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75 Sem quase nenhum hiato na discussão, entretanto, Stato assumiu a defesa.

Seu estilo foi muito mais indiret o do que o de Religiosi. Stato lembrou a seus veneráveis colegas que estivera com o atual santo padre nas duas reuniões de Sua Santidade com o negociador soviético, Anatoly Adamshin, a mais recente das quais tinha sido no início daquele mesmo ano de 1981. Sua Santidade havia dado aos soviéticos uma garantia de que nenhuma palavra ou ação, por parte de Sua Santidade, da Hierarquia polonesa ou de líderes do Solidariedade, iria violar o Pacto Moscou-Valicano de 1962.

Stato não precisou explicar a seus ouvinte s que, em fins da primavera de

1962, um certo cardeal Eugene Tisserant tinha sido enviado pelo papa João XXIII para um encontro com um prelado russo, um certo Nikodim, metropolitano, que representava o Politburo soviético do premier Nikita Khrushchev. O papa João desejava ardentemente saber se o go verno soviético iria permitir que dois membros da Igreja Ortodoxa Russa comparecessem ao Concílio Vaticano II programado para ser aberto no mês de outubro seguinte. O encontro entre Tisserant e Nikodim teve lu gar na residência oficial de Paul Joseph Schmitt, na época o bispo de Metz, na França. Ali, Nikodim deu a resposta soviética. Seu governo concorda va, desde que o papa garantisse duas coisas: que o concílio que se realizaria proximamente não emitisse qualqu er condenação do comunismo soviético ou do marxismo, e que a Santa Sé adotasse a norma, para o futuro, de se abster de todo aquele tipo de condenação oficial.

Nikodim obteve suas garantias. O assunto foi orquestrado, depois disso, para o papa João, pelo ca rdeal jesuíta Augustine Bea, até que o acordo final foi concluído em Moscou e executado em Roma, naquele Concílio Vaticano, bem como nas diretrizes da Santa Sé durante quase duas décadas desde então.

Stato disse ter apenas duas perguntas a fazer. O Concílio Vaticano e dois

papas desde João XXIII tinham respeitado aquela garantia. Será que Sua Santidade também iria respeitá -la? E será que a sua Hierarquia polonesa e os líderes do Solidariedade iriam respeitá -la?

A pergunta que Stato não fez estava tão clara para todos, àquela aluíra, que ele não precisou transformá -la em palavras: como poderia João Paulo II acusar os jesuítas pelo seu apoio a pensadores marxistas e guerrilhas comunistas na América Latina, sem condenar explicitamente o mar xismo soviético e seus representantes comunistas? Sem, em outras palavras, violar não apenas o Pacto de Metz, mas a sua própria garantia a Adams hin de que o “Metz” — nome pelo qual o acordo pouco conhecido era citado de maneira geral — seria respeitado durante o seu pontifi cado?

A mensagem de Stato, então, era clara. Ele sabia, tanto quanto qual quer outra pessoa, que a sede jesuítica de se afastar do ensinamento cató lico podia ser censurada em termos que não iriam violar pacto ou acordo algum. Mas ele protegeria os jesuítas. Iria Sua Santidade brigar por aqui lo? Ou chegar a um meio-termo?

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Stato assinalou que o geral Arrupe acabara de publicar um artigo demons trando

que nenhum católico, muito menos um jesuít a, poderia se apoiar na análise marxista da sociedade e da história humanas para decidir de que lado ficar na “luta de classes”. O cardeal-secretário não salientou que Arrupe havia esperado mais de três meses, de 30 de dezembro de 1980 até 4 de abril, para publicar o artigo; ou que a escolha do momento pare cia indicar que Arrupe tinha sido alertado para a questão que seria discu tida naquela reunião muito privada.

A defesa dos jesuítas por parte de Stato havia terminado; o que pas sou a fazer em seguida foi indicar sua disposição e sua capacidade de le var aquela luta sobre a Sociedade de Jesus diretamente à arena da estra tégia papal. De aumentar as apostas, em outras palavras.

Stato lembrou a todos os presentes que a sua função de secretário de

Estado de Sua Santidade exigia que ele mantivesse relações cordiais, embora não-oficiais, com os governos da União Soviética e do bloco orien tal. Eram relações, quando muito, tênues, é verdade. Mas aquilo era muito melhor do que a posição de outros governos em rela ção à fraternidade socialista soviética. A fim de manter aquelas relações, ele teria que se dis tanciar de qualquer declaração da Santa Sé que ofendesse aquela frater nidade. O aviso de Stato, sua ameaça de demissão e sua franca oposição, eram claros; e os outros sabiam que, por motivos próprios, João Paulo não queria provocar um pedido de demissão ou demitir Stato.

Stato garantiu a Sua Santidade e a seus veneráveis irmãos que nin guém

era essencial no vinhedo do Senhor, e que a decisão final cabia a Sua Santidade. Entretanto, até ali, Stato e seu cargo tinham sido de utili dade singular para a orientação e o fomento do Solidariedade por parte de Sua Santidade — em todos os aspectos daquele difícil caso, políticos e materiais.

Homens do nível daqueles presentes conheciam o papel de Stato em canalizar fundos do Banco do Vaticano através de canais neutros — com- panhias holding pertencentes ao Vaticano e a estrangeiros, por exemplo, e financeiras em países neutros nas quais o Vaticano detinha o controle acionário — para os cofres do Solidariedade que estavam sempre ficando vazios. A posição de Stato no Vaticano o tornava membro ex-officio da PECA, a Prefeitura de Assuntos Econômicos do Vaticano. A PECA to ma todas as principais decisões referentes ao movimento de fundos do Vaticano. João Paulo II, enquanto isso, como a maioria dos papas, não está a par da complicada rede de financeiras em países neutros e compa nhias holding dentro da ramificação do Banco do Vaticano. Estritamen te falando, Stato podia vetar qualquer deslocamento subrosa de fundos. E entretanto, se os planos atuais do pontífice dessem certo, haveria ne cessidade de muito mais dinheiro, e não menos, para o Solidariedade.

Stato tinha apenas mais um comentário a fazer. Sua cooperação com Sua

Santidade no último ano, na questão de fundos, havia adquirido um elemento de perigo. O governo italiano estava continuando sua investiga ção do escândalo que havia estourado no Banco Ambrosiano, de Milão,

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