• Nenhum resultado encontrado

Retomando a concordância e as classes verbais

Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente: sobre concordância, auxiliares e classes verbais em línguas de sinais

3se o verbo inclui informação de concordância

5. Retomando a concordância e as classes verbais

Tendo questionado a visão clássica sobre as classes verbais e a concordância em LSs, bem como a alternativa mais proeminente em ter- mos de concordância temática, passamos, agora, a um esboço de uma caracterização que nos parece adequada de classes verbais

e de concordância, com base nos insights ad- vindos dessa discussão.

Adotando a terminologia de Quadros, os verbos em LSs deveriam ser classificados como verbos com concordância e verbos sem concordância (simples). A concordân- cia é morfologicamente realizada como tra- jetória8 e a concordância da trajetória pode

ser com localizações (traços espaciais) ou loci-R (traços de pessoa e número). Na maioria das vezes, a realização superficial desses dois tipos de concordância é indis- tinguível, mas a evidência baseada no AUX de concordância na LSB e LSC nos permite concluir, com segurança, que ambos os ti- pos de concordância podem (e deveriam) ser tratados separadamente. Uma evidên- cia essencial para tal argumento pode ser oferecida por meio de teste das possibilida- des de co-occorrência do AUX com verbos reversos. Conforme mencionado anterior- mente, a trajetória dos elementos AUX se- gue na direção oposta daquela desse tipo de verbo, ou seja, a partir do locus do objeto para o locus do sujeito. Foi também apon- tado que o AUX ocorre, apenas, quando concorda com objeto e sujeito animados. Visto que verbos reversos podem admitir objetos animados e inanimados, é possível prever que o AUX pode aparecer apenas com os primeiros e não com os segundos. Emerge, então, a seguinte predição:

(24) *BOOK-x x-TAKE-2 2-AUX-x

(LSC/LSB)

(25) a. CHILD-3 3-TAKE-2 2-AUX-3

(LSC)

b. CHILD-3 2-AUX-3 3-TAKE (LSB)

8 Conforme dito anteriormente, aqui glossamos orientação como um outro meio morfológico para expressar

Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente

Questões T

eóricas das P

esquisas em Línguas de Sinais

 A partir dessa sólida evidência, podemos

concluir que apenas os traços de pessoa por- tadores do loci-R entram em concordância pessoal/sintática. Torna-se claro que apenas argumentos animados podem portar tais traços em LSs.9 Resta, ainda, uma pergunta,

quanto à natureza do tipo de concordância locativa. Gostaríamos de sugerir que ela, basi- camente, se reduz à concordância com os loci identificados pelos argumentos dotados de traços locativos. Dessa forma, abre-se, natu- ralmente, a possibilidade de uma mesma tra- jetória concordar com um argumento pessoal e um argumento locativo, na mesma forma verbal. Vimos que tais instâncias ocorrem.

Uma outra conseqüência da abordagem sugerida aqui é que a concordância temáti- ca não pode ser mantida como o fator sub- jacente que explica a gramática de trajetória nas classes tradicionais de verbos de concor- dância (regulares e reversos) e verbos espa- ciais. Manter a análise FONTE-ALVO prova ser empiricamente incorreto, uma vez que muitas instâncias de verbos de concordân- cia não são bi-transitivos, mas simplesmente transitivos com um objeto TEMA/PACIEN- TE. Além disso, se a estrutura temática fosse a motivação subjacente para a expressão de concordância, variação entre as línguas ou dentro da mesma língua não seria de se espe- rar. Esses contra-exemplos são encontrados em LSC e em LSB, onde a mesma estrutura conceitual lexical foi lexicalizada com rela- ção à direcionalidade, de maneira oposta, nas duas línguas:

(26) a. ASK (LSB: regular vs. LSC: reversa) b. ASK-FOR (LSB: reversa vs. LSC: regular)

Ao mesmo tempo, a mesma estrutura conceitual lexical, na mesma língua, pode exibir formas lexicais com concordância e sem concordância:

(27) BORROW (LSC)10

Diante de todas estas evidências, parece não ser mais possível manter a visão simplis- ta de classes verbais e de concordância, con- forme proposto nas abordagens de Padden e Meir. Os resultados desses trabalhos nos ser- viram como ferramentas úteis para entender os fenômenos em estudo, mas enfrentamos novos desafios na análise. Parece estar na hora de partir em busca de explicações mais complexas.

6. Conclusões

Após a discussão oferecida neste artigo, o qua- dro que emerge sobre concordância e classes verbais em LSs é substancialmente modifi- cado, com relação às suposições atuais sobre esses tópicos. Pode-se afirmar que os verbos não simples (“espaciais” + “de concordân- cia”) podem, em geral, concordar com ar- gumentos locativos (concordância espacial), com argumentos pessoais (concordância de pessoa), ou ambos. Os predicados auxiliares

9 Uma exceção interessante a essa generalização que não podemos tratar aqui é a concordância AUX com o argu-

mento inanimado de CAUSA, em declarações psicológicas. O fator crucial é que tais argumentos nunca podem ter uma interpretação locativa.

10 Na realidade, esse é o caso de um predicado que parece ter ido de verbo de concordância para verbo simples,

Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

Questões T

eóricas das P

esquisas em Línguas de Sinais

0

podem concordar, apenas, com argumentos pessoais/animados (concordância de pessoa) e apontam para o fato de que os verbos re- versos são verbos lexicais manuais, cujas tra- jetórias são determinadas pela concordância espacial e não pela concordância de pessoa gramatical.

