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115 A situação entre os jesuítas, de um lado, e os bispos nicaraguenses e

Roma de outro, chegou a um novo ponto de ebulição na primavera de 1984. O s bispos nicaraguenses expediram uma carta pastoral da Páscoa, na qual repetiam as palavras do papa João Paulo desancando la iglesia popular e as comunidades de base. A carta atacava com violência todos os clérigos e freiras que negligenciavam suas vocações espirituais em favor de construir “a Igreja Popular” como parte da infra-estrutura sandinista, e exigia um retorno à normalidade eclesiástica. Em termos secos, os bispos acusavam “um pequeno setor da Igreja” de ter traído a estrutura apostólica da Igreja de Cristo “a fim de fomentar o marxismo-leninismo”.

A faca penetrou até muito perto do osso dos jesuítas, e a reação foi tão devastadora quanto previsível. O provincial jesuíta de todos os países centro - americanos, juntamente com um grupo de jesuítas n icaraguenses e habilmente assistidos pelo padre Fernando Cardenal responderam com uma detalhada e implacavelmente mordaz análise crítica da carta pasto ral dos bispos. A resposta insistia que a Igreja do Povo era a Igreja de Cristo. Rejeitava sumariamente todas as pretensões episcopais de contro lar aquela Igreja.

Além de tudo o mais que aquela carta era, tratava -se de uma dolorosa medida de imunidade de que os jesuítas pensavam gozar, àquela altu ra, em relação à autoridade de João Paulo II. Afinal, eles haviam fugido até à intrusão papal direta na própria Ordem. Tinham, agora, o seu geral escolhido por eles próprios.

Ao mesmo tempo, o governo sandinista aumentou a sua hostilização aos bispos nicaraguenses, e aos padres, freiras e leigos que apoiavam os bi spos. A hostilização se tornou tão agressiva, que provocou o arce bispo de Manágua, Obando y Bravo, a comentar de público: “O regime sandinista está, agora, mais brutal e repressivo do que o pessoal de So moza na sua época.”

Como que para mostrar seus dent es contra qualquer movimento pa ra privá-la de seus colegas padres no governo, a Junta decidiu fazer uma jogada brutalmente clara contra os bispos e contra Roma. No dia 9 de julho de 1984, oficiais e funcionários do governo, armados, chegaram às residência s de dez padres que tinham sido leais aos bispos, prenderam -nos e os transportaram sem-cerimoniosamente para o aeroporto de Manágua. O padre Santiago Anitua, S.J., um dos poucos jesuítas nicaraguenses leais ao papado e à Igreja tradicional, foi apanhado da mesma maneira onde trabalhava e levado direto ao aeroporto. Todos os onze foram deporta dos na hora, pelo crime de prejudicar a formação de la iglesia popular.

Um destino pior aguardava outros. O padre Amado Pena foi pre so e condenado por tramar a derrub ada armada da Junta. As provas apresentadas contra ele consistiam em dinamite e armas colocadas de propósito como se estivessem em seu poder quando seu carro foi deti do no acostamento de uma estrada, enquanto ele saía para atender a um chamado de caso de doença que se revelou um embuste.2 Outro padre,

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um nicaraguense de 55 anos, padre Bayardo Santa Eliz Felaya, foi amarrado a um poste em frente à sua paróquia, juntamente com qua tro de seus paroquianos; jogaram-lhe gasolina em cima e atearam fogo. Por mi lagre, ele sobreviveu para contar sua história à imprensa norte -americana em Washington, D.C., “a fim de depor contra os governantes san dinistas”.

Só para não fazer com que tais ações deixassem qualquer traço de dúvida quanto à posição dos padres no gover no, o padre Edgar Parrales, ministro sandinista do Bem-estar, resolveu tornar as coisas bem claras para todos. “Não é este o momento para retornarmos ao convento”, disse Par rales, categórico, “sermos trancados e ficarmos esperando pelo santo, pelo mendigo e pela Primeira Comunhão.”

Sem contar a repressão e a tortura, a crítica oficial jesuítica da carta pastoral dos bispos foi, no mínimo, um erro tático; colocou nas mãos de João Paulo uma razão concreta para exercer uma renovada pressão sobre o geral jesuíta Kolvenbach, para que tomasse uma decisão final so bre Fernando Cardenal como baluarte da recalcitrância jesuítica, e sobre os outros jesuítas que estavam no governo da Nicarágua.

Em julho de 1984, o geral Kolvenbach, sob essa nova pressão do pa pa João Paulo, obedientemente enviou emissário especial à Nicarágua, para investigar em primeira mão o caso da ousada crítica jesuítica à carta dos bispos. O enviado verificou que a situação era tão grave quanto João Paulo dissera a Kolvenbach. Não havia como dimi nuir a gravidade da atividade política e do marxismo de Fernando Cardenal e dos outros je suítas que estavam no governo.

Por isso, João Paulo II insistiu em que Fernando Cardenal e os ou tros sacerdotes que detinham postos no gabinete se exonerassem do go verno ou da Ordem até 31 de agosto.

Kolvenbach, instado por seus assessores e por amigos de Cardenal, convenceu João Paulo a não insistir naquela data, mas a esperar para de pois das eleições nicaraguenses no outono, “para não perturbar as coisas sem motivo”.

Uma vez mais, ao concordar com um pedido aparentemente razoá vel e aparentemente cooperativo para que houvesse demora, o pontífice permitiu que a iniciativa lhe fosse arrancada das mãos. Kolvenbach pas sou um telex a Fernando Cardenal em agosto, insist indo em que ele pedisse demissão de seu cargo, dizendo que Cardenal “não pode ter permissão para cumprir uma missão [ministerial], devido à incompatibilidade dessa missão com a sua condição de jesuíta”. Mas os resultados foram previsíveis.

A resposta de Cardenal foi uma redeclaração pública e pomposa de independência em relação à sua Igreja e ao seu superior -geral: “A realização de minha vocação jesuítica só pode ser obtida com o meu compro misso com a revolução.” Ele enviou um pedido urgente ao seu gera l, de um encontro dos dois nos Estados Unidos, onde Kolvenbach tinha uma visita programada para o outono seguinte.

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