era cuidado/tratado no ambiente da família de origem, sob a perspectiva das mesmas. Para tanto, solicitou-se que as crianças       

1 Modalidade: Dissertação defendida junto ao Programa de Pós-graduação Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, em novembro de 2008.

2 Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Docente do curso de Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM.

3 Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, professora adjunta do Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-graduação-Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

4 Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ com estágio doutoral na McGill University com bolsa da CAPES, professora adjunta do Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-graduação-Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

desenhassem o seu corpo e a forma como esse era cuidado pela família. Os dados foram analisados por meio da Análise de Discurso francesa (ORLANDI, 2001). RESULTADOS. Os achados são apresentados em duas dimensões e seus respectivos subtemas: a) dimensão objetiva da violência intrafamiliar no mundo das crianças b) A dimensão subjetiva da violência intrafamiliar no mundo das crianças. Situações vivenciadas pelas crianças que envolvem os motivos da institucionalização: Gabriel revelou em seu discurso que os problemas mentais da mãe e o abuso do álcool desencadearam as situações que o levaram a institucionalização. Além disso, Gabriel refere-se à agressão física que a mãe praticava contra ele e seu irmão. Eduardo também justifica sua institucionalização pelas agressões da mãe. Rafaela revela que o motivo pelo qual não podia morar com a mãe era seu “problema na cabeça”. Ana Júlia relatou em sua história que a mãe abusava do álcool, sendo que esse abuso a levou a morte. Entretanto, não aponta esse abuso como motivo da institucionalização, na realidade não refere esse motivo. Relatos colhidos com os profissionais que trabalham na instituição, apontam a negligência da mãe como sendo o motivo. Pode-se observar como as crianças buscaram explicar os fatores de sua institucionalização, sendo estes, atribuídos a acontecimentos ou decisão de alguém. A localização da violência no corpo: Rafaela e Ana Júlia negaram ter sofrido agressões em sua família. Eduardo contou que a mãe batia nele, afirmando que as agressões ocorriam na cabeça e no rosto. Gabriel afirmou que a mãe batia neles (crianças) e batia no pai deles também. A partir disso, evidencia-se a co-ocorrência da violência contra a criança e a violência conjugal. Gabriel revela a mãe como a agressora, localizando fisicamente as agressões nas nádegas, nas mãos e nos pés. A mãe como a principal responsável pela prática da violência intrafamiliar: evidenciou-se que mães foram as principais responsáveis pelas agressões. Sendo a presença da violência, recorrente nas duas dinâmicas e nas vivências de Eduardo e Gabriel, Rafaela e Ana Júlia. Tais resultados apontam um desafio: a aceitação de que o amor materno não é intrínseco a condição humana. Essa dificuldade encontra-se pautada em questões como: a difusão da figura materna associada à santidade; apresentação da mãe como protetora e provedora de amor e carinho; e, a representação social do papel materno. Entretanto, compreende-se que a natureza humana é complexa e multifacetada, não podendo ser associada somente ao sexo ou ao papel que exerce a fonte da violência, pois em alguns momentos as mães agridem e em outros elas cuidam em excesso. Sentimento de amor e carinho pelo familiar que cuidava: Eduardo expõe que quem cuidava dele e do irmão era o pai, explicou também que gostava mais do pai e que não gostava da mãe, porque a mãe sempre batia nele. Gabriel concordou com o irmão. Eduardo explicou que o pai cuidava dele e esse cuidado se relaciona principalmente ao pai não bater. Essa perspectiva de cuidado está pautada na proteção. O pai representa, nesse caso, o protetor das crianças. Evidenciou-se, o amor pelo familiar que exerce o cuidado e a falta desse pelo familiar responsável pela agressão física. Cuidados básicos de higiene como forma de cuidado: Rafaela e Ana Júlia referiram como forma de cuidado praticado por suas mães os cuidados básicos de higiene como lavar e pentear cabelos, lavar mãos e pés e escovar os dentes. Os cuidados básicos de higiene são ensinados e difundidos pela escola e pelas instituições de saúde, tendo-os como modelos básicos ou mínimos a serem desenvolvidos por todas as pessoas. Observa-se que as meninas poderiam estar reproduzindo o seu

aprendizado escolar e não a realidade vivenciada por elas, já que em outros momentos negaram lembranças de sua vida na família de origem. A concepção de que as necessidades básicas de higiene representam cuidado, permeia a realidade dos profissionais de saúde e educação, passando para a sociedade. Dessa forma, compreende-se que seja isso o que perpassa o ideário de Rafaela e Ana Júlia como sendo parte da concepção de cuidado na família. Recorrência da violência no ideário das crianças: os dados aqui apresentados foram extraídos na realização de uma técnica de integração, nela as crianças foram convidadas a se identificarem com um animal ou um objeto. Pode- se identificar que a temática da violência é recorrente no universo vocabular das crianças. Sendo que, as crianças se identificaram com animais e objetos por características relacionadas à presença da violência. Ana Júlia se identificou com uma galinha, por ser um animal livre. Rafaela identificou-se com um gato, embora as demais crianças lhe atribuíssem características agressivas do gato, ela explicita características afetuosas. Nesse sentido, pode se perceber sua preocupação em ser uma pessoa agradável ao convívio, buscando mudar a realidade da violência. Eduardo e Gabriel representaram em seu discurso características que podem inferir a presença da violência, com uma baixa auto-estima, sendo essas características depreciativas associadas a situações de inferioridade, como a pedra que é preta e o porquinho que carrega o lixo. CONSIDERAÇÕES FINAIS. O enfrentamento da violência apresenta-se como um desafio, a fim de que não seja naturalizada e reproduzida. Essa violência é tratada ainda, por muitos profissionais, apenas em seus sinais visíveis, que estão representados nos sinais objetivos da violência (hematomas, fraturas, lesões), entretanto os sinais pouco visíveis, sinais subjetivos (traumas psicológicos e emocionais, dificuldades de aprendizagem e desenvolvimento), por vezes, são ignorados. Sequelas deixadas pela violência merecem uma atenção especial dos profissionais da saúde e, especialmente, da Enfermagem. As crianças vítimas de violência podem ser descritas como crianças com necessidades especiais de saúde (CRIANES), por serem indivíduos que convivem com sequelas permanentes a sua saúde e integridade física, cognitiva e psicológica. Acredita-se em um trabalho preventivo, realizado junto às famílias desde a concepção, cuidados no pré-natal e parto. Dentro de uma política de humanização que tenha seu foco em ações que propiciem o apego, o fortalecimento do vínculo mãe-filho e das relações familiares no cotidiano da convivência. Tudo isso, com vistas à possibilidade de contribuir para minimizar a ocorrência da violência intrafamiliar atendendo aos direitos fundamentais das crianças, objetivando uma assistência que prime pela ética, responsabilidade e competência no enfrentamento do problema.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006.

CABRAL, I. E. O Método Criativo e Sensível: alternativa de Pesquisa na Enfermagem. In: GAUTHIER, J. H. M. et al. (org.). Pesquisa em Enfermagem: novas metodologias. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998, p. 177-203.

MINAYO, M.C.S. A difícil e lenta entrada da violência na agenda do setor saúde. Cad. Saúde Pública, v. 20, n. 3, mai-jun, 2009, Editorial.

ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 3. ed. Campinas, SP: Pontes, 2001.

41. BIOSSEGURANÇA: UMA AÇÃO EDUCATIVA PARA O TRABALHADOR DE

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 162-166)

Outline

Documentos relacionados