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149 Iñigo ficou visivelmente abalado “Sua fisionomia se alterou e, como fi que

sabendo pouco depois,” nos diz um de seus biógrafos e de seus ínti mos, “seus ossos vibraram. Ele se levantou sem dizer uma palavra e foi para a capela rezar.” No fim, Paulo IV mostrou que não era tão hostil assim. Como papa, ele descobriu o que suas ambições e sua atividade mun dana como um Carafa não lhe tinham permitido ver: Iñigo e seus jesuítas eram uma dádiva caída do céu para o seu papado.

E Iñigo nunca perdeu o toque de intimidade pessoal com aqueles que o cercavam. Com base em palavras escritas sobre ele por homens que o conheciam bem, podemos ver seus olhos se iluminarem com compreen são; seus lábios podiam se abrir num luminoso sorriso de puro prazer; mas acima de tud o sua expressão nunca perdeu aquele profundo reflexo de luz interior que cada um dos membros de seu séquito competia com os outros para ver todos os dias. Cada um dos companheiros de Iñigo era testemunha de seu gênio e participante da reverência da presenç a da santidade que o acompanha va a toda parte. Alguns costumavam encontrá -lo sentado no telhado da casa à noite, olhando para as estrelas silenciosas, lágrimas correndo -lhe pelas faces. Outros estavam presentes quando ele rezava a missa e fica vam dominados pela emoção diante de sua reverência ao tocar na Hóstia e no Cálice. Outros, ainda, ouviam - no aconselhando os desobedientes e os teimosos, e sabiam que aquilo era o mais perto que poderiam chegar ao alcance dos tons e do espírito de Jesus ecoando numa voz humana. “Não cederei a criatura alguma da face da terra de Deus”, disse ele a um recalcitrante membro de sua Companhia, “em meu amor por você.”

Um dos homens de Iñigo persuadiu-o a ditar os detalhes simples de uma autobiografia. Ele começou em 1553, mas trabalhou apenas em tre chos curtos. Revelou certos detalhes torturantes de como Deus favorece ra sua alma com conhecimentos dos mistérios do ser divino — sobre o amor interior das Três Pessoas Divinas, que inundava o seu ser durante sua estada no santuár io espanhol de Manresa e às margens do rio Cardoner em 1522; sobre as pessoas de Jesus e sua mãe, Maria, e sobre o servi ço futuro de Iñigo a eles quando ele passou a entendê-lo no santuário à beira da estrada, La Storta, a 24 quilômetros de Roma, em 1527; sobre a natureza do jesuitismo como forma de serviço pessoal a Deus através do papa, apurada por ele ao longo daquele período de quatorze anos enquanto compunha as Constituições e guiava sua Companhia de servidores.

No entanto, sua linguagem ao descrever tudo aquilo era tão esparsa, que só desperta na gente uma fome que sabemos nunca será satisfeita, pelo menos do lado de cá da eternidade. Como seus primeiros compa nheiros, nunca se terá conhecimento da tessitura de seu êxtase vivo ou da fibra de suas int enções.

Presume-se que Iñigo tinha suas razões para ser reticente — uma razão prática, pelo menos. Seus homens deveriam ser ativistas — “contemplativos em ação” é a frase consagrada. Ele não queria estabelecer como exemplo relevante de espiritualidade jesuítica a forma mais elevada de ora ção

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mística. Nem todos podiam praticar isso e ainda, como ele, levar uma vida plenamente ativa. A atração inerente da contemplação mística e da absorção em Deus pode paralisar e eliminar todo o desejo e inclinação de te r alguma coisa a ver com o mundo material.

Fossem quais fossem as mudanças que ocorreram nele ao longo dos anos, Iñigo continuou simples até o fim; gostava que todos os chamas sem de Iñigo. Não se incomodava se zombassem dele, como quando um jovem protegid o seu, Pedro Ribadineira, que mais tarde se destacou co mo um perfeito jesuíta, seguia atrás dele imitando o seu mancar. Iñigo gostava daquilo, mantendo-se sério como parte de seu papel na brinca deira.

Ele nunca perdeu o seu senso de humor ou o seu sentim ento pelos outros. Certa vez, quando as finanças do grupo estavam em baixa, o co zinheiro serviu um jantar pobre, de ovos fritos acompanhados de palitos, observando com ironia que os palitos poderiam vir a ser muito úteis. Iñigo achou a observação hilariantemente cômica, nas circunstâncias. Quando havia bastante comida, por outro lado, ele gostava de convidar para a mesa um membro da Ordem já bem obeso; ele tinha satisfação em ver o homem comer bem.

Ele mesmo comia pouco, por princípio, e bebia muito pouco vinho; mas fazia piadas sobre a sua dieta. Durante um ataque muito doloroso do que parecia gastrenterite, o cozinheiro lhe ofereceu um pouco de vi nho. Iñigo, sagaz, citou uma frase de São Paulo, modicum vinum non nocet (um pouco de vinho não faz mal), mas substituiu, rindo, a palavra vinum por venenum.

Mas com isso tudo, a erosão de si mesmo continuou para Iñigo. De fato, a verdadeira fonte da alteração em sua aparência era o cada vez maior esgotamento de toda consideração por si mesmo. Sua morte, quando c hegou, estava em concordância com isso.

O trabalho em torno do gabinete de Iñigo na quinta-feira, 30 de julho de 1557, era intenso, porque na sexta o correio partiria para a Espa nha. Já havia jesuítas trabalhando na Espanha, em Portugal, no Japão e no N ovo Mundo. O correio tinha que pegar os navios da Mala Real que saíam da Espanha e de Portugal para aquelas partes distantes do mundo.

Havia três dias que Iñigo vinha sofrendo intensamente de um ataque de vesícula. Mas enfrentou o trabalho do dia. Em meio à redação de uma carta muito difícil, na tarde daquela quinta -feira, porém, uma onda de saliva provocou um gosto caracteristicamente amargo em sua boca. Ele sabia o que aquilo significava.

Comunicando a seu secretário, padre Polanco, que estava para mor rer, Iñigo pediu a ele que atravessasse correndo a praça de São Pedro e fosse procurar o papa, para obter a bênção de Sua Santidade.

O secretário, sem acreditar nele, esquivou -se estupidamente, alegan do a pilha de serviço a fazer, prometendo que conseguiria a bênção no dia seguinte, sexta-feira.

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