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85 a decisão de afastar Arrupe por bem ou por mal já tinha sido tomada pelos

inimigos dos jesuítas multiplicados na Cúria do Vaticano e na Igreja latino - americana. Era quase certo que Vescovi, Dottrina, Propaganda, Clero, poderosos religiosos latino-americanos como o arcebispo Alonzo

Lopez Trujillo de Medellín, Colômbia, e alguns jesuítas mais velhos de tendência conservadora, anti -Arrupe, participaram daquela decisão. A rrupe tinha que deixar o cargo.

João Paulo II concordou prontamente. De fato, quando ficou sabendo como Stato e Arrupe estavam se portando, a reação do papa foi visceral. A título de mais um ferrão na sua reação, ele decidiu não comunicar a Religiosi a sua decisão papal de destituir Arrupe. Foi o equivalente a um insulto: Religiosi era o cardeal diretamente responsável pelo comportamento de todos os sacerdotes religiosos e de Arrupe em particular.

Desde o atentado, João Paulo não queria coisa alguma com aqu ele cardeal na vida.

Mas os alvos do papa eram Stato e Arrupe. Rapidamente, ele atingiu Stato com um castigo tipicamente romano por suas transgressões. O

Departamento de Imprensa de Santa Sé e o jornal oficial do Vaticano, L'Osservatore Romano — ambos áreas privativas de Stato — foram obrigados por ordem papal a publicar uma declaração oficial corrigindo o elogio que

Stato fizera a de Chardin e repetindo a condenação de 1960. A afronta se

tornava pública.

Em termos de romanità, a ação papal também era um aviso público, embora indireto, a Arrupe. Mas logo em seguida veio uma ação mais di reta.

Stato recebeu ordens de implementar a primeira etapa das decisões papais

sobre os jesuítas. Ele deveria exonerar Arrupe do cargo de geral jesuíta. Antes que Stato pudesse obedecer àquela ordem, dançou-se outro vol teio na jiga de ironias. Arrupe estivera fazendo uma visita às Filipinas.

Fosse por causa da fadiga daquela viagem, pelo choque de um aviso em particular de Stato sobre a sua iminente aposentadoria forçada as sim que voltasse a Roma, devido a alguma outra tensão violenta, ou simplesmente devido a alguma patologia normal da natureza que pudesse ocorrer em um homem de 73 anos, Pedro Arrupe sofreu um derrame cerebral no dia 7 de agosto, ao descer do avião no aerop orto de Roma. O coágulo de san gue no cérebro o deixou paralisado do lado direito e impossibilitado de falar.

De acordo com as Constituições jesuíticas, numa situação dessas o vigário - geral da Sociedade assume temporariamente as funções de padre - geral. Nesse caso, o americano Vincent O’Keefe, escolha pessoal do padre Arrupe para seu sucessor no generalato, e o mesmo homem que havia pro vocado a ira de João Paulo I em 1978 pelas suas propostas liberais relati vas à moralidade católica durante entrevista a um jornal holandês, assumiu

o comando da Sociedade de Jesus. Não havia dúvida alguma, na mente de qualquer pessoa em ambos os lados daquela guerra que se desenvolvia, de que se Arrupe não se recuperasse, os jesuítas iriam aplicar a cláusula de suas

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Constituições que previa a incapacidade total do padre -geral. Arrupe pediria sua

exoneração; uma congregação geral dos líderes da Ordem seria realizada em Roma; e O’Keefe seria eleito padre-geral.

Em vista da virtual certeza de que Arrupe não iria se recuperar — desde o começo, o prognóstico foi desfavorável — O’Keefe e os outros assistentes - gerais da Ordem fizeram várias tentativas para reatar vários laços que Arrupe cortara com tanta arrogância. Por mais que tentassem, porém, não conseguiram chegar até João Paulo, ou até Vescovi, ou mesmo àquele que já fora aliado de Arrupe, Stato.

No dia 5 de setembro, Arrupe foi liberado do hospital Salvator Mundi e transportado de volta ao seu quarto no Gesù. O assessor jesuíta de im prensa, Jean-Claude Dietsch, S.J., disse aos meios de comunicação que a recuperação de Arrupe iria demorar “uns dois meses”. Mas era apenas uma diretriz de relações públicas, como aconteceu com a onda de comen tários hipócritas e elogios anedóticos que circulou em torno de Roma e da Sociedade de Jesus em favor de “don Pedro”. Os superiores jesuítas estavam tentando ganhar tempo.

Em fins de setembro, estava claro que, embora Arrupe não fosse mor rer de imediato, nunca iria recuperar a saúde normal, nunca voltaria a governar a Sociedade de Jesus.

E então ali estavam eles, os dois titãs, o papa branco e o papa negro. João Paulo, convalescendo a 36 quilômetros de Roma, na residência pa pal em Castel Gandolfo, enfraquecido pelo choque das balas disparadas por Agca; enfraquecido ainda mais pelas sucessivas operações e por uma hepatite virulenta; recebendo diariamente informações cada vez mais som brias sobre o destino do seu filho da esperança, o Solidariedade, lá na sua adorada Polônia; e privado da assessoria e do apoio moral do car deal Wyszynski. E Pedro Arrupe, deitado em seu leito na sede romana dos jesuítas, imobilizado pelo ataque, aparentemente ciente do que se pas sava à sua volta mas impossibilitado de falar de maneira coerente.

O Conselho de Assistentes, órgão especial de Arrupe, sem saber o qu e estava por vir, ocupava -se em procurar a melhor maneira de obter a permissão papal para convocar uma congregação geral, a fim de que pudesse eleger um novo geral. O fato de o grupo não ter conhecimento da decisão de João Paulo foi um triunfo da confidenc ialidade. Porque nos ventilados corredores do Vaticano, onde segredos sopram continuadamente em torno dos ouvidos dos que estão sempre na escuta, o verda deiro segredo é raro. Mas João Paulo II estava zangado; não queria que ninguém tirasse a espoleta de s ua bomba.

Quando ela veio, houve algo de pungente e intrigante no último grande entrechoque entre aqueles dois titãs. Nas circunstâncias, e em termos ro manos, talvez o maior castigo tenha cabido a Stato, que havia, tola e di retamente, transgredido as intenções de João Paulo no momento em que este estivera mais fraco, e fora conivente com a insubordinação de Arru pe. Pois João Paulo decidiu lançar sua bomba sobre Arrupe e os jesuítas pelas mãos do próprio

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