• Nenhum resultado encontrado

SAÚDE PÚBLICA, CAMPANHAS DE PREVENÇÃO À AIDS: POR UMA ÉTICA DO CUIDADO

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 39-42)

Resumos dos trabalhos

4. SAÚDE PÚBLICA, CAMPANHAS DE PREVENÇÃO À AIDS: POR UMA ÉTICA DO CUIDADO

Adriane Roso2

Descritores: Psicologia Social; Saúde Pública; HIV

INTRODUÇÃO: Um modo de cuidar do Outro na Saúde Pública tem sido a criação de campanhas de prevenção de doenças, seja via televisão, jornais, panfletos, etc. As instituições públicas recorrem ao marketing social para elaborar suas estratégias. O marketing social “tem se desenvolvido como uma abordagem popular que se esforça em aplicar princípios da publicidade e do marketing para ‘vender’ comportamentos saudáveis. O marketing social tem se tornado uma estratégia básica para apontar algumas das deficiências de prévias campanhas públicas de comunicação” (WALLACK, 1990). Ele se define por um projeto, pela implementação e pelo controle “de programas que procuram aumentar a aceitação de uma idéia, ou prática social num grupo alvo. Utiliza conceitos de segmentação de mercado, de pesquisa de consumidores, de configuração de idéias, de comunicações, de facilitação de incentivos e a teoria da troca, a fim de maximizar a reação do grupo-alvo (KOTLER, 1978, p.288). No marketing social, a intervenção é desenvolvida a partir de uma base sólida das teorias da comunicação, mas vai além, pois ele se apóia também nas teorias psicológicos-sociais (Wallack, 1990). As campanhas são carregadas de formas simbólicas,a s quais não são criadas no vácuo; pelo contrário, elas transmitem uma visão de mundo e uma postura ética. Por “formas simbólicas”, entende-se um “amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtos significativos” (THOMPSON, 2007, p.79). Todavia, por mais bem intencionadas que sejam as mensagens de instituições públicas, nem sempre elas conseguem expressar formas de cuidado libertadores. É tempo de parar e perguntar: Que tipo de cuidado é propagado através das formas simbólicas produzidas para um coletivo? Esse estudo se propõe a discutir sobre essa temática, enfocando a temática AIDS/HIV, com o intuito de contribuir com os estudos que envolvem a produção de formas simbólicas dirigidas à promoção da saúde. O cuidado pode servir, como lembra Boff (1999), “de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de conviviabilidade” (p.13). O preconceito contra portadores do HIV circula na nossa sociedade ainda nos dias de hoje, já que a AIDS ainda aparece marcada em seus corpos, ainda é um estigma. Segundo Goffman (1975), os gregos criaram o termo

estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de

extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, um criminoso ou traidor - uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que deveria ser evitada, especialmente em lugares públicos. Assim, a partir de um estigma, de uma marca, podemos criar preconceitos sobre uma pessoa sem mesmo conhecê-la. Hoje em dia, os estigmas estão tão enraizados na nossa cultura que nem       

