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143mesma direção.As imagens congeladas 1c-1d

Dêixis, anáfora e estruturas altamente icônicas: evidências in terlingüísticas nas línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa

143mesma direção.As imagens congeladas 1c-1d

mostram como, em um momento subseqüen- te do discurso, o sinalizante retoma anafori- camente o mesmo referente, em um primeiro momento, por meio de uma apontação manu- al para o mesmo ponto no espaço previamente marcado (1c); em um segundo momento, por meio de uma nova instância do sinal ‘colega’, dessa vez articulado em uma posição não-mar- cada no espaço neutro (1d, compare com 1a- 1b); e finalmente, por meio de uma segunda apontação (significando ‘ele, o colega, ele...’).

Esse mecanismo ‘padrão’ de referência dêitico-anafórica no discurso sinalizado in- terage substancialmente com as modificações morfológicas sofridas por diferentes classes de verbos, alterando suas locações no espaço. Não trataremos dessa interação aqui (para isso, ver Cuxac, 2000; Pizzuto, 2004/no pre- lo). O que queremos enfatizar é que estrutu- ras como as mostradas acima, descritas já nas primeiras pesquisas sobre a ASL (por exem- plo, Friedman, 1975; Klima & Bellugi, 1979; Wilbur, 1979), são, aparentemente, muito semelhantes em várias outras LSs do mun- do, o que torna plausível se supor que elas sejam estruturas universais ou quase-univer- sais (McBurney, 2002; Rathmann & Mathur, 2002; Pizzuto, 2004/no prelo).

Passamos, agora, a uma breve ilustração das EAIs e do modelo teórico no qual elas se enquadram. Baseando-se em análises abran- gentes do discurso e da gramática da LSF, em um contexto interlingüístico, Cuxac (1985; 1996; 2000) sugeriu que todas as LSs têm por origem e exploram a capacidade básica que os sinalizantes têm de iconizar sua experiên- cia perceptiva/prática do mundo físico. Um dos efeitos desse processo de iconização é o de dotar as LSs de uma dimensão semiótica adicional com relação às línguas verbais. As LSs, diferentemente das línguas verbais, ofe-

recem duas maneiras de se produzir significa- do: pode-se ‘dizer e mostrar’, produzindo-se assim EAIs ou ‘Transferências’, que são exclu- sivas da modalidade sinalizada, ou então se pode ‘dizer sem mostrar’, por meio do léxico padrão e da apontação, produzindo-se estru- turas mais compatíveis com as encontradas nas línguas verbais.

Essas duas maneiras de se produzir sig- nificado refletem duas intenções diferentes entre as quais o sinalizante pode optar, cons- cientemente, a fim de articular seu discurso: a de ilustrar e a de não ilustrar o que diz. As operações realizadas pelos sinalizantes quan- do escolhem a intenção de ilustrar (e as estru- turas resultantes produzidas) são chamadas de ‘Transferências’. Elas são concebidas como vestígios de operações cognitivas por meio das quais os sinalizantes transferem sua con- cepção do mundo real para o mundo tetra- dimensional do discurso sinalizado (as três dimensões do espaço acrescidas da dimensão tempo).

Os componentes manuais dessas estrutu- ras complexas são chamados de ‘proformas’. O termo ‘proformas’ corresponde ao que é tratado, na maioria das pesquisas sobre LS, sob a rubrica ‘classificadores’ (ou sob outras rubricas mencionadas anteriormente – ver Schembri, 2003 e os artigos reunidos em Emmorey, para uma visão geral do assunto.) A diferença entre ‘proformas’ e ‘classificado- res’, entretanto, não é puramente terminoló- gica, mas sim substantiva: ela é estabelecida através de um modelo lingüístico que atribui à iconicidade um papel formal fundamental na construção do discurso e da gramática da LS; de análises teóricas que mostram a ina- dequação do uso da ‘análise dos classificado- res’ para os elementos aqui discutidos; e da análise detalhada dos aspectos formais e arti- culatórios característicos das EAIs, nos quais

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as proformas estão inseridas, em especial os padrões específicos do olhar (Cuxac, 1996; 2000). Em contraposição, a análise dessas formas em termos de ‘classificadores’ focali- za principalmente os componentes manuais, desconsiderando ou subestimando o papel dos padrões do olhar em sua especificação.

