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191 Meio, como a China era chamada, dava o exemplo no que se referia à cultura e

ao poder ao Japão, ao Sudeste da Ásia, à Indonésia e ao Tibet. O respeito pelo Império do Meio em sua cultura e seu poder imperial era tão grande, e a população de “chineses de além-mar” em todo o Extremo Oriente já era tão apreciada economicamente, que uma conversão da corte imperial de Pequim e seus súditos deveria provocar ondas de efeito em toda a região. Francisco Xavier, o primeiro missionário jesuíta no Ja pão, havia compreendido isso com seus convertidos japoneses; mas morreu esperando pela oportunidade de entrar no Império do Meio. A China era prêmio. Continua sendo, hoje em dia.

Uma das adaptações que os jesuítas fizeram no curso de suas tentati vas na China dizia respeito às cerimônias ou ritos chineses homenageando o imperador, Confúcio, e os antepassados dos chineses. Missionários anteriores tinham condenado esses ritos, classificando-os de pagãos e de irreconciliáveis com a cristandade. Os jesuítas pensavam o contr ário. Alegavam que os ritos em questão eram mal compreendidos por ocidentais que não entendiam bem a língua chinesa. Os jesuítas analisaram a composição e o significado de cada ideograma chinês usado pelos chineses para escrever o que entendiam por “veneração” e “ritos”. Parece que os adversários dos jesuítas nem mesmo entenderam os argumentos.

Ainda assim, os jesuítas continuaram na luta. Com base num estudo da língua falada e da língua escrita, provaram, disseram eles, que aqueles ritos não veneravam, de maneira alguma, o imperador, Confúcio, ou os antepassados dos chineses como divindades, mas apenas como o impera dor, como Confúcio o Sábio, e os antepassados de cada um dos chineses! Os chineses nunca iriam aceitar a cristandade se aqueles ritos fossem proibidos. Além do mais, alegavam os jesuítas, se esse elemento pudesse ser absorvido pela cristandade, a China inteira iria seguir o imperador ao entrar para a Igreja.

Durante mais de quarenta anos, a controvérsia campeou, com ho mens bons e dedicados, egoístas e ignorantes de ambos os lados da cerca. A atividade jesuítica em Roma em favor dos ritos só era igualada por contraconspirações e cabalas burocráticas contra eles na corte papal. Por fim, o papa Clemente XI baniu os ritos em 1704 e 1715, como fez o papa Benedito XIV em 1742.

O resultado imediato e de longo alcance foi a perda daquela magní fica oportunidade de abrir a China à conversão nacional ao catolicismo

— e com ela todo o Extremo Oriente foi perdido pela Igreja. Irromperam perseguições sangrentas e a população chinesa católica foi dizimada. Uma vez tomadas as decisões papais, no entanto, os jesuítas obedeciam, al guns com a mera obediência de execução, a maioria com a obediência da vontade, outros, certamente, com a obediência da compreensão. C om frequência, essa obediência custava a vida a muitos.

A decisão papal foi errada, como ficou demonstrado. Quase dois sé culos depois, em 1939, o papa Pio XII sancionou um decreto romano per mitindo que católicos tomassem parte naqueles mesmos ritos. O qu e era

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permissível em 1939 devia ter sido declarado permissível em 1704. Mas o ponto substancial de obediência ao papa era o fator de decisão para os jesuítas. A obediência não lhes proporcionava ganhos mundanos — seus inimigos, ao sentirem esse gosto do sangue dos jesuítas, estavam apenas estimulando o seu apetite para o golpe final que viria mais tarde na quele século. Mas para os jesuítas ela garantiu aquele substancial. Era isso, em última análise, tudo o que importava: que a Sociedade fosse fiel ao se u caráter, obediente ao papa, paciente quando condenada errada e injustamente. Portanto, à semelhança de Cristo.

O segundo acontecimento que testou o caráter jesuítico foi a supres são formal da Sociedade de Jesus por um ato oficial de um papa, Cle mente XIV. Na percepção tardia da história, o historiador de hoje tem pouca dificuldade em destacar os fatos proeminentes do acontecimento daquilo que ainda continua sendo intrigante e problemático.

Não há dúvida, na cabeça de ninguém, de que o impulso e a determ inação de varrer a Sociedade de Jesus da face da Terra tiveram apoio e intercessão muito fortes de poderosos membros da corte papal em Ro ma; apesar disso, porém, a estocada imediata e irresistível contra os je suítas partiu direta e principalmente e, como se viu, com sucesso, dos inimigos não -clericais, leigos, dos jesuítas.

Os atacantes da linha de frente foram os membros da família real dos Bourbon — todos católicos romanos — que ocupavam os tronos da Espanha, de Portugal, da França, de Nápoles e da Sic ília. O trono dos Habsburg da Áustria acompanhou os Bourbon, devido ao medo de ser excluído dos parceiros em casamentos reais. Os melhores desses parcei ros eram Bourbon ou dependentes dos Bourbon. Podemos achar difícil, no nosso mundo de duas enormes superpotências, os EUA e a URSS, imaginar aquele distante mundo da década de 1700. Mas o fulcro da riqueza, do poder e da cultura mundiais situava -se no antigo coração da Europa Cristã — precisamente aquelas áreas dominadas pela “família dos irmãos Bourbon”.

Também é historicamente certo que a “família” tinha feito o “Pac to”, como era chamado: um acordo entre eles para agirem em uníssono em assuntos que afetassem a todos. Por algum motivo, a existência da Sociedade de Jesus afetava a todos, garantiam eles, de forma adversa. Eles tinham que se livrar da Sociedade. Os ganhos econômicos ou finan ceiros da “família” com uma supressão geral da Sociedade foram insignificantes. Da mesma forma, não houve nenhum ganho político substancial com aquela supressão. Resta -nos o desejado triunfo de alguma ideologia como o fator instigante por trás da determinação da “família” em acabar com os jesuítas.

A razão para a decisão letal daqueles inimigos é intrigante, a menos que admitamos como razão a existência de alguma hostili dade profunda para com a Igreja Católica Romana e sua principal defensora e baluarte na época — a Sociedade de Jesus. A hostilidade só podia ser ideológica.

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