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Problemas com os pontos de vista alternativos existentes

Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente: sobre concordância, auxiliares e classes verbais em línguas de sinais

3se o verbo inclui informação de concordância

3. Problemas com os pontos de vista alternativos existentes

Além dos problemas empíricos mencionados para uma classificação estática tripartite dos verbos e uma separação rigorosa da concordân- cia locativa vs. sintática, estabelecida na propos- ta amplamente aceita de Padden, precisamos abordar outras dificuldades existentes com os pontos de vista alternativos discutidos acima.

A abordagem temática, conforme apre- sentada no trabalho de Meir, reduz essen- cialmente a concordância da língua de sinais à concordância espacial com os papéis loca- tivos temáticos trazidos pelos argumentos envolvidos em uma relação de transferência. Entretanto, essa redução se depara com vá- rios contra-argumentos:

(i) A generalização empírica que os ver- bos de concordância em LS são a realização de um morfema de trajetória ligado a uma interpretação subjacente de transferência é falsa, pois tal significado de transferência não está prontamente disponível. Isso se torna especialmente evidente com verbos de con- cordância que são transitivos puros e não bitransitivos (ditransitives) e, assim, apre- sentam concordância com objeto direto, não com o objeto indireto. Os predicados em (9) são exemplos disso, em LSB e LSC.

(9) CHOOSE, SUMMON [escolher, convocar] (LSB, LSC)

(ii) Ainda em relação ao problema anterior, deve-se observar que o papel temático do se- gundo argumento de concordância em um ver- bo de concordância não é sempre um ALVO, mas é, freqüentemente, também um TEMA. Na LSB e LSC, encontramos verbos transitivos (ambos regulares ou reversíveis) onde o segun- do argumento de concordância é um TEMA:

(10) PRESS, INVITE [pressionar, convidar] (LSB, LSC)

(iii) O contra-argumento mais forte à abordagem temática vem do fato de que, nas LSs que têm um auxiliar de concordân- cia (AUX), o AUX concorda com o sujeito e o objeto gramaticais, não com a FONTE e ALVO temáticos.5 Conforme observado em

5 Conforme apresentado em Pfau & Steinbach (2005) e Steinbach (2005), um número significativo de LSs possui

itens que podem ser rotulados como auxiliares. Diferentes tipos foram identificados inter- e intralinguisticamen- te. Na maioria dos casos, esse auxiliar somente marca o sujeito sintático e a concordância do objeto e não instan- cia outras características gramaticais como o aspecto. Concentramos aqui no mais discutido tipo “gramatical”, que é realizado como uma configuração de mão do indicador que move do locus do sujeito para o do objeto, glosado como AUX por conveniência.

Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente

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 Mathur (2000) e Pfau & Steinbach (2005)

para a DGS, Smith (1990) para a TSL e Bos (1994) para a SLN, essa dissociação da con- cordância sintática se torna aparente apenas quando um auxiliar co-ocorre com um verbo reverso: A direção da trajetória do AUX é a costumeira sujeito-objeto, o que é o oposto daquela realizada pelo verbo lexical:

(11) a. IX-1 CHILD 3-TAKE-1 1 AUX-3 (LSC)

b. GIRL 2-AUX-3 TAKE-3

(LSB)

Esses dados não têm sido levados a sé- rio na discussão sobre concordância em LS, apesar de sua enorme relevância6. Eles consti-

tuem contra-evidência razoavelmente sólida, não apenas contra uma abordagem temá- tica aos verbos de concordância, mas tam- bém contra a explicação de Liddell para con- cordância como dêixis (vide, por exemplo, Liddel 2003). Tal AUX de concordância nun- ca surge com verbos espaciais que concor- dam com localizações ou com argumentos inanimados. Além disso, o AUX emerge com predicados psíquicos na LSC, que são tipica- mente estativos, não envolvendo transferên- cia alguma de interpretação.

Juntamente com as objeções levantadas sobre a abordagem temática à LS, gostaríamos de mencionar problemas adicionais à aborda- gem de animacidade (animacy approach), de Rathmann e Mathur. Segundo eles, a concor- dância está restringida a argumentos anima- dos, mas também encontramos concordância com objetos inanimados. Em seu quadro teóri- co, isso exigiria suposições adicionais e, talvez, a

necessidade de se postular uma análise de aces- so duplo, o que parece pouco desejável.

(12) a GIRL IX-1 3-BUY-1 (LSB) (LSC) b. NOTES IX-1 3-COPY-1 (LSB)

Além disso, os testes oferecidos em Rathmann e Mathur (no prelo) para distin- guir entre verbos espaciais e de concordância mostraram não serem válidos para a LSB e a LSC. Primeiramente, o argumento FONTE pode co-ocorrer com o TEMA pessoal de um verbo de concordância, contra suas previsões:

(13) AIRPORT MARIA IX-2 2-PICK-UP-3 ‘You pick up Maria from the airport.’ [Você pega a Maria no aeroporto]

Segundo, TEMA e FONTE podem ser questionados exatamente com o mesmo verbo, conforme ilustrado nos seguintes dados da LSB:

(14) a. <WHERE IX-1 1-PICK-UP-3 WOMAN WHERE>wh

b. <WHO PERSON IX-1 1-PICK- UP-3 AIRPORT WHO>wh

Terceiro, a modificação da trajetória, tan- to em verbos espaciais quanto em verbos de concordância, possui interpretação aspectu- al. A leitura obtida é aquela do iniciador não realizado no caso do verbo de concordância, conforme (15a); além da leitura puramente locativa, essa leitura aspectual é também pos- sível com verbos espaciais, conforme (15b).

(15) a. BOOK JOHN-i MARY-j i-GIVE- j (halfway) [LIVRO JOHN-i

6 Isso pode ser parcialmente atribuído ao fato de que a ASL, como outras LSs, não parece ter tal auxiliar de con-

Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

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MARY-j i-DAR-j (movimento in- terrompido)]

‘John almost gave the book to Mary.’ [John quase passou o livro para a Mary].

b. BOOK JOHN-i SCHOOL- a BRING-a (halfway) [LITERA- TURA JOHN-i CASA-a ESCOLA- a a-TRAZER-a (movimento inter- rompido)]

‘John almost brought the book to school.’ [John quase trouxe o livro para a escola]

Com toda a evidência discutida até agora e com a discussão dos argumentos oferecidos na literatura, parece claro que não podemos nos apegar a uma divisão mutuamente exclu- dente dos verbos em três classes morfossintá- ticas, conforme geralmente se assume. O que observamos é que os verbos, às vezes, apresen- tam um comportamento híbrido, pelo menos entre a concordância e classes espaciais, e que a concordância locativa e a sintática não são sempre incompatíveis na mesma forma ver- bal. Além disso, apontamos algumas inade- quações essenciais da abordagem temática à concordância. Entre outras contra-evidências, afirmamos que elementos AUX em LSB e LSC são puras instanciações de concordância sintá- tica. Isso se torna claro com os verbos reversos. Entretanto, a questão que surge é o que a tra- jetória está realizando naqueles verbos, já que não é a concordância sintática. Na próxima se- ção, as questões relevantes são recapituladas e uma tentativa de resposta é oferecida.

4. O que está concordando nos verbos

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