A partir de Cuxac (1985; 2000), distin- guimos, neste artigo, três tipos principais de

Transferências (veja Sallandre 2003, para uma

classificação muito mais detalhada):

1. As ‘transferências de forma e tamanho’ (TF) descrevem objetos ou pessoas de acordo com seu tamanho ou forma (sem levar em conta o processo ou o papel en- volvido). O objeto é descrito por meio de proformas. O olhar se dirige às mãos e a expressão facial especifica a forma.

2. As ‘transferências de situação’ (TS) envol- vem o movimento de um objeto ou per- sonagem (o agente, especificado pela mão dominante) com relação a um ponto de referência locativo estável (especificado pela mão não-dominante). A situação é mostrada como se a cena estivesse sendo observada a uma certa distância. O sinali- zante mantém uma distância com relação àquilo que ele está representando. O olhar se dirige à mão dominante e a expressão fa- cial especifica o agente.

3. As ‘Transferências de pessoa’ (TP) envol- vem um papel (agente ou paciente) e um processo. O sinalizante ‘se transforma’ na entidade a que ele se refere ao reproduzir, em seu enunciado, uma ou mais ações re- alizadas pela entidade. Em geral, as enti- dades a que os sinalizantes se referem são seres humanos ou animais, mas também podem ser seres inanimados.

O terceiro tipo de Transferências, TP, tem sido tratado na literatura da área sob rubricas como “tomada de papéis”, “troca de papéis”

(Padden, 1986) ou ainda, em trabalhos an- teriores, “pronomes corporais e pronomes corporais projetados” (Kegl, 1976), e “mar- cadores corporais” (Pizzuto et al, 1990). O foco principal de tais pesquisas é o conjunto de características não-manuais apresentado por essas Transferências (expressões faciais marcadas, olhares, posturas corporais).

Como observado anteriormente, um as- pecto relevante das EAIs é o fato de que os sub- tipos de Transferência podem ser combinados entre si, ou com sinais padrões, para codificar informações sobre dois (ou até mais) referen- tes de uma forma multilinear e simultânea, que não tem equivalente na língua falada. Esse fenômeno é chamado de ‘Dupla Trans- ferência’ (DT) na terminologia de Cuxac (por exemplo, o emprego simultâneo de uma TP para especificar um agente e de uma TS para especificar informações relativas à locação, ou ainda para especificar um segundo agen- te). Fenômenos semelhantes foram descritos por vários autores sob diferentes perspecti- vas e por meio de terminologias distintas (por exemplo, Dudis, 2004; Russo, 2004; a coletânea de artigos em Vermeerbergen, e Leeson Cras- born, 2007; entre outros). No presente artigo, denominamos esses fenômenos de operações de “Múltipla Referência” (MR) e avaliamos sua incidência nas narrativas sinalizadas selecionadas.

Esses tipos de Transferência são ilustra- dos abaixo. Os exemplos (2) e (3) foram tira- dos de narrativas feitas na LSF e destacam as diferenças existentes entre os sinais padrões e as EAI. Observe que, na produção dos sinais padrões, o olhar do sinalizador se dirige ao interlocutor. Na produção das EAIs, o olhar se desvia do interlocutor e se dirige às mãos (durante a articulação das estruturas TS e TF), ou a diferentes pontos no espaço, a fim de se reproduzir o olhar da entidade representada

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14 (durante a articulação de estruturas TP). O

exemplo (2) mostra um sinal padrão e uma TF, ambos codificando o mesmo significado: ‘árvore’. A proforma (configuração de mão na TF) descreve a forma física da árvore.

O exemplo (4) abaixo mostra três es- truturas TS extraídas das narrativas analisa- das no presente estudo, respectivamente: na LIS (4a), na ASL (4b) e na LSF (4c). Tanto o exemplo da narrativa na LIS (4a), quanto o da narrativa na ASL (4b) se referem à ‘que- da de um cachorro do peitoril da janela’. O exemplo da narrativa na LSF (4c) descreve ‘um cavalo saltando uma cerca’. Em todas as TS, o olhar se dirige primeiro para a mão do- minante e depois para a não-dominante. A mão dominante expressa o agente e o proces- so (‘cachorro-caindo’, ‘cavalo-saltando’), en- quanto a mão não-dominante expressa o lo- cativo e o objeto implicado na relação locativa (‘peitoril da janela’, ‘cerca’). A expressão facial é congruente com o processo representado.

