• Nenhum resultado encontrado

89 não reconheciam “o dedo de Deus nessa medida administrativa” Eles

estavam “chocados com a falta de confiança dele” em relação ao padre Arrupe. A atitude de João Paulo “é parte de nossa experiência que nos diz que nem mesmo a mais alta autoridade da Igreja está imune a erros”. E então veio a ameaça de retaliação por meio de uma revolta. “A Santa

Sé só é superiora da Sociedade dentro da estrutura das Constituições aprovadas pela Santa Sé. Portanto, a interferência de Vossa Santidade põe em dúvida fundamental a nossa lealdade a Jesus Cristo e à Igreja.” Em outras palavr as, se Vossa Santidade violar as Constituições, nós nos sentiremos à vontade para desobedecer a Vossa Santidade.

É claro que, como acrescentou outro jesuíta romano, não se discutia qualquer erro por parte de Arrupe. “Este ato mais recente contra os jesuíta s envolve a submissão do [cardeal] Baggio e do [cardeal] Lopez Trujillo às empresas multinacionais e seus amigos do Opus Dei.”

Houve, de fato, verdadeiros rios de tinta jesuítica despejados em qui - lômetros de papel. Provinciais, professores de teologia e a tivistas escreviam para dizer uns aos outros que estavam “zangados” com a nomeação, por João Paulo, da equipe Dezza-Pittau, e que estavam “lutando” para dominar aquela raiva. Em publicações jesuíticas, editoriais e mais cartas anula atacavam o papa, o Vaticano, a Igreja “institucional”, e o govern o e o sistema econômico dos Estados Unidos e da maior parte do mun do livre. “Este caso assinala o repúdio papal à leitura liberal do Vaticano

I (...) Como dizem lá no Oeste, a Sociedade é um espinho sob a sua e l a . (...) Esta tentativa de sequestrar a Sociedade. (...)” E iam por aí afora

os comentários dos jesuítas.

O Conselho de Superiores Máximos, do qual Arrupe fora o chefe indiscutível e que foi assumido pelo mestre -geral dominicano, Vincent De Couesnongle, planejou fazer o seu vigoroso protesto ao Vaticano. Se o papa podia arrancar Arrupe do cargo, poderia fazer o mesmo com o che fe de qualquer outra Ordem.

Quando Dezza e Pittau enviaram um documento à Sociedade toda dando algumas diretrizes iniciais e bem anódin as para o que chamavam de “renovação”, o alarido foi mais uma vez ensurdecedor. Os superiores das províncias de Chicago e Maryland, da Sociedade, expressaram sua raiva em termos que pouco deixavam à imaginação. Um destacado superior jesuíta da província de Chicago, homem já conhecido como violen tamente antipapal e anti-Igreja “institucional”, ridicularizou a ideia de voltar à formação religiosamente rigorosa de jovens jesuítas. “Não podemos voltar ao monasticismo.”

Enquanto isso, a observação mais favorável divulgada pelos jesuítas sobre o velho padre Dezza era a de que ele era antiquado. O epíteto mais brando usado para ele pelos seus estarrecidos colegas era “o Cossaco”.

Por toda a crítica amarga e todas as objeções irrestritas à ação papal corria uma igualmente irrestrita exigência de que aqueles que reagiam com tanta violência e que com tanta arrogância criticavam o papa deviam fi car imunes a todas as críticas contra eles próprios. Aqueles que não de ram

90

importância, jesuítas ou não-jesuítas, àquela exigência arrogante, e condenaram os atos rebeldes dos jesuítas que estavam no comando, fo ram imediatamente cercados, virtualmente afogados numa violenta onda de reclamações cm altos brados e depois enterrados sob as reclamações contra a supressão da “dissidência democrática” na Igreja.

Enquanto isso, Stato, que estava ali há muito mais tempo e havia suportado mais provações do que a maioria dos jesuítas, tinha experiên cia suficiente para sentir certo consolo mesmo naquela mais amarga das situações. Ele achava que Dezza e Pittau, cada qual por motivos muitíssi mo diferentes, iriam solucionar a “dificuldade” com o papa João Paulo

I sem qualquer alteração substancial no status quo.

À primeira vista, a escolha de Dezza parecia ótima do ponto de vista papal. Sua idade, sua associação com Pio XII, sua ficha de religioso obe diente, sua devoção à Santa Sé, seu papel como confessor dos papas Pau lo VI e João Paulo I, tudo augurava bons resultados. Pittau, enquanto isso, era escolha do próprio Dezza e, segundo se dizi a, era amigo de João Paulo desde a visita do papa ao Japão. Inconscientemente, porém, João Paulo havia escolhido dois homens que, por mais que quisessem, não po deriam fazer o que ele queria quanto à Sociedade de Jesus.

Em sua idade avançada, Dezza era um jesuíta leal até à medula. E era a encarnação da romanità. Na verdade, ele absorvera a romanità como se ela lhe tivesse penetrado pelos poros. Para ele, o principal objetivo numa instituição como a Santa Sé, onde a realidade dominante é uma realidade “pol ítica” — o poder papal —, era observar os esperados “rituais” e “formas” que davam à

romanità a sua fachada segura. As palavras certas, a necessária declaração de

propósito, a repetição oficial de fórmulas sobre fé e padrões morais — eram estes os ingredientes da reconciliação e da paz. Por outro lado, todo e qualquer

sinal de desentendimento, rebelião, revolta, ou independência era

desnecessário e de rematada estupidez.

Lealdade jesuítica, aliada ao domínio total da romanità, é uma combinação eficaz. Na análise de Dezza, nada havia de errado com a Socie dade como um todo. Não poderia haver. Dezza nem podia pensar que uma reforma dos padrões morais e uma alteração da concepção teológica dos superiores jesuítas e intelectuais pudessem ser necessárias. Se os jesuítas tinham encontrado “dificuldades” junto a Sua Santidade, era por que algum imbecil, em algum lugar, violara os planos gerais de organi zação, aceitos, pecara “politicamente”, deixara de perceber e entender que, para Roma, autoridade é poder — como deve acontecer com toda autoridade espiritual autêntica. Em suma, alguém não conseguira entender o supremo valor “político” das relações jesuíticas com o papa e com o mundo exterior.

Para Dezza, então, como para a grande maioria dos superiores má ximos jesuítas, não havia problema ou dificuldade real, na Sociedade, quanto à doutrina da fé, ao voto de obediência ao papa ou aos ensina mentos morais da Igreja. A verdadeira tarefa de Dezza — e de qualquer

91

Outline

Documentos relacionados