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119 o mundo “explicando” a saída de Cardenal e reconhecendo lhe o “conflito de

consciência”. Devido ao fato de que o insistente argumento de Cardenal tinha sido, o tempo todo, o de que só permanecendo em seu cargo no governo ele poderia ajudar os pobres, Kolvenbach expressou a esperança de que ninguém, entre os jesuítas, chegasse à conclusão, com base na de cisão de Cardenal, de que para ajudar os pobres era preciso deixar de ser jesuíta.

O que Kolvenbach não incluiu em sua carta de explicação à Socieda de foi qualquer menção da vontade do santo padre. Ele não entrou em detalhes ou mesmo se referiu ao profundo conflito sobre a estrutura da Igreja e a autoridade da Igreja na Nicarágua. Tampouco invocou a ques tão da obediência jesuítica — a sua, a de Cardenal e a de toda a Socieda de — ao papa. Em vez disso, parecia que uma boa charada para disfarçar a destitui ção de Pedro Arrupe merecia outra para disfarçar a de Fernan do Cardenal.

Com efeito, dizia a carta de Kolvenbach, a decisão de ir embora era do próprio Cardenal e ele a tomara porque havia uma incômoda Lei Ca nônica da Igreja, nº 285, que proíbe que os sa cerdotes ocupem cargos de governo sem permissão especial da Santa Sé. A Santa Sé, o que queria dizer o santo padre, havia se recusado a fazer uma exceção no caso do padre Fernando Cardenal. Não houvera “destituição” propriamente di ta, apenas um acordo mútuo, segundo o qual Cardenal só podia seguir sua consciência fora da Sociedade de Jesus. Na verdade, a reação de Car denal à sua saída — “Eles não estão me afastando pelos meus pecados, mas pelo que sinto como chamado de Deus por mim” — foi confirmada pela carta de Kolvenbach.

Quando a notificação oficial da saída de Cardenal foi expedida pela sede dos jesuítas em Roma, no dia 11 de dezembro, o comentário e a rea ção oficial e oficiosa dos jesuítas seguiram, como era de se prever, o mo delo e o espírito da carta petulante e sem precedentes do geral aos supe riores sobre o caso todo.

O padre Johannes Gerhartz, secretário -geral da Sociedade, concor dou plenamente que a “saída” de Cardenal não era um ato penal, puni ção, não era uma demissão de verdade. Tampouco laicizava Cardenal; ele ainda era um sacerdote de prestígio, mas sujeito, agora, à autoridade do arcebispo Obando y Bravo de Manágua, em vez da dos superiores da Sociedade. Tampouco houvera, continuou Gerhartz inacreditavelmente, qualquer pressão por part e do “Vaticano” (a palavra-código aceita para indicar João Paulo) sobre o geral para que solicitasse o “afastamento” de Cardenal.

Joseph McHugh, S.J., secretário-jesuíta de comunicação e informa ção em Washington, D.C., inclinou-se em direção à verdade, ma s a inclinação foi muito oblíqua. McHugh reconheceu que “Cardenal teve per missão para sair”, porque havia “fortes realidades políticas em ação aqui”. Mais tarde, ele esclareceu aquelas “realidades” com o termo “organiza cionais”, uma referência da pressão papal sobre a Sociedade. A saída de

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Cardenal, observou McHugh, “foi um fato muito triste” e havia criado “um senso de pesar” entre seus colegas jesuítas que conservavam “um sentimento de lealdade de família” para com Cardenal.

A Rádio Vaticano, que é op erada por jesuítas para a Santa Sé e se encontra diretamente na área de influência do secretário de Estado, car deal Casaroli, foi ainda mais pródiga e pessoalmente carinhosa em seu tratamento de Cardenal. Fernando, anunciou a Rádio Vaticano, referin do-se a ele quase que afetuosamente pelo primeiro nome, havia partido “numa atmosfera de estima e respeito mútuos por parte de todos os en volvidos; mas era evidente que, para Fernando e para muitos outros jesuítas, o caso era doloroso”.

Cartas escritas aos meios de comunicação por jesuítas da Europa e das Américas salientavam, a ponto de se mostrarem desafiadoras, que Car denal não podia ter negado o acesso à sua comunidade jesuítica em Bos ques de Altamira, em Manágua. “Isso pode significar”, admitiu uma dela s com ressentimento, “que Fernando tem que morar numa barraca no fundo do quintal.”

De qualquer maneira, os colegas jesuítas de Cardenal na América Cen tral não aceitaram o aviso de seu naufrágio. Nas palavras de Valentin Menendez, S.J., provincial jesuíta para toda a América Central, “Nosso objetivo é tentar acompanhar o povo nicaraguense ao longo de seu difícil caminho e em suas grandes esperanças, de nossa posição de religiosos je suítas na Igreja”.

A charada foi de eficiência tão profunda, e seus frutos se disseminaram tanto e foram tão consistentes que, a menos que se prefira acusar pelo menos alguns jesuítas trabalhando longe de Roma de propagarem inverdades sobre o caso, o melhor retrato que se pode pintar é o de igno rância, entre os jesuítas em geral, a respeito de Cardenal. Isso é o melhor que se pode presumir com relação a comentários como os do jesuíta ame ricano Tennant C. Wright, feitos em junho de 1985, de que “embora o papa e o cardeal de Manágua tenham pedido aos sacerdotes em postos do governo que se demitissem, não insistiram na demissão”. Em tal extremo, porém, parece sem sentido ficar-se preocupado quanto ao que se deve questionar: a veracidade de um homem ou a sua ignorância.

Fernando Cardenal, talvez tendo pressentido o que iria aconte cer mais cedo do que se dispunha a admitir, havia redigido uma declaração muito antes de receber seu aviso oficial de desligamento no dia 4 de dezembro. “Carta a Meus Amigos”, foi o título que deu à declaração; enviou -a no auge da reação ao seu caso.

Apesar de sua “destituição injusta”, disse Cardenal em sua carta, sua consciência compreendia, “como se numa intuição global, que meu compromisso para com a causa dos pobres na Nicarágua vem de Deus. (...) Eu cometeria um pecado grave perante Deus se abandonass e, nas atuais circunstâncias, minha sacerdotal opção pelos pobres”. Por outro lado, “a Santa Sé, no caso da Nicarágua, parece estar presa a concepções na esfera política que recebeu das traumáticas experiências de conflitos

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