1 Reflexão teórica.

precisamos enxergar marcas físicas nos outros para elaborarmos julgamentos. Atualmente, como salienta Goffman (1975), o termo é mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidência corporal. Assim, a reflexão aqui posta tem o intuito de contribuir com o debate anti-preconceito e estigmatização dos portadores do HIV que aparecem veiculados em campanhas de prevenção. OBJETIVO: Analisar a forma simbólica “Cuidando da minha criança com Aids”, vídeo produzido pelo Ministério da Saúde, Secretaria de Projetos Especiais de Saúde, Coordenação Nacional de DST e AIDS, a qual representou um marco histórico na prevenção da AIDS. O vídeo mostra a imagem do Papa João Paulo saindo do avião em território brasileiro. A seguir, aparece a imagem do manual (espécie de brochura teórica, com gravuras e texto do tipo perguntas-resposta), a imagem de um feto, mãe amamentando e crianças brincando. O restante foi montado de forma a apresentar o manual: aparece a pergunta sobre o tema e uma voz masculina dá as respostas. Intercalado a isso, há entrevistas com duas médicas - uma da Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ) e outra do Centro Previdenciário -, outro médico da FIOCRUZ, um nutricionista e três mulheres ligadas a Organizações Não Governamentais (ONGs). Também são intercalados depoimentos de mulheres grávidas infectadas e depoimento de um pai infectado. MÉTODO: Fez-se um recorte do vídeo, selecionando as falas dos protagonistas, excluindo as falas das ativistas, por supor que estas possuem um discurso mais politizado, e deixou-se de lado o discurso em off (Perguntas-respostas), por ser de cunho teórico. Com base na Psicologia Social Crítica, a interpretação das formas simbólicas foi feita. No modo como entendo, a Psicologia Social Crítica analisa e intervém (n)a dinâmica da regulação e (no)o controle social frente a questões do corpo, das sexualidades, das tecnologias disciplinares e biopolíticas e dos saberes hegemonicamente constituídos. Especificamente, visa questionar e desconstruir as dimensões de desigualdades de gênero, raça e étnica. Particularmente, interessa-se pelas narrativas e discursos das minorias sociais, dos profissionais da saúde, dos ativistas sociais e dos meios de comunicação de massa (televisão, internet, rádio, etc.). Procura-se incentivar a conscientização (no sentido freiriano) das pessoas – especialmente das minorias sociais - para que elas batalhem pelos seus direitos e pela sua dignidade. Objetiva contribuir com o debate sobre atividades educativas e de comunicação em saúde, e sobre as estratégias terapêuticas individual e grupal, na área da saúde. Almeja-se o incentivo à constituição e ao desenvolvimento de sujeitos autônomos através da participação crítica e dialógica tanto no nível individual quanto grupal. RESULTADOS: Os seguintes elementos, entre outros, foram observados: (a) estereótipos de raça: todas as gestantes depoentes eram ou negras ou mestiças, única figura paterna que aparece é negra; (b) invisibilidade das diferenças de classe social: o vídeo não orienta como as gestantes devem agir caso não tenham dinheiro para comprar leite. A pauperização foi desconsiderada no discurso de todos; (c) verticalização do saber: O jogo de perguntas-resposta é vertical discriminatório. São os homens que têm as respostas. À mulher cabe o papel de quem não sabe respostas; d) sentimento de impotência dos profissionais da saúde; e (e) ética e teste anti-HIV. Fazer o teste é visto como uma “uma oportunidade” e tem conotação de mandatoriedade. CONCLUSÕES: Que tipo de cuidado essa forma simbólica veiculou no passado? Certamente não foi uma ética do cuidado, já que reforça estereótipos e discriminações de minorias sociais. Propõe-se, então, que possamos produzir

formas simbólicas a partir de uma ética baseada na relação e não no individualismo, pressupõe o diálogo, a argumentação; pressupõe que todas as pessoas tenham voz e sejam ouvidas. Nesta postura, acredita-se que as questões éticas que pousam no campo da saúde podem ser respondidas racionalmente (ROSO, 2007), isto é, “de tal modo que elas fazem sentido para todas as pessoas e não simplesmente àquelas afetadas imediatamente, da perspectiva de quem formulou a questão” (Habermas, 1993, p.173). Entretanto, para que essa racionalidade seja iluminada, não devemos desvinculá-la dos afetos humanos e dos saberes do povo. Quiçá se esse vídeo tivesse sido criado a partir de outro olhar em 1997, hoje, em 2009, o cuidado aos portadores seria mais justo.

REFERÊNCIAS

HABERMAS, J. Justification and application. Remarks on discourse ethics. Baskerville, Massachussetts: The MIT press, 1993.

BOFF, L. Saber cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. KOTLER, P. Marketing para organizações que não visam lucro. São Paulo: Atlas, 1978.

GOFFMAN, E. (1975). Estigma: Notas sobre a manipulação de identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar.

ROSO, Adriane. Psicologia social da saúde: tornamo-nos eternamente responsáveis por aqueles que cativamos. Aletheia, dez. 2007, no.26, p.80-94

WALLACK, L. Improving health promotion. In C. Atkin & L. Wallack. (Eds.), Mass Communication And

Public Health. Complexities And Conflicts. Newburry Park: Sage Publications, 1990. p. 147- 163.

THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Petrópolis: Vozes, 2008, 10ª Ed.

Brasil. Cuidando da minha criança com AIDS. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Projetos Especiais de Saúde. Coordenação Nacional de DST e AIDS, 1997. 44 p.

No documento ANAIS SEMINARIO BIOETICA 21 12 (páginas 39-42)

Outline

Documentos relacionados