• Nenhum resultado encontrado

137 de seu gorro de veludo vermelho, do qu al balançava uma vistosa pena cinza.

Sua educação era limitada. Ele não sabia nada de latim, falava um pouco de patois francês. Falava o espanhol basco e o castelhano, lia bem, e sabia escrever o suficiente para assinar o nome e compor, penosamente, despac hos militares ou cartas de amor.

Seu caráter teve uma formação muito má. Ele era um dos “jovens turcos” de sua época cuja juventude, época gloriosa, e orgulho nacional os estimulavam. Faltava-lhe escrúpulo moral em sua conduta, a ponto de finalmente a lei, na figura do corregidor, o juiz correcional de Azpei tia, acabar pegando-o em suas travessuras. Depois de “crimes cruéis exe cutados durante a noite [do carnaval de 1515 em Azpeitia] com premeditação e envolvendo emboscada e traição”, a polícia prendeu Iñigo com seu irmão, Pedro Lopez, que também estava envolvido.

Atrevido, insolente, mentindo por todos os poros, culpando outros, descrito como “o criminoso”, como “vergonhoso no trajar, pior na con duta”, Iñigo foi transferido para a prisão do bispo em Pamp lona, que ficava perto, e por fim conseguiu a liberdade e o encerramento de seu ca so por um juiz que nos diz, em seu relatório ainda existente, que “ Iñigo de Loyola era astuto, violento e vingativo”. A inflexibilidade de sua von tade férrea fazia-se notar: Iñigo de Loyola era insolente até à morte quando se tratava de sua honra ou de seu interesse. Uma vez tomada uma deci são, nada podia abalar sua determinação ou afastá-lo de sua execução.

Em 1517, com 26 anos de idade, ele ainda nutria desejos de encon trar a glória a serviço do Reino e, assim, dar expressão a sua ainda não exigida obediência incondicional — bem como ganhar a mão de sua da ma. Entrou para o exército do vice-rei de Navarra, o duque de Najera. Seis anos depois, viu -se defendendo uma posição impossível na cidadela da cidade de Pamplona contra um irresistível exército francês. No dia 20 de maio de 1521, uma bala de canhão francesa passou-lhe por entre as pernas, estilhaçando a direita e ferindo a esquerda. A luta acabou.

Os cirurgiões do exérc ito francês foram tão inábeis ao porem no lu gar os ossos de sua perna direita, que quando Iñigo chegou em casa seus médicos tiveram que quebrá-los e recolocá-los todos no lugar. Mas ainda assim os ossos se soldaram de maneira incorreta, deixando uma horrí vel protuberância. Se ela ficasse, ele não poderia usar a elegante bota mili tar, nem poderia dançar ou curvar-se com graça. A elegância física fazia parte do equipamento pessoal de um verdadeiro cavaleiro.

Cumprindo ordens suas, os médicos serraram a prot uberância; mas verificaram, então, que ele mancava ao andar. Por isso, amarraram -no num cavalete cirúrgico, onde ele ficou imóvel semanas a fio, sofrendo dores excruciantes, tudo na vã esperança de que a perna pudesse ser esticada até voltar ao seu comprimento normal.

Iñigo sofreu todas essas quatro operações sem anestesia e sem um murmúrio ou sinal de protesto “além do cerrar dos punhos”. Mais tar de, ele descreveu aquilo tudo de maneira incisiva, como tendo sido uma

138

“carnificina”. Mas seus motivos eram claros. Como poderia ganhar o coração de sua amada se sua aparência fosse deplorável? Como poderia sobressair -se na luta pelo Reino e ao servi -lo?

Como acontecia com frequência, porém, na vida de Iñigo, uma porta se fechava e outra começava a se abrir. Dur ante as longas semanas de convalescença no verão e no outono de 1521, ao ler a vida de santos para passar o tempo, ele sofreu o que é conhecido na linguagem da experiên cia religiosa como profunda conversão. Segundo a teologia e a crença ca tólica, Iñigo recebeu a graça divina — comunicações especiais, sobrena turais, de força de vontade, esclarecimento da mente, e orientação do espírito. Foi uma purificação inicial. Assim que se recuperou o suficien te, em princípios do Ano Novo de 1522, ele saiu da Casa Torre de Loyola para sempre, a fim de encontrar nova vida.

Passou a maior parte dos seis anos seguintes, de 1522 a 1528, culti vando a vida do espírito que se abrira para ele — fazendo terríveis peni tências físicas pelos seus pecados, praticando a contempl ação de mistérios divinos, realizando obras de caridade e codificando, por escrito, sua no va perspectiva de vida num livro curto sempre conhecido como Exercícios espirituais.

Raro tem sido o devoto espiritual que sofreu dores do espírito tão devastadoras quanto Iñigo sofreu naqueles anos, correndo paralelas com comunicações sublimes com o Deus que ele agora adorava e o Cristo em cuja salvação ele agora acreditava. Mais rara ainda, porém, era a capaci dade especial de Iñigo para acompanhar minuciosa e exat amente, durante sua peregrinação íntima, as várias disposições de espírito e movimentos que estavam sempre alterando a atmosfera e a tensão de seu ser psicofísico.

Fustigado pela depressão agora, exaltado depois por uma felicidade incontida, de repente atormentado por crescentes dúvidas sobre Deus, Cris to, a Igreja, sobre a sua sanidade, sobre tudo, ele procurava cuidadosa mente dissecar a textura de seu íntimo que se alterava. Porque acreditava firmemente que aquilo que afetava e alterava suas condições psicofísicas era obra de um espírito-agente — de Deus ou de Lúcifer — para afetar e alterar sua alma, para incapacitar ou encorajar sua vontade, para escu recer ou iluminar sua mente.

Com base nessa minuciosa e impiedosa auto -observação, Iñigo formou um conjunto de regras pelas quais uma pessoa podia discernir qual a ação que se passava em seu espírito e testar quem era o espírito -agente que atuava sobre sua alma. Lado a lado com essas regras práticas, ele reuniu uma série de meditações, contemplações e considerações.

O processo era torturante. Havia momentos em que parecia que o conflito íntimo seria demasiado para sua sanidade. Pelo menos numa oca sião, nas profundezas de sua miséria, ele ficou decididamente tentado a cometer suicídio, atirando-se num precipício. Mas pelos meios espirituais que já criara e pela heroica autodisciplina na aplicação de tais meios a ele próprio, reconheceu aquela inclinação a tempo, como sugestão daquele que Jesus havia descrito como “assassino desde o início”.

139

Outline

Documentos relacionados