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dmirados ou odiados, o fato é que durante 425 de seus 443 anos como Ordem, os jesuítas eram, aos próprios olhos e aos olhos de todo mundo, os def ensores de vanguarda das atitudes da Igreja relativas ao papa e ao papado. Em épocas normais, tivesse qualquer jesuíta se envolvido ainda mais de longe do que Fernando Cardenal numa humilhação que fosse uma fração da que fora lançada sobre João Paulo II na Nicarágua, no dia 4 de março de 1983, esse jesuíta teria sido posto para fora da Sociedade e veria todos os seus membros evitando-o literalmente em poucas horas. Mesmo em épocas menos normais, como nos quinze anos de generalato de Pedro Arrupe, teria havi do, pelo menos, uma encenação de de monstrações de choque e lealdade, uma demonstração de preocupação, uma barragem de garantias de que o assunto seria investigado, aliadas a intermináveis explicações e demoras nas medidas corretivas.

A reação na Sociedade às notícias sobre a humilhação de João Pau lo na Nicarágua naquela primavera de 1983, entretanto, parece ter sido sem igual, tanto entre os superiores como entre a maioria dos líderes da Ordem: João Paulo II havia metido a cabeça na jaula do leão e recebe ra mais ou menos o que procurava. A esperança, agora, entre muitos jesuí tas, era de que o papa tivesse aprendido a lição, abandonasse a sua men talidade de “bispo de gueto polonês”, e entendesse como era complicado de verdade o mundo grande e mau. O papa decidira assumir o governo da Sociedade com o ato arbitrário de depor Arrupe e O’Keefe. Muito bem. Agora ele sabia como eram as coisas. Achava-se que João Paulo iria en colher os chifres, afastar-se e lamber os ferimentos.

Essa atitude foi reforçada pela a usência de qualquer reação violenta por parte do secretário de Estado do papa, cardeal Agostino Casaroli, que se contentou com expressar certos lugares -comuns sobre a necessida de de que todos os lados se acalmassem.

Com uma reação assim tão fraca por part e do próprio gabinete pa pal, os jesuítas não sentiram a menor pressão para chamar às falas Car denal e os outros jesuítas envolvidos na humilhação papal. Adotou -se

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uma atitude de “esperar para ver”. Aos olhos de muita gente, porém, João Paulo perdera uma importante batalha. A humilhação sandinis ta preparara o caminho para que imitadores agredissem o papa no fu turo.1

Num sentido claramente definido, aquela atitude de “esperar para ver” só foi possível devido ao próprio João Paulo. Por um exercício sem pr ecedentes de autoridade papal, ele havia destituído um padre -geral, Arrupe, e colocado dois homens escolhidos a dedo por ele à frente da Or dem dos jesuítas. Tivesse o pontífice pressionado os dois homens por ele nomeados, depois de seu retorno da Nicarágua, ambos teriam que se ter curvado diante da vontade de João Paulo, por mais que isso os desagra dasse, até mesmo a ponto de iniciar uma reforma total da Sociedade. Ao receberem ordens precisas e inequívocas — “Expulsem todos os jesuítas que estão no governo nicaraguense!”, “Chamem de volta todos os superiores centro-americanos!” “Substituam-nos por homens que saibam obe decer!” — é quase certo que Dezza e Pittau teriam feito o que lhes era ordenado. De fato, um ato específico desses, tal exercício ousado de força papal, teria sido interpretado, em termos de romanità, como um aviso: façam o que eu digo desta vez, por extrema que seja a ação, ou então haverá coisa pior — a dissolução da Ordem.

Para consternação de muitos, no entanto, embora João Paulo tiv esse dado o primeiro passo para demitir Arrupe e seu sucessor escolhido, Vincent O’Keefe, não dera o segundo, apesar do fato de que o fiasco nicaraguense lhe tinha dado mais motivos do que nunca. Em vez disso, ele deixara que as coisas ficassem nas mãos de Dezza e Pittau.

Houve resmas de especulação sobre as causas da inação do papa, mas não houve respostas certas. Será que o santo padre desistira? Será que ele fora avisado pelo cardeal Casaroli, seu secretário de Estado, de que já tinha ido longe demais? Será que vacilava em tomar novas providên cias devido a ameaças de blocos inteiros de jesuítas, de que deixariam em massa a Sociedade?

Casaroli tentou, realmente, conter João Paulo. Blocos inteiros de jesuítas ameaçaram, é verdade, deixar a Ordem. Ainda as sim, dado o caráter de João Paulo, parece que o mais provável foi que o papa po lonês cometera apenas um erro: confiara em que Dezza e Pittau fossem fazer o que ele mandara: mudar e reformar a Ordem já. Não no dia seguinte. Não no ano vindouro. Já. Presumi ra que houvesse boa fé e bom jesuitismo por parte de Dezza. Confiava em Pittau. Os dois conheciam o seu pensamento. Ele presumira que Dezza, como dos mais velhos elementos romanos entre os jesuítas, um homem que havia servi do bem ao papado e à Ordem dur ante quatro décadas, iria não apenas saber o que tinha que ser feito em detalhes, mas encontrar os meios de realizar a tarefa com o mínimo de danos duradouros. Talvez fosse até mesmo lógico que o pontífice presumisse que, sob a direção experien te de Dezza, Pittau, com a sua longa experiência no campo e sua asso ciação com Arrupe, constituísse o parceiro perfeito para tirar a Sociedade

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