Conforme mencionado acima, a con- cordância com traços locativos e de pessoa gramatical é, com freqüência, indistinguível na superfície. Entretanto, a estrutura do ar- gumento de cada predicado impõe as condi- ções de licenciamento, conforme discutido nos exemplos (7) e (8), em que o argumen- to-sujeito de um predicado manual deve ser licenciado pelo traço de pessoa.

Existe, ainda, uma questão de ambigüi- dade do locus como localização ou R-locus (por exemplo, TELL [dizer] com concordân- cia de pessoa gramatical vs. TELL com con- cordância locativa no argumento-ALVO), havendo necessidade de mais pesquisas para se determinar até que ponto um locus atribu- ído a um referente animado pode ser ambí- guo, entre um locus de pessoa gramatical ou um locus espacial.

Agradecimentos

Esta pesquisa foi parcialmente financiada por recursos da bolsa CNPq #301993/2004-1 para R. M. de Quadros, bolsa CAPES/ PVE (Brasil) e projetos (Espanha) MEC BFF2003-04867 e HUM2006-08164/FILO para J. Quer. Gosta- ríamos de agradecer Santiago Frigola por sua ajuda com os exemplos em LSC e Nelson Pi- menta pelos Clipes de LSB.

Referências

ARONOFF, M.; MEIR, I.; SANDLER, W. The

paradox of sign language morphology. Lan-

guage, v. 81, p. 301-344, 2005.

BAKER, C.; COKELY, D. American Sign Lan-

guage: a teacher’s resource text on grammar and culture, 1980.

BOS, H. An auxiliary verb in Sign Language of The

Netherlands. In: AHLGREN, I.; BERGMAN, B.;

BRENNAN, M. (Orgs.). Perspectives on Sign Language Structure, v. 1, 1994. p. 37-53. BRENTARI, D. Backward Verbs in ASL: Agree-

ment Re-opened. In BRENTARI, D., LARSON,

G.;MACLEOD, L. (Orgs.). CLS, Papers from the 24th Annual Regional Meeting of the Chicago Linguistic Society, Part Two: Parasession on Agreement in Grammatical Theory, p. 16-27. FISCHER, S.; GOUGH, B. Verbs in American Sign

Language. SLS, v. 18, p. 17-48, 1978.

FISCHER, S. Verb Inflections in American Sign

Language and Their Acquisition by the Deaf Child. In: WINTER MEETING OF THE LIN-

GUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 1973. FISCHER, S. The role of agreement and auxilia-

ries in sign languages. Lingua, v. 98, p. 103-120,

1996.

JANIS, W. D. Morphosyntax of the ASL verb

phrase. Tese de Doutorado–State University of

New York at Buffalo, 1992.

JANIS, W. D. A crosslinguistic perspective on

ASL verb agreement. In: Karen EMMOREY,

K.; REILLY, J. S. (Orgs.) Language, Gesture, and Space. NJ: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, 1995. p. 255-286.

KEGL, J. Locative relations in American Sign Lan-

guage Word Formation, Syntax, and Discourse.

Tese de Doutorado–MIT, 1985.

LIDDELL, S.K. Grammar, Gesture and Meaning

in American Sign Language. Cambridge: Cam-

Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente

Questões T

eóricas das P

esquisas em Línguas de Sinais

1

LILLO-MARTIN, D. C. Parameter setting: evi-

dence from use, acquisition, and breakdown in American Sign Language. Tese de Douto-

rado–University of California, San Diego. Uni- versity Microfilms International. Ann Arbor. Michigan, 1986.

LOEW, R. C. Roles and Reference in American

Sign Language: A Development Perspective.

Tese de Doutorado–University of Minnesota, 1984.

MATHUR, G. Verb Agreement as Alignment in

Signed Languages. Tese de Doutorado–MIT,

2000.

MEIR, I. Syntactic-semantic interaction in Israeli

Sign Language verbs: The case of backwards

verbs. In: Sign Language and Linguistics, v. 1.1, p. 3-37, 1998.

MEIR, I. A Cross-Modality Perspective on Verb

Agreement. NLLT, v. 20, p. 413-450, 2002.

PADDEN, C.A. Interaction of Morphology and

Syntax in American Sign Language. New York/

London: Garland Publishing, 1983/1988. QUADROS, R. M. de. As categorias vazias pro-

nominais: uma análise alternativa com base

na língua de sinais brasileira e reflexos no processo de aquisição. Dissertação de Mestra-

do–PUCRS, Porto Alegre, 1995.

QUADROS, R. M. de. Phrase Structure of Brazi-

lian Sign Language. Tese de Doutorado–PUC/

RS, Porto Alegre, 1999.

RATHMANN, C.; MATHUR, G. Verb Agree-

ment as a Linguistic Innovation in Signed Languages. In: QUER, J. Seedorf (Org.). Signs

of the time. Signum Verlag, no prelo.

SMITH, W.H. Evidence for Auxiliaries in Taiwan

Sign Language. In: FISCHER, S.D.; SIPLE P.

(Orgs.), THEORETICAL ISSUES IN SIGN LAN- GUAGE RESEARCH, v. 1: Linguistics, p. 211-228. Chicago: University of Chicago Press, 1990. STEINBACH, M. What do agreement auxiliaries

reveal about the syntax of sign language agree- ment? In: SIGNA VOLANT, Milano, 2005.

STEINBACH, M.; PFAU, R. Grammaticalization

of auxiliaries in sign languages. In: PERNISS,

P.; STEINBACH, M.; PFAU, R. (Orgs.). Vis- ible variation: Cross-linguistic studies on sign language structure. Berlin: Mouton de Gruyter, 2007. p. 303-339.

Repensando classes verbais em línguas de sinais:

Outline

Documentos relacionados