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189 um jovem jesuíta de 34 anos de idade, Claude La Colombiòre, foi nomea do

capelão de Paray-Ie-Monial em 1675. Ficou lá apenas dezoito meses, mas naquele período a freira lhe comunicou as revelações que tinha, e ele mes mo teve revelações confirmadoras. Nos seis anos que lhe restavam antes de morrer aos 41 em 1681, ele conseguiu transmitir os desejos divinos a seus superiores e, através deles, às autoridades romanas. R oma aceitou as relações da freira e o testemunho de Claude La Colombiòre e instituiu um dia de festas anual para a Igreja universal, com missa e uma liturgia de ora ções especiais para serem usadas pelos sacerdotes naquele dia.

Dessas ações simples por pa rte de duas pessoas obscuras (*6), brotou uma devoção e um novo aspecto de pensamento teológico sobre a pessoa de Jesus e sua terna redenção de homens e mulheres dos efeitos mortais do pecado. A partir do momento em que Roma aceitou a autenticidade das rev elações de Alacoque em fins do século XVII,7 os jesuítas aceitaram oficial e entusiasticamente a missão de divulgar essa devoção. Ne nhuma imagem iria dominar tanto a piedade e a devoção dos fiéis comuns como aquela que passou a ser chamada, em toda parte, de o Sagrado Coração de Jesus; e nenhuma outra devoção ascética passou a ser reconhecida como tão tipicamente jesuítica como a devoção àquele Sagrado Coração, o símbolo perfeito do ideal jesuítico em santidade pessoal.

O cultivo deliberado dessa nota especificamente jesuítica — devoção pessoal a Jesus, em especial sob a imagem de seu Sagrado Coração — nos membros da Ordem, enquanto eles se espalhavam pelo mundo e tra balhavam nas mais diversas tarefas com diferentes talentos, técnicas e re sultados, explica o que muitos perceberam com curiosidade a respeito dos jesuítas no passado: o alto grau de individualismo entre eles e, ao mesmo tempo, aquela comunidade estranhamente cativante e impressionante que os envolvia como grupo.

A chave que soluciona o eni gma dessa identidade comum em tanta diversidade era aquela nota específica: o chamado pessoal de Jesus a ca da um deles, para que sirva usando o máximo de capacidade pessoal. E fazer isso nas fileiras de companheiros que receberam, todos, aquele mes mo chamado específico de dedicação; e que cada qual obedecia através das suaves (e, às vezes, não tão suaves) vozes que chegavam até ele por intermédio das hierarquias de superiores maiores e menores. Dos lábios de Deus para os ouvidos de cada jesuíta. Eram todos bons soldados de Cristo, como escreveu São Paulo. Não importa onde estivessem ou o que estivessem fazendo ou como funcionavam, eram todos companheiros na Companhia de Jesus; e, assim, todos participavam da glória de Jesus.

Isso acontecia com o assessor do governo, com o emissário papal, e com o padre da paróquia na cordilheira dos Andes. Era verdade no que se referia ao paciente professor de escolas e faculdades, ao pastor residen te numa favela de Dublin ou de Bombaim, ao cientista pesquisador num labora tório atômico. E era verdade quanto a cada um dos elementos das “linhas de frente”, os “briguentos”, aqueles que ficam sozinhos em Katmandu como testemunhas mudas, isoladas, de Cristo, ou participam da vida

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sem objetivo de refugiados num acampamento na fr onteira da Tailândia. Nem todos os jesuítas eram do mesmo nível a serviço da glória de Jesus, pelo menos aos olhos dos homens. Mas o reconhecimento da gló ria de Deus em todos e a solidificação da obediência mantinham cada um no seu lugar, contente e ativo.

Não importa que calúnias se diziam sobre eles, não importa o fra casso pessoal de um jesuíta, por um motivo qualquer, a reputação da So ciedade e do caráter jesuítico mantinha -se firme. Até mesmo o anticlerical e, na maior parte de sua vida, agnóstico Voltaire teve que admiti-lo. Os jesuítas que o educaram no Colégio Clermont “dedicavam todas as horas do dia à nossa educação e ao cumprimento de seus votos rigorosos. Como prova, apelo para o testemunho de milhares que, como eu, foram educados por eles”. Sendo educado pelos jesuítas no Colégio Balley, escreveu o poeta e estadista Alphonse Lamartine, “ali aprendi o que se pode fazer de seres humanos, não por compulsão, mas pelo estímulo. (...) Eles [os jesuítas] tornavam atraentes a religião e o dever, e n os inspiravam com o amor de Deus (...) começaram por me fazer feliz — de boa vontade teriam feito de mim um homem bom (...)”. Coube àquele mes tre da diplomacia, Talleyrand, resumir o que amigos e inimigos aprecia vam com relação aos jesuítas. “Quer você concorde com eles, quer não, todos encontram nos jesuítas aquela preciosa nota de razão. Eles são ra zoavelmente severos, razoavelmente indulgentes, razoavelmente morais, razoavelmente hostis, razoáveis até mesmo em sua devoção ao papado. Sempre, aquela no ta de razão.

Toujours cette note de raison.”

É historicamente certo que nos primeiros trezentos anos da vida da So - ciedade o ideal jesuítico de caráter foi verdadeiramente desenvolvido e vi vido por milhares de jesuítas. Estamos falando, aqui, da autentici dade da obediência jesuítica ao papa e da autenticidade da ambição jesuítica de se assemelhar a Jesus em todas as coisas, em especial nas humilhações, nas acusações injustas, nas grosseiras decisões injustas dos tribunais, e dos mal entendidos que Jesus sofreu de bom grado como parte integral de seus so frimentos a fim de redimir a humanidade do pecado e suas consequências.

Dois acontecimentos momentosos nos convencem dessa autenticida de. O primeiro dizia respeito à penetração jesuítica na China nos século s XVII e XVIII. O segundo foi a abolição da Sociedade por um papa. Em todos eles, a reação jesuítica de obediência e a perseverança, à semelhan ça de Cristo, na humildade e na esperança, são mais admiráveis. Os je suítas que suportaram o choque daqueles dois acontecimentos foram heróis, qualquer que seja a definição que se dê ao termo.

Em fins da década de 1600, missionários jesuítas na China já haviam feito um grande progresso em prol de converter o imperador da China e poderosos mandarins e nobres. Haviam criado, também, uma Igreja com vários milhões de membros.

A penetração jesuítica na China, com enorme consumo de homens, equipamento e tempo, foi uma manobra proposital baseada no exame das forças geopolíticas que dominavam o Extremo Oriente. O Império do

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