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3po humano Os diferentes sub-sistemas da

Repensando classes verbais em línguas de sinais: o corpo como sujeito

3po humano Os diferentes sub-sistemas da

língua utilizam essas propriedades diferentes do corpo. Os seres humanos usam seu corpo para praticar vários tipos de ações. Portanto, o corpo pode ser utilizado para representar essas ações, da perspectiva de um argumento particular participante do evento, o sujeito. Esse aspecto do corpo é codificado na forma lexical de verbos simples. O corpo é também o corpo do sinalizador, emissor na situação comunicativa. O papel do emissor é codifica- do na categoria lingüística da pessoa; o corpo representa a 1ª pessoa, como no sistema pro- nominal e nas formas flexionadas dos verbos de concordância.

O corpo também pode representar um corpo humano e todos os seus vários órgãos: a boca, olhos, orelhas, testa, peito, braços, etc. Apontar para um órgão específico pode ter a função de referir-se àquele órgão. Realmen- te, os sinais para olhos, nariz, boca, coração, braços e outros órgãos do corpo são freqüen- temente sinais dêiticos, que apontam para o órgão em questão. Os sinais referentes às ações praticadas em vários órgãos do corpo podem ser modulados para expressar a parte do corpo específica envolvida no evento. O sinalizador pode usar seu corpo para indicar onde no corpo ele foi atingido em um even- to expressado pela seguinte sentença – “Ele me bateu no braço”. Dependendo de onde no braço a mão sinalizadora toca no corpo, por exemplo, a parte superior ou inferior do braço, o sinalizador pode especificar onde, no braço, o evento aconteceu. Ou, em um evento como ‘O cirurgião abriu meu peito’, o sinal OPERAR envolve um curto movimento para baixo tocando o osso externo do sina- lizador. O sinalizador pode contrastar este local com cirurgia em outro lugar no corpo, como cirurgia cerebral (tocando em alguma parte da cabeça) ou uma cesariana (no abdô-

men). Nessas formas, o torso superior está disponível como um conjunto detalhado de locais, usados por sinais para se referirem a pontos específicos do corpo.

Esses três papéis diferentes, de represen- tar o sujeito, a 1ª pessoa e as localizações no corpo, são empregados em três subsistemas distintos na língua. Entretanto, poderia ha- ver casos onde estes papéis competem entre si. Por exemplo, em verbos de concordân- cia única o corpo representa o sujeito, mas a representação das formas do objeto em 1ª pessoa também é necessária, como em (ISL): “ele pergunta a mim”. De modo similar, uma localização no corpo pode representar não só um evento acontecendo ao sinalizador, mas também pode representar o sinalizador atu- ando em uma parte do corpo de um referente em 3ª pessoa, como em ‘Eu penteei o cabelo dele/dela’. Como as línguas de sinais resolvem estas situações? Essas formas são, na verdade, mais complexas e complicadas e diferentes línguas de sinais propõem soluções distintas a esses problemas. Examinaremos, aqui, dois casos: As formas de objetos de 1ª pessoa de verbos de concordância de argumento único e verbos transitivos que denotam atividades do corpo.

5.1 As formas de objetos de 1ª pessoa de um verbo de concordância de argumento único

Em verbos de concordância de argumento único, a posição inicial do sinal é no corpo e as mãos movem-se em direção ao local no es- paço associado com argumento-objeto. Mas se o argumento objeto é o primeiro referente, então as posições iniciais e finais do sinal são ambas no corpo. Se o mesmo local do corpo é utilizado, então o sinal não teria nenhum

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movimento de trajetória, resultando em um sinal fonologicamente impossível. Como as línguas de sinais resolvem este conflito? A ISL e a ASL apresentam duas estratégias diferen- tes. Em ISL, uma forma verbal como “ele me perguntou” começa no R-locus associado ao referente sujeito (‘ele’), move-se em direção à boca (o local lexicamente especificado do sinal) e depois se move para baixo, em dire- ção ao peito do sinalizador, a localização que codifica a 1ª pessoa. Essa forma é, portanto, mais complexa que as formas flexionadas re- gulares de verbos de concordância, já que tem especificações de lugares para três locais dis- tintos: o R-locus do sujeito, a boca e o peito. De maneira similar, a forma verbal de ‘você me vê’, começa no locus da 2ª pessoa, move- se em direção aos olhos e depois em direção ao peito. A ASL também utiliza essa estratégia para alguns verbos como VER e CONTAR.

