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147 Iñigo; ele literalmente labutava e suava estudando cada detalhe — de modo que

o seu método de projetar as Constituições de sua Sociedade se torna muito claro para nós.

Basicamente, era um processo simples, mas exigia espírito gigantes co para executá-lo com sucesso e não terminar num narcisismo horrível, auto - enganador, e um paroquia lismo sufocante. Ele analisava minucio samente suas próprias reações a acontecimentos no mundo que o cercava que afetavam profundamente a sua época. Depois, formulava a verdade central daquelas reações de uma forma impessoal, descartando o que era particul ar e passageiro, elevando aquelas reações a um plano universal a fim de que, como princípios de ação, elas se tornassem aplicáveis por outros homens — seus seguidores e membros de sua Sociedade, por toda a comunidade de nações em culturas radicalmente diversas e eras vastamente diferentes. Ele criou, assim, um dos mais eficientes sistemas orga nizacionais que o mundo já viu.

Mas tudo isso ele só realizou porque estava disposto a pagar o custo humano em termos de sua própria autodisciplina e sua auto -abnegação. A fim de chegar a ideias e princípios de ação universalmente válidos, ele havia

dissecado, literalmente e sem piedade, suas próprias reações aos

acontecimentos de seu mundo contemporâneo, abandonando o que fosse puramente subjetivo, egoísta, provincia no. Aquela fria análise pessoal cobrou dele um tributo próprio, como fez a desgastante paciência com de moras da burocracia clerical e das intratáveis paixões de corretores de poder eclesiástico na Roma dos papas.

Além de seu trabalho diário nas Constituições, havia as exigências de seu posto como líder e supremo tomador de decisões na jovem Socie dade que, muito rapidamente, obtinha alcance global. Necessariamente, Iñigo tinha que tomar decisões em vista das condições internacionais de sua época. Os fator es políticos dominantes não apenas ditavam suas li nhas de ação; provocavam nele reações políticas quando se tratava da re ligião. Por exemplo, a menos que o tumulto na Alemanha fosse pacificado, a Europa não ficaria em paz, declarou Iñigo; seu enviado à Alemanha, Peter Canisius, recebeu devidamente suas instruções quanto ao que ele, Canisius, como jesuíta, poderia fazer naquela pacificação.

Outro exemplo: a existência da Europa Cristã e suas comunicações com o Novo Mundo e com o Extremo Oriente estavam ame açadas pelo islamismo. O imperador Carlos V, o mais poderoso regente cristão na épo ca de Iñigo, foi aconselhado por Iñigo a enviar uma esquadra para o Mediterrâneo oriental.

A concentração de homens e recursos, por parte de Iñigo, na Índia, no Japão, na China, na Etiópia, no Congo e no Brasil foi prática e deli berada e encontrava justificativa exclusivamente na percepção de que, pela primeira vez em sua história, a Igreja Romana tinha uma chance quase exclusiva de se tornar verdadeiramente universal.

Sua atenção, portanto, estava dirigida a questões que ultrapassavam os indivíduos e os interesses ligados a vastos espaços de terra e a povos

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inteiros. Cuidar de uma organização dedicada a tais atividades não é a mesma coisa que cuidar de um indivíduo. O imp essoal estava, com frequência, em concorrência com o pessoal; com a mesma frequência, era o bem impessoal de toda a Sociedade que tinha que ganhar o pessoal. Es te é sempre o ponto crítico nas organizações e instituições.

Em 1551, ele já terminara um prime iro rascunho das Constituições, ¹ e em 1552 um grupo de jesuítas em quantidade para dar peso à decisão, reunido por ele em Roma, aprovou em caráter preliminar a minuta como sendo um modelo experimental. O documento entrou em vigor de ime diato. Iñigo continuaria a incorporar novos elementos a ele até morrer em 1556.2

Todo aquele processo de fundar e administrar a sua Sociedade e sem pre estar de olho no quadro maior da Igreja universal, teve um efeito ine vitável sobre Iñigo, provocando gradativamente uma a lteração bem evidente para seus íntimos companheiros em Roma.

À medida que ia ficando mais velho, aqueles que o cercavam comen tavam sobre a feição tranquila, quase inexpressiva, que seu rosto assu mia durante todas as extenuantes rodadas diárias de cartas a serem ditadas, consultas a seus assessores, documentos a serem compostos, decisões in flexíveis a serem tomadas sobre a designação de jesuítas para esta mis são, aquele trabalho e aquela outra tarefa. Decisões, sempre decisões, e praticamente sempre tom adas tendo como condicionantes as normas pa pais, a política local e a logística da viagem e das comunicações a serem tomadas — isso lhe enchia os dias.

O efeito de tudo isso sobre ele se tornava cada vez mais óbvio. Du rante alguns anos antes de sua morte , seus companheiros tiveram a impressão de que o rosto, a voz e a aparência que eles tinham conhecido como sendo de Iñigo haviam desaparecido. Sentindo que seu pai — assim o chamavam — iria morrer em breve, providenciaram para que um dos conhecidos pinto res da época, Giambattista Moroni, fizesse um re trato dele a óleo.

Iñigo não iria aprovar, disto seus companheiros estavam certos. Por isso, fizeram Moroni entrar na casa escondido. Para pintar o seu mode lo, o artista espiava por uma porta entreaberta qu ando Iñigo estava dormindo em seu quarto nas horas da sesta. Moroni, cujos retratos são famosos e hoje se encontram expostos em museus e galerias de Detroit, Minneapolis, Cleveland, Chicago, San Francisco, Washington, Londres, Paris e em outros lugares, r asgou cinco tentativas de pintar Iñigo e desistiu. “Deus não quer que esse homem seja retratado”, foram suas palavras ao se retirar.

Apesar de toda a mudança que sofreu, Iñigo não se tornou um iceberg de frieza inabordável, nem um autômato arrogante e r eservado, impermeável a emoções. Muito pelo contrário, na verdade. E o amor e veneração de seus companheiros aumentou.

Quando alguém foi lhe dizer, um dia, que um inimigo declarado da Sociedade, o cardeal Gian Pietro Carafa, tinha sido eleito papa Paulo I V,

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