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79 As duas demonstrações de perplexidade de Clero visavam especificamente

a Stato. A aliança entre o cardeal-secretário e a Civiltà Cattolica ora fato conhecido. E era sabido que Stato havia passado a mão no rela tório comprometedor do cardeal Scherer e o enterrara no arquivo morto.

Dottrina achou que aquele momento era adequado para pôr pingos em

alguns is. Não era só em Roma, na América Latina e na Índia que aquelas coisas estranhas estavam acontecendo, sempre com j esuítas no meio. Havia páginas de documentação nas pastas de damasco vermelho diante de Suas Eminências, sobre jesuítas ensinando, pregando e agindo consistentemente de maneira que não apenas divergia do ensinamento dou trinário da Igreja e das opiniões explícitas de Sua Santidade sobre as ques tões mais vitais, como os negava.

Ele podia, ofereceu-se Dottrina, apontar, em páginas daqueles rela tórios, uma dúzia de nomes de destacados jesuítas europeus, duas dúzias mais de jesuítas americanos, pelo menos 25 da América Latina, mais ou menos outra dúzia da Índia, do Japão, das Filipinas, da Irlanda e da In glaterra. Entre todos eles, até onde Dottrina podia entender, a única amea ça comum era a insistência na necessidade de apoio à “luta de classes”. Se isso nã o era marxismo, então

Dottrina não sabia o significado do ter mo. E se aquele fenômeno disseminado

não tinha a sanção oficial tanto do padre -geral Arrupe como dos outros superiores jesuítas, Dottrina não entendia o mecanismo da Ordem dos Jesuítas.

Pela parte que o tocava, concluiu Dottrina, toda aquela situação já linha ido longe demais. O santo padre deveria agir com decisão. Agora.

Religiosi fez um segundo esforço para influenciar o resultado da dis cussão

em favor dos jesuítas. Ele estava certo de que es tava havendo um profundo mal-entendido. O padre Arrupe havia reconhecido abertamente que a Sociedade de Jesus tinha mudado desde o Concílio Vaticano II. E também dera um bom motivo para aquela mudança: a própria Igreja ha via mudado. Os católicos, a partir do Concílio, passaram a compreender que a Igreja é “o povo de Deus”, não um órgão hierárquico. O papa Paulo VI havia tomado para si essa nova visão da Igreja — essa nova eclesiologia. Teólogos e bispos adotaram, com entusiasmo, esse novo ponto de vista. Os jesuítas, como os bispos, estavam simplesmente ouvindo a voz do “povo de Deus”. Seus inimigos, é claro, acusavam-nos de marxistas; mas na realidade, eles eram os defensores do novo conceito de “Igreja”.

Religiosi compreendia, assegurou ele ao santo padr e, que em áreas isoladas

da Igreja como a Polônia, aquela que era a mais nova das ideias católicas sobre o que era realmente a Igreja ainda não tinha penetrado. Mas seria apenas uma questão de tempo. Sua Santidade havia sido um participante ativo no Concílio Vaticano; o mesmo acontecera com Dottrina, Clero e Vescovi. Eles tinham aceitado esse novo conceito da Igreja. Como é, então, que podiam os jesuítas ser condenados por agirem segun do aquela ideia? Só os inimigos deles, repetiu

Religiosi a sua opinião para dar ênfase, iriam considerar o interesse dos jesuítas

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Ao tornar a invocar o Concílio Vaticano II uma vez mais, Religiosi havia se colocado novamente na área de especialização de Dottrina.

Dottrina agradeceu ao seu venerável irmão por esclarecer aquela ideia -

chave que movia a Sociedade de Jesus do padre Arrupe. A dificuldade, porém, estava em que os jesuítas e muitos bispos pareciam ter -se esquecido do que o Concílio Vaticano II dissera sobre “o Povo de Deus”; ou seja, que aquele “Povo” devia ser levado e guiado não por seus próprios instintos ou pela teoria social de Marx ou de qualquer outro. Ele deveria ser guiado pela doutrina e pela lei moral do pontífice romano e dos bis pos em comunhão com aquele pontífice. Os jesuítas tinham se esquecido disso, e alguma coisa tinha que ser feita a respeito de uma omissão assim tão séria.

Foi novamente Stato que interveio no duelo entre Dottrina e Religiosi. E uma vez mais ele lembrou a todos os presentes que tinha sido ele quem aumentara as apostas na questão da decisão a ser tomada sobre os jesuítas.

Sim, concordou o secretário, alguma coisa tinha que ser feita com referência à situação. A toda a situação. Era toda a situação da Igreja q ue Sua Santidade estava tentando melhorar com as suas viagens apostó licas e com o seu experimento polonês com o Solidariedade. Ainda as sim, havia aquela questão do Pacto Moscou-Vaticano de 1962. E talvez fosse melhor assinalar que mesmo aquele pacto de 1 962 era apenas uma renovação de um acordo anterior entre a Santa Sé e Moscou.

Stato se referia, continuou ele, às conversações mantidas em 1942, no

reinado do papa Pio XII. Foi naquele ano que monsenhor Giovanni Battista Montini, do Vaticano, que mais tarde iria suceder ao papado como Paulo VI, falou diretamente com o representante de José Stalin. Aque las conversas visavam atenuar as constantes denúncias violentas de Pio XII contra o ditador soviético e o marxismo. O próprio Stato estivera a par daquelas conversas. Também estivera a par das conversações entre Montini e o líder do Partido Comunista Italiano, Palmiro Togliatti, em 1944.

Se qualquer um de seus veneráveis colegas à mesa quisesse, Stato se oferecia a fornecer relatórios do Departamento de Servi ços Estratégicos dos Aliados, sobre o assunto, começando, lembrava -se ele, com o Relatório OSS JR-1022 de 28 de agosto de 1944. Era óbvio que Stato havia confirmado suas referências em detalhe antes de ir para a reunião, apa rentemente esperando exatamente a oposição que tinha sido organizada contra ele.

O papa João Paulo pareceu ter ficado sério ao ouvir a informação de Stato. Queria saber se Sua Santidade, Pio XII, tinha tido conhecimen to daquelas conversações e acordos na época.

Não, admitiu Stato. Mas mesmo assim continuava sendo verdade que todos têm que enfrentar duras realidades. Às vezes, os subordinados têm que agir sem o conhecimento de seus superiores, a fim de ajudarem os objetivos de seus superiores. Ora, era claro que o conhecimento dos pac tos

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