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63 um sacerdócio com casamento Nas palavras de um relatório oficial, ele havia

— com prazer — “demolido o [tradicional] conceito católico do ministério sacerdotal”.

Como resultado direto desse incidente, toda a mixórdia de declínio jesuíta nos últimos quinze anos foi reexaminada por João Paulo . Foi-lhe provado que ele não estava lidando com perigosos grupos isolados de je suítas recalcitrantes, mas que estava sendo preparado um ataque cada vez mais organizado contra ele, partindo de dentro da sua Igreja, e que os responsáveis gozavam de total imunidade junto a seus superiores religiosos.

O geral Arrupe foi informado pelo papa de que a Sociedade de Jesus precisava de uma reforma total nos seus teólogos, nos seus escritores, nos seus ativistas sociais, em seu método de treinar candidatos a jesuíta , em seus colégios, universidades e institutos de instrução superior, nos seus métodos missionários na África e na Ásia, em suas paróquias e no seu apostolado social. Na verdade, impunha -se uma reforma e uma limpeza completa da casa, de cima a baixo, na Sociedade. A própria utilidade do padre Arrupe como geral foi também representada como se estivesse pró xima ao ponto zero.

É claro, santo padre, foi a essência da respeitosa resposta de Arru pe. Mas segundo as Constituições jesuíticas, que vários dos antecessores de Sua Santidade naquele abençoado Trono de Pedro tinham aprovado e confirmado muitas vezes ao longo dos séculos, uma reforma daquelas só poderia ser efetuada de maneira normal e juridicamente correta por uma congregação geral de líderes jesuítas vi ndos de todas as partes do mundo, reunidos no Gesù em Roma com o seu geral — com a permissão do santo padre, é claro. O geral e seus colegas iriam precisar de pelo me nos um ano — normalmente levava quinze meses — a fim de se prepararem de maneira adequada para uma congregação geral tão importante assim.

A resposta de João Paulo não mostrou hesitação: convoquem a Con - gregação Geral. E se preparem bem para ela. O problema tinha que ser resolvido. Naquele momento, não se falou em terminar com o mandato de Arrupe como geral.

Em abril de 1980 — o mesmo mês atribulado em que os sandinistas estavam visitando o secretário de Estado do Vaticano e os bispos nicaraguenses visitavam o pontífice — o geral Arrupe notificou todas as pro - víncias da Sociedade no mundo inteiro de que uma congregação geral seria realizada no ano seguinte ou, o mais tardar, em 1982. Os preparativos nas províncias deveriam começar imediatamente.

Na verdade, àquela altura da luta, Arrupe estava perto do limite de suas forças. Suas opções para fugir aos esforços papais para controlar a Sociedade se tinham acabado. Em grande parte, a Sociedade parecia ter chegado a um ponto em que já não era mais possível chamá -la à ordem, mesmo por um papa. Arrupe era o homem mais bem situado para reconhecer isso . Ele havia presidido o crescente e agora irredutível foco de resistência a João Paulo II por parte dos jesuítas. Um rumor bem fundamentado

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que corria no Vaticano dizia que João Paulo iria destituí -lo do generalato, num começo na direção certa. Só Deus sa bia que direção era essa. Arrupe estava cansado.

No decorrer de um encontro de dez minutos que lhe foi concedido em agosto de 1980, Arrupe perguntou se o santo padre queria que ele re nunciasse ao cargo de geral dos jesuítas. Não, foi a brusca resposta do papa. João Paulo não disse isso usando tantas palavras, mas havia deci dido que ele próprio deveria reter a iniciativa nas mãos, em vez de no mear um sucessor ou curador para agir de maneira independente no lugar do geral. Tampouco tinha o papa qualquer intenção de deixar o geral Ar rupe escapar assim tão ileso da confusão que ele havia criado nos quinze anos em que estivera no comando da Sociedade. Arrupe foi informado de que o santo padre não estava falando na simples renúncia de um único homem. O que est ava em discussão eram a natureza e a função de toda a Sociedade como a milícia do papa.

Havia muitas possibilidades. O status da Sociedade podia ser alterado. A minuta da mais recente versão da Lei Canônica, preparada pela Igreja, estava em seus estágios finais; um pequeno parágrafo seria o sufi ciente para tirar da Sociedade de Jesus todos os seus privilégios na Igreja e a sua situação especial em relação ao papado. Ela poderia ser reduzida ao nível de uma congregação diocesana ordinária, governada localmente por bispos. Havia ainda outras e mais drásticas possibilidades. Poderia ser necessário acabar com a Sociedade, pelo menos durante certo tempo, e talvez tornar a formá -la mais tarde segundo seus princípios originais; certos jesuítas de mentalidade mais tradicional já haviam, na verdade, solicitado a Roma que fizesse exatamente isso.

O tom incessantemente ominoso dessa resposta papal não passou des - percebido por Arrupe. Mas para terem a certeza de que a questão tinha sido bem compreendida pelo jesuíta, seus aliados no Secretariado de Es tado do Vaticano explicaram ao padre-geral a causa fundamental da insatisfação do papa: na estratégia do santo padre, decidido a combater o marxismo como sendo a verdadeira ameaça, os jesuítas eram o maior obs táculo; e eram o maior consolo dos inimigos de Sua Santidade. Quer o padre -geral gostasse quer não, aquilo era verdade.

Ostensivamente para limpar a sua ficha como geral e para demons trar que todos os jesuítas estavam alertados da maneira correta e, assim, repudiar qualquer ideia de aprovação oficial jesuítica do marxismo, em dezembro de 1980 o padre Arrupe redigiu, mas — naquelas circunstâncias, curiosamente — retardou a publicação de uma carta sobre o marxis mo que poderia ser interpretada como ortodoxa.

Àquela altura, João Paulo II já se tornara um gigante que cruzava a paisagem internacional. Era definitivamente uma personalidade de do mínio público. A atmosfera ao seu redor era cada vez mais tensa, mais carregada de crise. A cada mês que passava, suas intenções e seus atos ficavam mais significativos para os planejadores rivais em Washington e Moscou, bem como para pomposos centros financeiros. Ele dominava

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