• Nenhum resultado encontrado

57 acumulado na outra ponta Os cinco sacerdotes em nível de ministro, inclusive

os dois jesuítas e seus superiores locais, responderam aos bispos com evasivas. Sim, quando chegasse o momento eles iriam deixar o governo, quando isso não provocasse nenhum desvio no caminho de avanço da revolução cristã da Nicarágua.

A insistência continuada e repetida, por parte dos al tos funcionários romanos do papa ou dos bispos nicaraguenses, não conseguiu demover os padres de seus cargos políticos. Tampouco João Paulo conseguiu que o geral jesuíta Arrupe, em Roma, invocasse a obediência religiosa para fazer com que Fernando Cardenal pedisse demissão, ou convencer o geral superior dos Maryknoll a retirar o padre Miguel D’Escoto Brockman, o maquiavélico ministro das relações exteriores da Nicarágua.

Parecia, isso sim, que a linha a ser seguida em lugar dos desejos e exigências papais era aquela traçada no número de julho de 1980 da re vista da Missão Maryknoll — um elogio aos “padres que pegam em armas e a outros que aderem à causa daqueles que acham que só o sangue irá redimir a América Central”.

Desde o começo dessa luta com o papa, o jesuíta Fernando Cardenal foi tão essencial quanto tinha sido na própria luta sandinista, mais am pla. Por seus superiores em sua Ordem, pelos jesuítas em geral, e por muitos não -jesuítas e leigos da Nicarágua, dos Estados Unidos e da Europa,

Cardenal era considerado como há muito tempo os sandinistas o consi deravam: um modelo para todos os sacerdotes do século XX, um homem inteiramente dedicado a corrigir a injustiça cometida pelos ricos, os capi talistas, contra os pobres de Cristo.

A luta que desenvol via com Roma deixava Cardenal no seu elemen to. Ele estava mais do que preparado para o desafio. Não sendo um desa jeitado opressivo como seu irmão Ernesto, Fernando Cardenal era um “marxista de classe” esperto, atraente e persuasivo, um “comunista de salã o”, na descrição que os franceses faziam do seu gênero. Sabia con versar francamente com Fidel Castro em pé de igualdade, e com a mesma facilidade falar com o poderoso secretário de Estado do Vaticano, car deal Agostino Casaroli — e em cada caso se retirar levando o que queria.

Não que o secretário de Estado Casaroli não estivesse disposto a acei tar os protestos de boa fé de Fernando Cardenal. Ele tinha suas razões políticas e ideológicas muito verdadeiras para mostrar apoio aos sandi nistas e, mesmo, a todos os latino-americanos que concentravam seus es forços no sentido de casar marxismo e catolicismo.

Casaroli adquirira sua experiência diplomática no Secretariado de Es tado do Vaticano à época de Pio XII e João XXIII. Foi ele um dos arqui tetos originais da Ostpolitik, a política do Vaticano para com os estados comunistas europeus orientais e a União Soviética, que começou mesmo durante a II Guerra Mundial com a tentativa de reaproximação com a Rússia de Stalin. Casaroli, juntamente com o futuro Paulo VI (então arcebispo), levara o Vaticano do papa João XXIII a fazer um pacto secreto com o Politburo de Moscou: as autoridades da Igreja Católica Romana

58

não iriam denunciar formalmente a URSS, seu ateísmo, ou o seu marxis mo. A preservação daquele pacto er a a primeira regra de comportamento diplomático de Casaroli.

Em consequência, o primeiro e mais básico princípio de política ex terna de Casaroli, como secretário de Estado do Vaticano, era claro: não mostrar, por palavras ou ações, quaisquer opiniões que condenassem a União Soviética e o marxismo-leninismo sobre o qual ela se ergue, ou os estados dependentes e representantes da União Soviética.

Que os sandinistas eram protegidos da União Soviética e que seus líderes professavam o marxismo, foi um fato que não passou despercebi do por Casaroli. Já em julho de 1979, imediatamente em seguida à derru bada de Luis Somoza pelos sandinistas, Casaroli transferiu o núncio papal de Manágua — monsenhor Gabriel Montalvo, que durante muito tempo se identificara com Somoza — e substituiu-o por um jovem encarregado de negócios, o reverendo Pietro Sambi, que passara três anos em Cuba e acreditava expressamente que a Igreja devia ter tomado parte ativa na revolução.

Os conhecimentos de Casaroli sobre as questões nicaraguense s, bem como sobre todas as realidades geopolíticas, eram muito profundos. Não há como ele — ou, na verdade, o geral Pedro Arrupe — não ter tido ciência dos pactos secretos assinados entre os sandinistas da Nicarágua e Mos cou em 1980. Tampouco poderiam el es ter ignorado as combinações feitas entre a Junta nicaraguense e Fidel Castro, de Cuba, durante a visita deste a Manágua em julho de 1980. Aquela visita foi feita ostensivamente para celebrar o primeiro aniversário da revolução sandinista, mas seus resul tados mais concretos foram os entendimentos abrangendo questões como

o embarque de armas, a transferência de jovens nicaraguenses para Cu ba, a fim de serem doutrinados, a nomeação de comissários cubanos pa ra supervisionar a pureza da ideologia marxista nas forças armadas nicaraguenses, e a coordenação com forças guerrilheiras treinadas no mar xismo e já em operação nos estados vizinhos centro-americanos de El Salvador e Guatemala.

De fato, a partir da época da visita de Castro, a Junta da Nicarágua começou com a sua conversa pública e triunfante de “revolução aberta em todos os países da América Central”.

Se fosse necessário um testemunho eloquente do apoio do cardeal secretário de estado à Junta — inclusive aos sacerdotes que dela partici pavam — este testemunho surgiu em abril e se repetiu em outubro de 1980, quando Casaroli recebeu o padre Ernesto Cardenal e membros da Junta sandinista no Vaticano e expressou a sua “compreensão do processo re volucionário na Nicarágua e sua importância para toda a Amér ica Central e Latina”.

Com a inspiração e o apoio de poderosas figuras romanas como o secretário de Estado e o geral jesuíta, jesuítas dentro e fora do governo da Nicarágua continuaram a pleno vapor com sua colaboração com a re volução nicaraguense e com as políticas marxistas-leninistas da Junta às

59

Outline

Documentos relacionados