A ASL também apresenta uma diferente estratégia, utilizada com alguns verbos. Por exemplo, uma forma verbal significando “ele me telefonou” começa na orelha, depois se move para o R-locus estabelecido para a 3ª pessoa e depois se move para o peito do sina- lizador. Em ASL e ISL, tais formas possuem especificações para os três lugares, mas a or- dem desses lugares é diferente: o movimen- to vem do corpo para o R-locus do sujeito e depois para o R-locus do objeto. Se o objeto é a 1ª pessoa, o sinal parte do peito do sinali- zador, mas pode também partir de outro R- loci. Em ISL, tais formas são restritas ao ob- jeto como 1ª pessoa. Quando o objeto não é 1ª pessoa, o verbo não pode codificar o mar- cador de concordância de sujeito, resultando em um verbo de concordância de argumento único. As diferenças e as semelhanças entre a ASL e a ISL mostram que as soluções a pro- blemas lingüísticos similares podem assumir diferentes formas.

5.2 Verbos transitivos que denotam atividades do corpo

Os sinais para verbos que denotam ações praticadas em órgãos do corpo, como ESCO- VAR-CABELO versus ESCOVAR-DENTES, BATER-NO-OMBRO versus BATER-NO- ROSTO são sinalizados nos órgãos respecti- vos. Tais formas se beneficiam do fato de o corpo do sinalizador estar sempre lá no even- to discursivo e, portanto, referências a ór- gãos do corpo podem ser feitas simplesmen- te apontando ou sinalizando perto do órgão em questão. Em tais formas, o corpo não está necessariamente associado com o argumen- to-sujeito ou com a 1ª pessoa, mas, ao invés disso como uma entidade do mundo real que está sendo empregada no discurso sinalizante como um dispositivo referencial. Contudo, a interpretação padrão de tais formas é que o corpo é também o corpo do sinalizador, por- tanto, 1ª pessoa. A interpretação não marca- da de uma forma como ESCOVAR-CABELO é então, ‘Eu escovei meu cabelo’. Mas como sinalizar ‘Eu escovei o cabelo dela’? Articular o sinal na cabeça do sinalizador tenderia a ser interpretado como escovando o próprio cabelo, enquanto articular o sinal em um es- paço neutro, na direção do R-locus associado ao referente da 3ª pessoa perde a especifici- dade em relação ao cabelo. Tais formas são notoriamente difíceis e os sinalizadores de línguas diferentes podem utilizar estratégias diferentes para este desafio. Uma estratégia é articular o sinal primeiramente no corpo do sinalizador, especificando o local exato no corpo onde a ação acontece e depois di- recionar o sinal para o outro referente, es- pecificando o objeto gramatical. Uma outra técnica é dividir o evento transitivo em dois sub-eventos intransitivos, especificando o que cada argumento está fazendo. Um clipe

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 mostrando uma garota escovando o cabe-

lo de sua mãe pode ser expresso por ‘MÃE SENTA; GAROTA PENTEIA’. Pedimos des- crições das três ações envolvendo partes do corpo em duas línguas: ISL e ABSL. Estes clipes mostraram: uma menina alimentando sua mãe, uma menina escovando o cabelo de sua mãe e um homem dando um tapinha no ombro da menina. As respostas de 16 sina- lizadores de ABSL (adultos e crianças, faixa etária 4-40) e 17 sinalizadores de ISL (faixa etária 30-90) foram analisadas e codificadas. Das 63 respostas em ABSL, 22 envolveram verbos sinalizados no corpo do sinalizador (35%), 12 foram sinalizados em direção a um local no espaço (19%); 20 formas envolveram articular o sinal no corpo do sinalizador e de- pois o sinal em direção a um local no espaço e 7 foram sinalizados na ordem inversa. Duas formas envolveram três verbos: outro-eu- outro. Parece-nos que a ABSL prefere sinais ancorados no corpo ou primeiro, sinais an- corados no corpo e, depois, direcionando o verbo para fora do corpo.

Em ISL, encontramos um padrão dife- rente: das 72 respostas, somente 15 foram si- nais ancorados no corpo (aproximadamente 20%), enquanto 39 formas verbais foram di- recionadas a locais no espaço (54%). 23 for- mas foram complexas: eu-outro (15), outro- eu-outro(4), (3) e eu-outro-eu (1).

Esses resultados indicam que em ambas as línguas não existem formas estabelecidas para expressar tais eventos, mas cada língua demonstra suas preferências. Na ABSL, os sinais ancorados no corpo são preferidos,

bem como formas complexas começando com sinais ancorados no corpo. Na ISL, os sinais direcionados a locais no espaço são preferidos e a ordem dos sinais varia nas formas complexas. Assim como acontece nas formas de objeto em 1ª pessoa, citadas acima, desafios semelhantes podem resultar em soluções diferentes, ou pelo menos em tendências diferentes em diferentes línguas de sinais.

