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143 uniforme e funcionando com perfeição? Aquela “uniformida de”, na mente de

Loyola, dizia respeito à uniformidade com os desejos e intenções do papa; e “funcionamento com perfeição” significava a exe cução exata das instruções do papa no espírito de Cristo. Como garantir isso tudo nas circunstâncias dissipadoras, com as grandes distâncias e o tempo necessário para se comunicar a distâncias assim tão grandes?

Sabiamente, Iñigo iniciou uma discussão desse problema com o seu grupo básico de sete homens: “Seria, ou não, mais vantajoso para o nos so objetivo ficarmos tão unidos e ligados em um só corpo que nenhuma distância física, não importa qual seja, nos separasse?” Foi esta a ques tão que eles debateram juntos.

Sob sua liderança, a decisão unânime de todo o grupo era perfeita mente coerente com a solução de Iñigo: obediência absoluta. A decisão foi de que eles, em conjunto, iriam colocar -se à disposição do papa pa ra qualquer missão em qualquer parte do mundo, fossem quais fossem as condições, a qualquer hora, por mais curto e desagradável que fosse o aviso.

O primeiro princípio, então, era uma obediência incondicional a quem quer que fosse o papa, como ao próprio C risto. Obediência tão passiva e tão disponível, nas palavras de Iñigo, “quanto a bengala de um velho ou quanto um cadáver”. Eram estas as imagens dramáticas que ele usava para transmitir, com a clareza que lhe era humanamente possível, a sua definição de obediência absoluta.

Essa orientação papal sem igual era, na verdade, a “missão” da So ciedade no seu sentido mais amplo, mais pleno e mais prático.

Iñigo colocou por escrito aquela proposta de unidade corporativa de seu novo instituto em absoluta obediênci a ao papa, e intitulou-a Fórmula do

Instituto, ou Primeiro Esboço da Instituição que ele e seus compa nheiros

desejavam fundar. Essa Fórmula esboçava a estrutura fundamental da organização e autorizava a redação de leis e estatutos detalhados. Pos - teriormente, estes seriam redigidos por Iñigo e seriam chamados de as

Constituições da Ordem dos Jesuítas.

Por enquanto, porém, a única tarefa que faltava era obter a aprova ção papal para aquela Fórmula. Só com essa aprovação é que eles pode riam tornar- se uma ordem religiosa católica.

No terceiro parágrafo da Fórmula, Iñigo descreveu a mentalidade e a atitude que ele imaginava — na verdade, exigia — para o jesuíta. É uma descrição que tanto os amigos como os inimigos dos jesuítas teriam reconhecido prontamente co mo um retrato perfeito do jesuíta que o mundo inteiro conheceu até às décadas dos sessenta e dos setenta deste século:

Todos aqueles que exercerem a profissão nesta Sociedade deverão com preender, na época de sua admissão, e além do mais ter em mente enqua nto viverem, que esta Sociedade e os membros individuais que nela exercem sua profissão estão em campanha em favor de Deus, sob fiel obediência a Sua Santidade o papa Paulo III e seus sucessores

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no pontificado romano. O Evangelho, de fato, nos ensina e sa bemos, pela fé ortodoxa, e sustentamos firmemente, que todos os fiéis em Cristo estão sujeitos ao pontífice romano como seu chefe e como o vigário de Jesus Cristo. Mas apesar de tudo julgamos que o procedimento a seguir será sumamente proveitoso para cada um de nós e para quaisquer outros que venham a adotar a mes ma profissão no futuro, para o bem de nossa maior devoção em obediência à Sé Apostólica, da maior abnegação de nossa vontade própria e de uma direção mais segura por parte do Espírito Santo. Além daquele vínculo comum dos três votos, deveremos estar obrigados, por um voto especial, a exe cutar o que quer que o atual e os futuros pontífices romanos nos pos sam ordenar que se relacione com o progresso das almas e com a propagação da fé; e a ir, sem subterfúgio ou desculpa, tanto quanto for possível, para quaisquer províncias a que eles decidam nos mandar.

Obediência ao papa — de fato, nada menos do que um voto especial obrigando os jesuítas a fazerem o que o papa quisesse, em qualquer região do mundo —, assim se resumia um jesuíta desde o início. E assim nasceu o que pode corretamente ser chamado de jesuitismo, a completa submis são de tudo o que um homem é, pensa, sente e faz, a um ideal prático atingível no mundo que o cerca, em absoluta obediência e submissão à mente e às decisões do papa romano, o vigário de Cristo.

A mais preciosa cena na fiel memória jesuítica é plena de realidade e desejo devoto. Ela nos mostra um papa sentado numa cadeira de espaldar alto e cercado por onze homens ajoelhados: Iñigo e seus dez companheiros foram obter a bênção do papa para a sua “Companhia”. Naquele época e naquele ambiente, os rostos daqueles onze homens eram estra nhamente novos. Cada rosto era asceticamente magro e, no entanto, na da tinha do tradicional aspecto “monacal” ou “clerical”. Aqueles homens estavam, na nossa expressão moderna, prontos para viver na selva de pedra. Sabiam o que se passava no mundo à sua volta.

Foi na manhã de 27 de setembro de 1540, num salão de recepções particular do Palácio dos Pa pas na colina Vaticano, em Roma. O papa era Paulo III, um Farnese dos nobres Farnesi e romano da gema; 73 anos de idade; seis anos no Trono de Pedro. Era esguio, de altura mediana, pele clara, olhos negros pequenos e vivos, um comprido nariz aquilino, a te sta franzida do intelectual e uma barba grisalha cheia. Na cabeça, o camauro papal, um chapéu vermelho. Uma brilhante estola escarlate, a mozetta papal, cobria-lhe os ombros, e por baixo dela percebia-se o belo traje papal de cetim. Sua voz tinha tom grave e seus movimentos eram lentos. Com a mão comprida e magra, ele apresentou um documento que acabara de assinar.

Iñigo de Loyola, de nariz aquilino, rosto magro, baixo e quase care ca, ergueu-se e se adiantou para apanhar o documento da mão do papa. Como os outros dez, ele usava uma batina limpa, surrada, preta. Sua perna direita estava deformada e ele mancava ao andar. Curvou -se sobre um dos joelhos, beijou o anel papal e apanhou o documento da mão do pa pa.

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