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10ferir a pessoas e não a lugares, o uso do espa-

A realização morfológica dos campos semânticos

10ferir a pessoas e não a lugares, o uso do espa-

ço parece ser contínuo, ao invés de discreto, nesses casos.

Em segundo lugar, às vezes um evento envolve tanto uma mudança de movimen- to quanto de posse. Por exemplo, uma frase como ‘Mary handed Harry the book’ [Mary entregou o livro para Harry]. Em tais casos, o verbo talvez exiba tanto uso contínuo quanto discreto do espaço, de- pendendo do que está sendo enfatizado, a mudança de localização ou de posse (Meir 1998).

Em suma, verbos no campo semânti- cos espacial e no campo semântico de pos- se compartilham uma estrutura morfológica comum: em ambos os campos, as especifica- ções fonológicas para os pontos de início e fim são determinados por loci-R associados ao argumento do verbo e a direção do mo- vimento de trajetória se dá da origem para o alvo. Eles diferem no modo como utilizam o espaço. No domínio espacial, o espaço é con- tínuo; os loci-R são parte de um continuum; desta forma, ao se estabelecer loci-R, o conti- nuum entre eles também é estabelecido. Ou- tros pontos nesse continuum e a relação en- tre diferentes pontos dentro dele (o sentido de ‘entre’) estão todos contidos naquele sis- tema. No domínio de posse, por outro lado, o espaço é composto de sub-partes discretas: cada locus-R representa uma unidade inde- pendente discreta. Portanto, o que importa é que os loci são distintos entre si, mas o ar- ranjo espacial e a relação entre as unidades é irrelevante.

4. Campo semântico temporal

Em muitas línguas, conceitos temporais são freqüentemente construídos usando-se ex- pressões espaciais, como preposições espa- ciais e verbos de movimento, por exemplo,

the coming year [o ano seguinte], the time ahead of us [o tempo a nossa frente], the worst period is behind us [o pior período já passou], a year ago [um ano atrás]7. As línguas de si-

nais, como línguas articuladas no espaço, podem incorporar essas noções espaciais nas próprias formas dos sinais. Em muitas línguas de sinais, itens lexicais que denotam concei- tos temporais são localizados em uma linha do tempo imaginária, uma linha horizontal na altura do rosto ou do ombro. Nessa linha, o corpo do sinalizante constitui um ponto de referência denotando o presente. O passado é conceituado como a área atrás do ombro ou rosto, enquanto o futuro ocupa a área à frente do sinalizante. A direção do movimen- to em sinais, que denota conceitos de tempo, expressa relação temporal. Um exemplo pode ajudar. Os sinais YESTERDAY [ONTEM] e TOMORROW [AMANHÃ] na Figura 1a-b são um par mínimo. Eles têm a mesma con- figuração de mão e localização, mas diferem na direção do movimento. Em YESTERDAY a mão se move para trás e em TOMORROW a mão se move para frente. Outros pares de sinais em LSI são também diferenciados de maneira similar pela direção da trajetória, por exemplo, ‘last week/year’ [semana/ano passado] versus ‘next week/year’ [semana/ ano que vem]8.

7 Lyons (1977;718) observa que “a espacialização do tempo é um fenômeno tão óbvio e difundido na estru-

tura gramatical e lexical de tantas línguas do mundo que ela tem sido freqüentemente observada, mesmo por pesquisadores que não aceitam a hipótese de localismo”.

Irit Meir

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Figura 1: (a) YESTERDAY [ONTEM] (b) TOMORROW [AMANHÃ]

Visto que noções e relações temporais são expressas como movimento em uma linha temporal, pode-se esperar que a estrutura dos sinais que denotam mudança no tempo seria muito similar à dos verbos denotando mu- dança de localização, já que mudança de tem- po poderia ser expressa como uma mudança de localização espacial numa linha de tempo imaginária. E, de fato, existem algumas simi- laridades na estrutura dos verbos nesses dois domínios; em ambos o sinal consiste de um movimento de trajetória cuja direção é vari- ável. Entretanto, também existem diferenças importantes. Essas diferenças se originam de dois fatos: (a) na LSI, as expressões temporais não são localizadas e (b) a natureza do espaço é diferente: expressões temporais, diferente- mente das espaciais, são localizadas em eixos específicos no espaço, não em um espaço tri- dimensional.

Vejamos uma frase na LSI que expressa um evento de MUDANçA no domínio es- pacial, ou seja, re-agendando um evento no tempo:

15. MEETING TOMORROW INDEXa POS- TPONE NEXT-WEEK [REUNIÃO AMA- NHÃ INDICADORa ADIAR SEMANA- QUE-VEM].

‘The meeting was postponed from tomorrow to next week’ [A reunião foi adiada de ama-

nhã para semana que vem] (ou – ‘The mee- ting scheduled for tomorrow was postponed to next week’ [A reunião agendada para ama- nhã foi adiada para semana que vem]).

Como é evidente pelas glosas da LSI, as expressões temporais TOMORROW [AMA- NHÃ] e NEXT-WEEK [SEMANA-QUE- VEM] não são associados aos loci-R no es- paço. Portanto, os pontos iniciais e finais do verbo não podem ser determinados por asso- ciações com os loci-R previamente estabele- cidos. A direção do movimento de trajetória do verbo é determinada pelo seu significado. Visto que o verbo POSTPONE [ADIAR] sig- nifica ‘mover para frente no tempo’, a dire- ção se dá do corpo do sinalizante para frente, ou seja, de um ponto proximal do sinalizante para um ponto distal. O movimento de um ponto distal para um proximal tem o sen- tido de ‘adiantar’, movendo-se para trás no tempo. Os pontos iniciais e finais, então, não são associados aos loci específicos no espaço. Ao invés disso, é a relação espacial entre eles (proximal ou distal em relação ao corpo do sinalizante que codifica a direção da mudan- ça temporal).

Alguns sinalizantes localizam o evento, a reunião em (15) (MEETING TOMORROW INDEXa [REUNIÃO AMANHÃ INDICA- DORa]). A expressão temporal inicial é um modificador do substantivo (‘the meeting tomorrow’ [a reunião amanhã]) e não uma frase independente. O verbo, então, se move do locus-R associado ao evento ou para fren- te ou para trás, dependendo de o evento ter sido adiado (postponed) ou adiantado (pre-

poned). Isso contrasta com os verbos de mu-

dança de localização ou posse, onde a direção da trajetória é totalmente determinada pelas locações no espaço associadas aos argumen- tos de origem e de alvo.

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