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DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E DE CORPOS: ESTUDOS SOBRE A UTILIZAÇÃO DO CORPO HUMANO PARA ENSINO E PESQUISA

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 108-111)

12 A SAÚDE E O TRABALHO NO CONTEXTO DA PRÁTICA DE UMA EQUIPE DE ENFERMAGEM DE PRONTO-SOCORRO 1

24. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E DE CORPOS: ESTUDOS SOBRE A UTILIZAÇÃO DO CORPO HUMANO PARA ENSINO E PESQUISA

João Beccon de Almeida Neto2,

Descritores: Bioética; Corpo humano; Doações;

INTRODUÇÃO: A Bioética é uma área do conhecimento que permite o diálogo multidisciplinar sobre problemas emergentes da realidade. Nesse contexto aparecem alguns temas centrais do cotidiano, como saúde, vida e morte, que pedem uma reflexão plural. Um tema importante, cujas auscultas não passam de parcas vozes isoladas, é justamente a utilização do corpo humano morto no ensino e pesquisa, nomeadamente, a doação de corpos. O corpo humano pode ser considerado um dos símbolos da finitude humana. Não raramente, nos deparamos com questões existenciais sobre o que é o nosso próprio corpo: um objeto a ser moldado pelo seu detentor ou a constituição da própria pessoa? A utilização do corpo humano para o ensino e pesquisa não foge dessa realidade: estudamos a partir de um objeto ou de uma pessoa que um dia vivera? É importante frisar que no nosso ordenamento jurídico não há qualquer regulamentação frente à matéria, tão só o aproveitamento de cadáveres não reclamados (Lei n. 8501/1992). O Código Civil brasileiro prevê pois, a possibilidade de doação do corpo para o ensino e pesquisa (art. 14) e para fins de transplante (art. 13). Mas, ao contrário desta que tem regulamentação, Lei n. 9.434/1997, naquela não se vê clarificada a forma de como se concretizará, ou seja, tem-se o direito, mas não se sabe como garanti- lo ou externá-lo, portanto. Por isso, a legislação sobre a doação de órgãos é usada como parâmetro interpretativo à doação de corpos, sendo que as eventuais omissões são preenchidas pela regulamentação local. OBJETIVOS: O presente trabalho objetiva discutir, sob os auspícios da bioética, o uso do corpo humano no ensino e pesquisa, nomeadamente sob as auscultas dos textos normativos relacionados aos atos de doação de órgãos e de doação de corpos. METODOLOGIA: A metodologia aplicada neste trabalho, até o momento, partiu de uma análise bibliográfica, jurisprudencial e principalmente legislativa pertinente ao uso do corpo humano em pesquisa científica como também à doação de órgãos. Esta pesquisa, desde o seu início, a pouco mais de ano e meio, fomenta discussões específicas sobre o assunto, forjando conclusões que, publicadas, demonstraram o interesse da sociedade em discuti-las. RESULTADOS E DISCUSSÃO:. O uso destes no ensino e pesquisa apresenta forte ambigüidade axiológica dentro da nossa sociedade. A prática iniciou-se sistematicamente no final da Idade Média (MANDRESSI, 2008) e chega até os dias de hoje onde o ensino da anatomia é realizado nas universidades por métodos de dissecação de cadáveres como de peças cadavéricas formolizadas. Pelos usos e costumes, sempre nos utilizamos, quase que       

1 Relato de projeto

2 Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS. Pesquisador associado ao Laboratório de Bioética e de Ética Aplicada a Animais (PUCRS).