2c

(2) ‘árvore via sinal padrão (2a) e via TF (2b-2c) O exemplo (3) mostra um sinal padrão (3a) e uma TP (3b), ambos codificando o mesmo significado: ‘cavalo’. Na estrutura TP, todas as características manuais e não-manu- ais (olhar, expressão facial, corpo e mãos) re- produzem as características da entidade.

2a 2b

(3) ‘cavalo’ via sinal padrão (3a) e via TF (3b)

(4) 4a: LIS 4b: ASL

4c: LSF

Os exemplos (5) abaixo mostram duas ocorrências de MR extraídas, respectivamen- te, das narrativas na LIS (5a) e na ASL (5b) analisadas no presente estudo. No exemplo

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5a, as estruturas TP e TS produzidas permi- tem ao sinalizante fazer simultaneamente re- ferências anafóricas a ‘uma criança segurando um cachorro em seus braços’ e a ‘o cachorro lambendo a bochecha da criança’. No exem- plo 5b, os mesmos tipos de estrutura permi- tem ao sinalizante representar ‘um cachorro’ com ‘um pote’ ao redor do pescoço.

nas narrativas (uma média de 70%) do que nos textos prescritivos (uma média de 30%). Desconsiderando-se as diferenças terminoló- gicas entre os autores, evidências semelhan- tes do uso generalizado das EAI em diversos gêneros do discurso sinalizado podem ser obtidas em análises e observações referentes à LIS (Pizzuto, 2004/no prelo; Pizzuto & al, 1990; Russo 2004; 2005; Russo & al, 2001; Wilkinson, 2002), à BSL (Brennan, 2001), à ASL (Emmo- rey & Reilly 1998; Emmorey, 2003) e à DSL (Engberg-Pedersen, 1993; 2003)).

Contudo, nenhum estudo de que temos conhecimento tratou, de forma explícita, as questões que buscamos esclarecer no presen- te estudo interlingüístico.

1. Com que freqüência as EAI são usadas para a realização de operações de referência dê- itico-anafórica?

2. No que diz respeito à referência dêitico- anafórica, as EAI são usadas com maior ou menor freqüência do que os sinais ‘padrão’ e as apontações manuais?

3. Qual a incidência de uso da MR na realiza- ção de operações de referência dêitico-ana- fórica via EAI, isto é, com que freqüência o uso das EAI permite aos sinalizantes in- troduzir ou re-introduzir no discurso dois (ou até mais) referentes simultaneamente?

2. Dados usados no presente estudo

Os dados utilizados no presente estudo fo- ram extraídos de corpora mais extensos de diferentes gêneros do discurso sinalizado, que foram coletados na França, na Itália e nos Estados Unidos, com base na produção de um número considerável de sinalizantes nativos e não-nativos da ASL, da LIS e da LIF (Wilkinson, 2002; Sallandre, 2003; 2007; Pizzuto, Rossini, Russo & Wilkinson, 2005). (5) 5a: LIS 5b: ASL

Observe que as estruturas TS mostradas em (4) também são exemplos de MR.

1.2 Evidências encontradas em estudos anteriores e questões investigadas no presente estudo

Estudos anteriores sobre a LSF ofereceram clara evidência do emprego generalizado das EAI nessa língua, em textos de diferen- tes gêneros. Tal emprego foi demonstrado em análises de textos longos, produzidos por um pequeno número de sinalizantes da LSF (Cuxac, 1996, 2000) e em trabalhos mais re- centes envolvendo um amplo corpus de nar- rativas curtas e textos ‘prescritivos’ (receitas culinárias), produzidos por 19 sinalizantes (Sallandre (2003). Os resultados obtidos por Sallandre também destacam importantes di- ferenças, no que diz respeito aos gêneros de discurso: as EAI são muito mais freqüentes

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