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97 se reunissem — após a devida preparação —, a fim de elegerem um novo

padre-geral. O mecanismo da preparação poderia começar em 1982.

A reunião toda, inclusive o discurso papal e as formalidades, durou cerca de 75 minutos. Mais ou menos 65 desses minutos foram um esforço perdido. A última parte do discurso de João Paulo — a permissão papal para que eles convocassem a XXXIII Congregação Geral da Sociedade era tu do o que a maioria da audiência do pontífice queria ouvir. Eles teriam permissão para elegerem o seu jesuíta-geral. As coisas poderiam voltar ao normal. Os provinciais e os superiores romanos atravessaram de volta a praça de São Pedro em direção ao Gesù, e a satisfação reinava entre eles. A espera obstinada, paciente, valera a pena.

Por quanto tempo o papa João Paulo manteve sua atitude esperan çosa de que a Sociedade de Jesus fosse finalmente voltar àquelas tradi ções que ele lhes apontara, não há muita certeza. O que é certo é que tudo o que ele dissera de referência a questões religiosas e espirituais foi inter pretado por Dezza, pelo assistente deste, Pittau, pelos assistentes -gerais e pelos superiores provinciais à luz daquele ponto de vista político mu ito especial adotado por eles. Aquele ponto de vista lhes dizia que aquilo que o santo padre realmente estava lhes dizendo era esplendoroso: “Eu tive que agir de maneira um tanto assustadora, exonerando Pedro Arrupe e Vincent O’Keefe. Mas agora que estamos juntos, as coisas vão muito bem.”

Em outras palavras, ainda não havia o reconhecimento e, apesar do discurso muito claro do pontífice, talvez nem consciência, por parte dos jesuítas que o ouviram naquele dia, de que João Paulo II estava falando sobre falhas graves da Sociedade; nenhuma ideia de que o pontífice esta va dizendo, com a delicadeza que lhe era possível: “Vocês estão errados. Cometeram erros graves. Têm que corrigir o seu curso.” Muito pelo con trário, na verdade. O que parecia preocupar muitos dos superiores provinciais que o ouviam era que João Paulo parecia dar a entender que eles teriam que obedecer aos bispos locais. “Isso quer dizer que temos que obedecer a bispos conservadores?”, reclamou um provincial na intimida de do Gesù.

A melhor resposta à pergunta foi dada, provavelmente, a um jorna lista que, bem-humorado, perguntou a um dos assistentes -gerais jesuítas se “vocês acabaram por se render ao papa?” A resposta veio com um sorriso: “Não acredite nisso!”

Logo que os delegados provinciais voltaram a seus lares jesuíticos no mundo inteiro, as informações oficiais eram de que com a sua manei ra papal, peculiarmente polonesa e “episcopal”, João Paulo havia “pe dido desculpas” e “dado satisfações” pelo seu ato extraordinariamente “impróprio par a um homem da Igreja” de exoneração de Arrupe de mo do tão precipitado.

O padre jesuíta Gerald Sheehan, um americano que morava em Ro ma e assessorava superiores romanos sobre jesuítas americanos, chegou mesmo a declarar delicadamente que João Paulo havia reconhecido que

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fora mal informado pelos inimigos da Sociedade, e que agora percebia como estavam erradas as informações que recebera. Os jesuítas já não precisam mais ficar zangados com o santo padre.

“Foi uma satisfação termos vindo aqui”, comentou um p rovincial com um jornalista, “e termos ouvido o papa. Agora, vamos voltar para casa e ficar em silêncio durante algum tempo, evitando quaisquer gestos, publicações ou críticas espetaculares ao papa. Mais tarde, iremos eleger o geral de nossa escolha. E nada mudará.”

A ideia fixa revelada nessas observações e em outras semelhantes pre - pararam o terreno para que os jesuítas abertamente tradicionalistas e or todoxos que vinham lutando contra as modificações na Sociedade pudes sem, agora, levar a culpa pela “má informação”. Enquanto isso, os superiores sabiam, agora, como evitar a provocação de novas explosões pa pais. A ordem do dia seria: “Vão com calma, mas com um pouco mais de ‘sensibilidade política’ do que aquela que usamos na gestão de Arru pe.” A Sociedade, em si, tinha sido absolvida.

Um dos assistentes-gerais havia resumido tudo de forma incisiva, quando o grupo saíra da audiência com João Paulo. Perguntado sobre o que achava, ele respondeu com um sorriso satisfeito: “Acqua passata.” Todas as dificuldades e todas as palavras que eles tinham acabado de ouvir eram “água por baixo da ponte”, que se fora para sempre.

Não era de admirar, então, que Fernando Cardenal e os outros je suítas e sacerdotes que seguiam sua orientação na Nicarágua não vissem necessi dade de deixarem seus cargos.

Por mais que as esperanças de João Paulo para com a Sociedade de Jesus possam ter diminuído ou crescido depois do encontro de 27 de fevereiro, era evidente que o papa não estava disposto a ficar sentado e esperar, ou a se abster de uma ação mais direta no país vital que era a Nicarágua. Tendo perdido o Solidariedade, ele não podia se dar àquele luxo, se a es tratégia “de força” de seu papado quisesse conseguir um ponto de apoio.

Numa carta aos bispos nicaraguenses datada de 29 de junho, João Paulo denunciou a “Igreja Popular” em termos ásperos e precisos. Essa igreja “nascida do povo”, disse ele citando os fundadores clérigos da Ni carágua, era uma nova invenção que era “absurda” e tinha um “caráter perigoso”. Só com dificuldade, continuou João Paulo, ela poderia evitar ser infiltrada por “conotações estranhamente ideológicas seguindo uma linha de certa radicalização política, para atingir determinados objetivos.

Os líderes sandinistas e seus colegas do clero entenderam perfeita mente o que aquela linha de “radicalização política” representava na mente do papa. A decisão da Junta, por isso, foi abafar a carta, não permitindo que se desse publicidade a ela.

Uma vez, porém, os bispos nicaraguenses conseguiram frustrar a Jun ta por meio de uma ruidosa manipulação da máquina de propaganda da própria Junta. Tão logo a carta se tornou pública, a reação da Junta foi

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