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141sim sendo, para introduzir um referente no

Dêixis, anáfora e estruturas altamente icônicas: evidências in terlingüísticas nas línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa

141sim sendo, para introduzir um referente no

discurso, o sinalizante pode produzir um si- nal manual padrão (ou “cristalizado”)3 para o

referente e então marcá-lo no espaço de sina- lização por meio de uma apontação manual ou visual, ou ainda, por meio de uma altera- ção morfológica do ponto de articulação do sinal utilizado (que pode ou não ser acompa- nhada por apontações visuais), estabelecen- do, dessa forma, uma posição no espaço (ou ‘locus’) para o referente simbolizado. A refe- rência anafórica é feita então, apontando-se novamente para aproximadamente o mesmo ponto no espaço, através de apontações visu- ais ou manuais (veja 1.1 para mais detalhes e um exemplo ilustrativo).

No entanto, como foi observado em ou- tras pesquisas (Pizzuto, 2004/no prelo), a referência dêitico-anafórica também é pro- duzida na LS através de complexas unidades manuais e não-manuais, que não são sinais de apontação nem podem ser classificadas como sinais padrões. Essas unidades exibem características altamente icônicas e são mar- cadas por padrões específicos do olhar, que as distinguem dos sinais padrões. Ao longo des- se artigo, vamos nos referir a essas unidades como Estruturas Altamente Icônicas (EAI) ou ‘Transferências’, de acordo com Cuxac (1985; 1996; 2000). Além dos padrões específicos do olhar, outros elementos que compõem as EAI são: (1) formas manuais que codificam características perceptivelmente salientes das relações entre os referentes e o referencial, em

geral identificadas na literatura sobre LS por diferentes termos como: “classificadores”, “morfemas produtivos”, sinais “polissintéti- cos” ou “multicomponenciais”; (2) expres- sões faciais marcadas e/ou modificações na direção da cabeça, dos ombros e do tronco, geralmente identificadas na literatura como “recursos de troca de papéis”, mas que tam- bém recebem outras denominações (veja se- ção 1.1 abaixo para uma discussão mais am- pla). Como ilustraremos adiante, diferentes subtipos de EAI podem ser combinados entre si, ou com sinais padrões, para codificar si- multaneamente informações referentes a dois (ou até mais) referentes, permitindo assim uma especificação multilinear da referência dêitico-anafórica, que parece ser exclusiva da modalidade visual-gestual.

Embora os recursos manuais e não-ma- nuais acima citados tenham sido descritos sob diferentes perspectivas e com terminolo- gias distintas, informações quanto ao seu uso em operações de referência dêitico-anafórica e/ou quanto à maneira como eles interagem com os artifícios ‘padrão’ são escassas ou ine- xistentes. Nosso estudo oferece evidências re- levantes com relação a esse tópico, através de um exame comparativo de narrativas curtas produzidas em três LSs: americana (ASL), francesa (LSF) e italiana (LIS). Sabe-se que a ASL e a LSF são historicamente relacionadas, enquanto a LIS não possui nenhuma relação estabelecida, seja com a ASL ou com a LSF4.

As amostras das línguas por nós analisadas

3 Sinais padrão são aqui definidos, conforme grande parte da literatura sobre LS, como sendo sinais que normal-

mente aparecem em dicionários de LS, e são geralmente descritos como constituintes de um ‘léxico cristalizado’. Eles se diferenciam das ‘produtivas’ formas altamente icônicas, que serão descritas a seguir.

4 Devido à ausência de uma documentação escrita apropriada sobre LS, e também devido aos complexos fenô-

menos de transmissão e variação da língua que são próprios das LS e das diferentes comunidades compostas por sinalizantes (Cuxac; 2000; Fusellier-Souza, 2004; 2006), ainda é muito difícil de afirmar os vínculos históricos existentes entre as LS utilizando-se dos mesmos critérios aplicados na pesquisa sobre línguas faladas/escritas.

Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

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nos permitem, dessa forma, avaliar, ainda que parcialmente, a influência das relações entre as línguas sobre os fenômenos investigados. Caso encontrássemos semelhanças apenas entre a ASL e a LSF, isso poderia ser tomado como evidência de que tais semelhanças po- dem ser atribuídas ao vínculo histórico exis- tente entre essas duas LSs. Por outro lado, se descobríssemos que os padrões semelhantes se aplicam às três LSs investigadas, isso po- deria ser tomado como evidência de que as semelhanças se devem a fatores mais univer- sais, ligados à modalidade visual-gestual de expressão lingüística.

A seguir, vamos apresentar nosso refe- rencial teórico e oferecer exemplos ilustrati- vos das estruturas mencionadas acima.

1.1 Referencial teórico e exemplos ilustra- tivos das estruturas analisadas

O presente estudo origina-se de, e faz a ponte entre, trabalhos empíricos e teóricos desen- volvidos, de forma independente, por nossos grupos de pesquisa, sobre tópicos como: a morfologia, a dêixis e a anáfora nas LSs, em comparação com as das línguas faladas ou verbais (Pizzuto, 1978; 2004/no prelo; Pizzu- to, Giuranna & Gambino, 1990; Wilkinson, 2002); e, o papel crucial da iconicidade na formação do léxico, da gramática e do discur- so nas LS (Cuxac, 1985; 1996; 2000; Cuxac & Sallandre, 2004/no prelo; Fusellier-Souza, 2004; 2006; Russo, 2004; Russo, Giuranna & Pizzuto, 2001; Sallandre, 2003; 2007). Uma

revisão detalhada de tais bases teóricas ul- trapassa o escopo deste artigo, portanto va- mos apenas esboçar rapidamente alguns dos pontos mais importantes, especialmente no que diz respeito às EAIs mencionadas ante- riormente. Antes disso, convém examinarmos brevemente o mecanismo ‘padrão’ para a re- ferência dêitico-anafórica, ilustrado no Exem- plo (1) abaixo, a partir de trechos de um texto em LIS, que narra um evento comum5.

Sendo assim, embora não haja documentação que comprove uma relação histórica entre LIS, de um lado, e ASL/LSF do outro lado, não podemos excluir a possibilidade de que, em algum momento da história passada ou recente, essas LS tenham entrado em contato umas com as outras de uma forma mais significativa do que nós podemos afirmar hoje.

5 Fragmentos extraídos do corpus ‘Necklace theft’ (Fabbretti, 1997).

(1) ‘um colega’ […]‘ele, o colega, ele...’

A imagem de vídeo congelada em 1a mostra um sinal nominal padrão que signi- fica “colega”, por meio do qual o sinalizan- te introduziu deiticamente esse referente no discurso: o sinal manual é deslocado para uma posição marcada à direita do sinalizante e acompanhado por uma apontação visual na

1a 1b

Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS)

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