unicamente, do cadáver não reclamado como fonte para o ensino e pesquisa. Esta, porém, nunca foi, digamos assim, suficiente, já que a necessidade, não raramente, é maior do que a disponibilidade. Tanto a literatura quanto a história da humanidade nos brindam com inúmeros exemplos de casos envolvendo roubo ou comércio de cadáveres para anatomistas ou para instituições de ensino. (ALMEIDA NETO et al, 2008) Muitas vezes, assassinavam pessoas com o intuito de usar o seu corpo. Muitas pessoas, provavelmente, nunca pensaram em doar o seu corpo para ensino, mesmo porque, nunca houve campanha estatal para tanto. (ALMEIDA NETO et al, 2007) A falta de doadores decorre, também, desta cultura de usar cadáveres não reclamados. Infere-se que somente os excluídos é que têm o seu corpo usado; deixamos de entender este ato como algo bom. Pela nossa legislação, não há garantias de que o doador tenha sua vontade respeitada. Assim como na doação de órgãos, cabe aos familiares a autorização, independente de documento registrado ou não. O documento de vontade, registrado ou não, serve simplesmente como forma de melhor externar a vontade do doador; dar publicidade. Mas de nada adiantará isso se os seus familiares não consentirem com o ato. O cadáver, no que tange ao Direito, não apresenta valor em si mesmo, somente o indivíduo vivo o tem. (CARNELUTTI, 1999) Não apresenta interesses como uma pessoa. A deliberação dos herdeiros nada tem com o direito de propriedade: eles representam a última vontade do indivíduo. Os resquícios de direitos de personalidade que o ordenamento jurídico prevê para o cadáver estão justamente galgados neste fundamento da memória da pessoa quando viva. Tanto é que a imemorialidade do corpo pos mortem o transforma em coisa sem valor ou abandonada (res nullius), uma vez que não existe última vontade e, sendo assim, não há porque falar em resquícios de personalidade. (MIRANDA, 2000) Esta situação o torna objeto de direito para fins de estudo e pesquisa. Aqui está a principal forma de obtenção de cadáveres pelas instituições: os cadáveres não reclamados. A segunda fonte provém da vontade do indivíduo. E esta é praticamente rara ou inexistente no Brasil. Então, o problema da falta de cadáveres para o estudo e pesquisa encontra-se no desprovimento de políticas governamentais, que fomentem a idéia da doação de corpos, no mesmo âmbito em que observamos nas campanhas de doação de órgãos. Acresce-se a isso o fato de não existir lei específica sobre o tema da doação de corpos. Este tema deveria ser olhado da mesma forma que a doação de órgãos, mas o seu tratamento está longe disto: ainda estamos intimamente ligados a misticismos e crenças cotidianas senão religiosas. Dentro dessa discussão, podemos ainda observar, não menos grave, outro ponto relevante a ser ressaltado quanto ao tratamento fomentado a tais atos altruísticos, é a ingerência, por parte da Administração Pública, em presumir a doação, sob o argumento utilitarista de aproveitamento, para os casos de corpos oriundos de pessoas mortas sem parentes que o reclamem, enquanto que, no caso da doação de órgãos, o mesmo não ocorre por impossibilidade legal; isto é, uma evidente demonstração de ambigüidade legislativa dentro de um mesmo ordenamento jurídico, portanto. CONCLUSÃO: Deve- se promover uma discussão moral e ética sobre a doação de corpos, fundamentada na autonomia do doador no intuito de conscientizar a sociedade e valorizar a importante função deste ato para o melhoramento da formação acadêmica dos futuros profissionais da área da saúde e da biociência. Clotet (1993) já afirmava em 1993, que a sociedade precisa posicionar-se sobre certas mudanças.

Dentre elas, salientava a necessidade de um padrão moral que pudesse ser compartilhado por pessoas de realidades diferentes. Acredita-se que um diálogo multidisciplinar sobre o uso de cadáveres para a pesquisa e a proposição de políticas públicas que respeitem a vontade expressa do indivíduo ao uso de seu corpo seria uma maneira concreta de manifestação de uma sociedade democrática, tornando a proposição acima citada atual e relevante, priorizando como fonte de doação de corpos a autonomia da vontade do doador e não os corpos não reclamados

REFERÊNCIAS

ALMEIDA NETO, João Beccon de; BAÚ, Marilise Kostelnaki; LOCH, Jussara de Azambuja; BILHALVA, Gabriel Vieira; FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos. O corpo humano morto: utilização do cadáver para a pesquisa científica e para a doação de órgãos. Revista Brasileira de Bioética – RBB, Brasília, v. 3, n. 2, p. 218-35, 2007.

_______________. O valor social do cadáver humano: personalidade, pesquisa científica, doação de órgãos e corpos. Revista Direito & Justiça, Porto Alegre,v. 34, n.1, p. 60-73, 2008.

BRASIL. Lei n. 8.501, de 30 de Novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, DF, 15 dez., 1992

BRASIL. Lei nº 9.434, de 04 de Fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, DF, 5 fev., 1997

CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Antônio C. F.. São Paulo: LEJUS, 1999. CLOTET, Joaquim. Por que Bioética?. Revista Bioética: Conselho Federal de Medicina. 1993; 1 (1):13-9.

MANDRESSI,Rafael.Dissecações e Antomia.In:CORBIN,Alain;COURTINE Jean-

Jacques;VIGARELLO, Gorges.Tradução:ORTH,Lúcia.História do corpo:Da Renascença às Luzes.2ed.Petrópolis:Vozes,2008, p.411–440.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado/Pontes de Miranda. Campinas, SP: Bookseller, 2000.

25. ENFERMAGEM NO PERIOPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA –

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 108-111)

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