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95 contra a censura invadiu a imprensa e o rádio sandinista e os meios de

comunicação dos Estados Unidos e da Europa, sem falar nas publica ções religiosas simpáticas ao movimento.

Parecia que o papa João Paulo ainda tinha esperanças de poder corrigir o que, em sua opinião, havia de errado na ordem jesuítica, e que a própria sociedade, naquele caso, voltaria a exercer o controle não só de homens como Fernando Cardenal e Alvaro Arguello na Nicarágua, mas do enorme quadro dos chamados “homens do papa” pelo mundo inteiro que se haviam colocado, de forma tão resoluta, contra esse papa e, na verdade, contra o conceito mesmo de papado na Igreja Católica.

De qualquer modo, em princípios de 1982, o superior -geral jesuíta temporário, Paolo Dezza, se reunia com os super iores provinciais de to das as partes do mundo na Villa Cavaletti, uma casa jesuíta fora de Ro ma, na colina Albanas. Os quatro assistentes -gerais — Vincent O’Keefe,

Horacio de la Costa, Parmananda Divarkar e Cecil McGarry — sugeriram a Dezza que seria uma boa ideia pedir uma audiência com o papa aquela altura, em nome dos superiores provinciais da Sociedade que esta vam reunidos na Villa Cavaletti.

Era ponto de vista corrente entre os assistentes — expresso, com ha- bilidade, e em particular, por O’Keefe — que a principal dificuldade de João Paulo II era o seu passado. Antes de ir para Roma como papa, Karol Wojtyla fora bispo, bem-sucedido e eficiente, é verdade, mas ainda assim limitado a uma diocese, a Cracóvia, na Polônia. No estilo tradicio nal dos bispos da velha escola, e em especial dos bispos da Polônia, o arcebispo Wojtyla se tinha acostumado à obediência instantânea de seus padres e freiras num simples estalar de dedos. Como papa, na opinião de O’Keefe, Wojtyla ainda se portava com aquela mentalidade de bispo. Wojtyla precisava entender que a Igreja universal não era apenas uma versão maior da tradicional e submissa diocese polonesa, e que “papar” não era o mesmo que “bispar”. Portanto, qualquer chance de abrir os olhos do papa polonês tinha que ser aproveitada.

A audiência foi marcada para o dia 27 de fevereiro de 1982, no Vati cano. Na manhã daquele dia, antes da audiência, Pedro Arrupe, que se recuperava o suficiente para se deslocar lentamente com auxílio, e os pro vinciais celebraram a missa na igreja do Gesù. A homilia de Arrupe du rante a missa, lida por outro, estava repleta de todas as palavras empoladas o fórmulas com as quais Arrupe havia coberto seu caminho de quinze anos de oposição a ordens papais e de divergência da doutrina papal. Arrup e elogiou “a plena e filial obediência” com que os jesuítas tinham aceitado a intervenção do santo padre no governo da Sociedade, e exortou seus colegas jesuítas a obedecerem, não apenas fazendo o que o papa dizia, mas fazendo aquilo “com alegria”.

Quando a missa terminou, o grupo atravessou a pé a praça de São Pedro em direção ao Vaticano e se reuniu na hora marcada para a chega da do papa. Foram deixados esperando durante uma hora, enquanto João Paulo conversava com o presidente francês François Mitterran d.

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Quando João Paulo chegou, saudou Arrupe com grande cortesia, dirigindo-se a ele como “Caríssimo padre generale!” João Paulo leu um discurso de dezoito páginas que começou em italiano, passou para o fran cês, depois para o inglês e terminou em espanhol.

Em muitos aspectos, João Paulo usou luvas de pelica; mas do ponto de vista da liderança da Sociedade, as coisas não se saíram muito bem.

As implicações do discurso foram ameaçadoras e recriminadoras, e evidentemente visavam a todos os 26.622 membros da Or dem. Três quartas partes do discurso (as seções em italiano, francês e inglês) disseram claramente à plateia do pontífice aquilo que ela devia e não devia fazer, bem como as intenções e desejos do papa em relação a ela. Ele deixou claro que “(•••) Não há espaço para desvios (...)” e que, “Já que o pontí fice romano é um bispo e o chefe da hierarquia, os jesuítas devem ser obedientes tanto aos bispos quanto ao papa, chefe de todos os bispos”.

Quanto à vocação jesuíta em si, o papa tinha bastante coisa a diz er. “Os métodos dos religiosos não seguem os cálculos dos homens. Eles não usam como parâmetros o culto do poder, da riqueza, ou da política. (...)” Os únicos jesuítas que o papa iria tolerar seriam aqueles que agissem se gundo as tradições das quais a Soc iedade não se afastara antes durante mais de quatrocentos anos. “Sua atividade própria não está no reino tem poral, nem naquele que está no campo de ação dos leigos e que tem que ser deixado a cargo dos leigos.” Atenham-se às várias formas do apostolado tradicional, disse-lhes ele. E às regras tradicionais jesuíticas. Na So ciedade, não reduzam o período de treinamento.

As tradições jesuíticas que eles deveriam preservar eram dedicação ao papado e propagação das crenças católicas romanas tal como defendi das pelo papado. “Santo Inácio era, em todos os casos, obediente ao Trono de Pedro. (...) Os superiores não devem abdicar de seu dever de exercer a autoridade e de aplicar sanções contra membros rebeldes (...).”

João Paulo traçou então, em palavras sucintas, um retrato do que deveria ser o caráter jesuítico clássico. Se alguém entre os que o ouviam ainda sabia o que Inácio fundara como uma Ordem, as palavras do papa devem tê -lo penetrado como uma espada de arrependimento amargo pela glória que a Sociedade já possuíra e pelo ideal que os jesuítas haviam cria do. “Bispos e sacerdotes”, disse João Paulo, “costumavam ver a Socie dade como um autêntico e, por isso, seguro ponto de referência para o qual se podia voltar a fim de encontrar certeza de doutrina, julgam ento moral lúdico e de confiança, e alimento autêntico para a vida interior.” O papa fez uma pausa para erguer o olhar, tendo nos olhos um bri lho de intenção, apelo e esperança, uma espécie de gesto físico para sublinhar o que iria dizer em seguida. A So ciedade, disse João Paulo, poderia atingir outra vez aquele ideal inaciano, mas só através da “leal fidelidade ao magistério da Igreja e, em particular, do pontífice romano ao qual eles estavam ligados pelo dever”.

Na última quarta parte de seu discurso, d ita em espanhol, João Pau lo finalmente se declarou a favor de permitir que os delegados jesuítas

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