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139 Desse cadinho de provação, auto-exame e angustiada ânsia por paz e luz,

surgiu em Iñigo de Loyola aquele equilíbrio de espírito e matéria, de mente e corpo, de contemplação mística e ação pragmática que desde então tem sido reconhecido como típica e especificamente “ina ciano”, para distingui-lo da espiritualidade de, digamos, São Benedito, São Do mingos, São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila.

Iñigo não desejava nada mais ardentemente do que conhecer o Cristo Ressuscitado em pessoa em seu corpo glorificado, e venerar c ada um dos ferimentos de Cristo — em suas mãos, seus pés, seu lado, beijar aqueles ferimentos e adorá-los, cobri-los com seu amor e sua adoração expressos por seus lábios, seus olhos e suas mãos. Ele havia descoberto aquele se gredo do misticismo cristão que o torna tão diferente do desencarnado quase antimatéria — misticismo dos budistas; um segredo que, na nossa era, tem escapado à mente e à experiência de homens muito mais ilustres, humanamente falando, tais como Aldous Huxley, Teilhard de Chardin o Thom as Merton.

Automaticamente, a promessa de Cristo foi cumprida: “Quem me vê, vê ao Pai.” Através da própria humanidade de Cristo, Iñigo foi introduzido no ser imaterial, eterno, da Trindade — aparentemente subindo, como Paulo de Tarso em seu êxtase fora do corpo, ao “Terceiro Céu”, para participar dos mais recônditos segredos da divindade para os quais a linguagem humana não tem palavras. Deus o Pai, o Filho, o Espírito Santo, como Três e como Um, admitiu Iñigo a uma intimidade da qual poucos mortais se apr oximam enquanto vivos nesta terra.

Essa característica de autêntica devoção cristã — ascensão a um espírito imaterial, Deus, através da humanidade de um homem de verdade, Jesus — é um obstáculo para a mente não-cristã. Mas é a pedra de toque pela qual se pode descobrir o que é autenticamente cristão ou não -cristão no torvelinho da religião de hoje.

Quando acabou de passar por todo esse trabalho do espírito e atin giu o equilíbrio que iria sempre marcar o método inaciano — equilíbrio entre espírito e matéria, entre contemplação dos mistérios divinos e im plementação do significado desses mistérios em atos concretos — Iñigo também havia terminado a organização de seu livro de Exercícios espirituais. Estava pronto, agora, para testar em ação seus ideais de se rviço no Reino. Suas categorias básicas de julgamento continuavam sendo as do início de sua vida: amor pelo líder, serviço no Reino, guerra contra o Inimigo no campo de batalha do mundo, recém-aberto, necessidade absoluta de educação total, e amor express o em serviço incondicional. Mas na sua conversão, aquelas suas antigas categorias foram preenchidas com ideais e dimensões totalmente diferentes.

O próprio Iñigo descreveu minuciosamente como via, agora, todas as coisas. O Inimigo era aquele “assassino des de o início”, Lúcifer, “o principal de todos os inimigos [que] convoca inúmeros demônios e os es palha pelo mundo inteiro para prender os homens com correntes [de pe cado]”. O Reino era “toda a superfície da terra habitada por tantos povos

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diferentes. (...) As Três Pessoas Divinas [da Trindade] olham com des prezo toda a extensão ou circuito da terra cheio de seres humanos (...) alguns brancos (...) alguns pretos (...) alguns em paz (...) alguns em guer ra, alguns chorando, outros rindo, uns com saúde, out ros doentes, uns chegando ao mundo, outros morrendo (...)”.

Aos chamados de Suas Mui Católicas Majestades, ele já não atendia mais. Era Cristo, o Líder Supremo, que agora o estava chamando, e “(...) como é muito mais digno de consideração Cristo Nosso Senh or, o Rei Eterno, diante do qual o mundo inteiro está reunido”.

A questão dominante para Iñigo, agora, se referia ao extremoso ser viço de seu novo líder, Cristo. De que modo ele poderia servir? E onde? Sozinho? Se não sozinho, então com quem? Como é que e le iria saber que serviço Deus exigia dele?

Em 1523, em busca de respostas, ele fez uma peregrinação a Jerusa lém. Quando voltou, havia se decidido: decidiu que o primeiro passo se ria tornar-se padre. Para isso, precisava estudar.

Começou seus estudos na Espanha, aos 33 ou 34 anos de idade; mas em 1527 conseguiu passar para a maior e mais renomada universidade de sua época, em Paris. Foi ali que decidiu ser chamado de Ignatius: a matrícula na Sorbonne era escrita em latim, e Ignatius era o equivalente lati no mais próximo do basco Iñigo.

A Universidade de Paris era umas das aproximadamente quarenta universidades da Europa na época. Tinha 40.000 estudantes em cinquenta faculdades. Era um centro de estudos e um viveiro de ideias revolucio nárias e teologia avançada. A escolha de Loyola, de ir para lá, foi uma decisão sábia e profética. Ele se mudou da vida intelectual comparativa mente protegida de Alcalá, Barcelona e Salamanca, onde começara seus estudos; foi atirado de cabeça no fermento que era a Paris daque la época. Lá, pode-se dizer, enfrentou pela primeira vez a nova mentalidade dos homens da Renascença. Essa era a mentalidade que estava lentamente se alienando do mundo medieval, à medida que se orientava de forma cada vez mais exclusiva para novos concei tos de homem, de sociedade e do cosmo.

A maioria daqueles que viam Inácio todos os dias no estreito “Beco dos Cachorros” entre as faculdades de Montaigue (onde ele estudava gra mática vulgar) e de Santa Bárbara (onde ele estudava teologia) não pode ria ter reconhecido o antigo fidalgo. Ele estava, agora, magérrimo, era um homem de aparência velhusca que usava uma comprida túnica preta e uma barba emaranhada e descuidada.

Tanto anteriormente na Espanha, como outra vez em Paris, ele fi cou sob suspeita de heresia e foi examinado pela Inquisição. Foi sempre absolvido, mas passou algum tempo na prisão. Estava, é claro, eterna mente sem dinheiro; durante três anos seguidos, fez visitas a Bruges, a Antuérpia e a Londres, onde conseguiu obter recursos de ricos come rciantes espanhóis.

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