6. Consequências e previsões para a teoria do ‘corpo como sujeito’

Argumentamos que o ‘corpo como sujeito’ é um modelo básico de estratégia de lexicaliza- ção em línguas de sinais e que a concordân- cia verbal é um mecanismo mais complexo, o qual se apóia nessa estratégia básica, mas também a obscurece, pois envolvem uma categoria gramatical adicional (pessoa gra- matical) e o distanciamento do sujeito em relação ao corpo. Levando-se em conta que a configuração ‘o corpo é sujeito’ é mais bá- sica, as seguintes previsões emergem: (a) se uma língua de sinais apresenta concordância verbal, ela deve apresentar verbos de ‘corpo como sujeito’ (isto é, verbos simples), mas não vice-versa; (b) de uma perspectiva diacrônica, os verbos de ‘corpo como sujeito’ aparecem antes dos verbos de concordância, isto é, uma língua de sinais que possuía basicamente ver- bos de “corpo como sujeito” passaria a adicio- nar concordância verbal ao seu sistema verbal somente em estágios avançados8.

8 Entretanto, não argumentamos que todas as línguas de sinais devem desenvolver concordância verbal à medida

que envelhecem. Nosso argumento é que se uma língua de sinais desenvolve concordância verbal, esperamos que tal desenvolvimento atinja um estágio em que a língua tenha somente verbos de “corpo como sujeito”.

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Descrevemos duas línguas que se com- portam de acordo com estas previsões: A Lín- gua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL), uma língua recente com verbos simples, mas sem verbos de concordância, e a Língua de Sinais Israelense (ISL), uma língua que não possuía concordância verbal nos primeiros estágios de sua história e desenvolveu este sistema em estágios posteriores.

6.1 ABSL: Uma língua de sinais sem concordância verbal

O grupo Beduíno Al-Sayyid foi fundado aproximadamente 200 anos atrás, na re- gião da Negev, atual Israel. Originalmente ‘camponeses’ fellahin do Egito que traba- lhavam para Beduínos tradicionais como empregados, o grupo Al-Sayyid funciona atualmente com autonomia e é considera- do Beduíno por estrangeiros. Esse grupo está atualmente em sua sétima geração e têm aproximadamente 3500 membros que residem juntos em uma única comunidade separada dos outros. O casamento consan- güíneo é considerado a norma no grupo desde sua terceira geração. Tais padrões de casamento são comuns na região e levam a laços internos muito fortes e à exclusão de membros externos ao grupo. É um in- dicativo de que os Al-Sayyid ainda se vêem como uma única grande família, embora agora subdividida em subfamílias.

Na quinta geração desde a fundação da comunidade (há aproximadamente 70 anos), nasceram quatro irmãos surdos na comunidade. As duas gerações seguintes também apresentaram surdez em muitas outras famílias. Atualmente, o número de indivíduos surdos na comunidade é de apro- ximadamente cem. A peculiar distribuição

de surdez nesta comunidade, típica de sur- dez congênita recessiva (Lane, Pillard, and French 2000), tem tido implicações sócio- lingüísticas: membros surdos da comunida- de são integrados à estrutura social e não são estigmatizados ou marginalizados e a língua de sinais desenvolvida na comunidade como um meio de comunicação é utilizada por membros surdos e uma fração significativa dos membros ouvintes da comunidade (Kis- ch 2000).

A Língua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL) possui estrutura lexical diferen- te de outras línguas de sinais utilizadas na região, incluindo a Língua de Sinais Israe- lense (ISL) (Sandler et al. 2005) e a Língua de Sinais Jordaniana (LIU) (Al-Fityani & Padden 2006) e, como o esperado, as lín- guas não são mutuamente inteligíveis. Em um estudo anterior, mostramos que a ABSL desenvolveu consistentemente o fraseado SOB em uma geração, o que difere do fra- seado no ambiente sinalizado e de línguas faladas (Árabe e Hebreu) da região. O que não encontramos foram processos morfo- lógicos flexionais como concordância ver- bal. Como resultado da falta de morfologia de concordância verbal na ABSL, o padrão básico de lexicalização do ‘corpo como su- jeito’ é mais aparente. Das três classes ver- bais - simples, com concordância e espacial - a ABSL possui somente duas: verbos sim- ples e verbos espaciais. Verbos que deno- tam transferência, que em muitas línguas de sinais constituem a classe dos verbos de concordância, comportam-se como verbos simples em ABSL.

Essa observação é baseada em dados colhidos a partir de 9 sinalizadores da se- gunda geração (faixa etária 28-45) e de 12 sinalizadores da terceira geração (faixa etária 4-24). Um conjunto de clipes desig-

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