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195 Para garantir o financiamento de que precisava para a missão, La Valette havia

utilizado crédito comercial a fim de realizar gr andes empreendimentos comerciais. Ao fazer isso, infringiu as regras explícitas da Sociedade. Ainda em 1751, superiores jesuítas tinham reiterado a proibi ção de que jesuítas participassem de qualquer negócio como chefe ou só cio. O próprio Inácio havia estabelecido essa proibição.

Chegou o dia em que ele não pôde pagar às companhias de crédito, em especial uma firma comercial de Marselha cujos prejuízos a débito dele somavam 2,5 milhões de francos. O superior provincial francês e o padre -geral, Lorenzo Ricci, recusaram-se a pagar as dívidas de LaValette, alegando que ele violara as regras da Sociedade e, portanto, que a So ciedade não era responsável.

Foi uma tática errada. A firma levou a Sociedade aos tribunais, ale gando que ela era responsável. O tribunal decidiu em favor da firma querelante. Os jesuítas apelaram, como era de seu direito, ao Parlement francês.

Este foi o segundo erro grave. O Parlement não apenas decidiu con tra a Sociedade no caso LaValette; recomendou e decidiu, no dia 6 de agosto de 1762, que a Sociedade fosse expulsa da França como incompa tível com o bem- estar do estado. É óbvio que por trás daquela decisão havia mais do que a dívida de LaValette. O consentimento do rei Luís XV foi obtido — principalmente, dizem, porque sua amante, madame marquesa de Pompadour, tivera recusada a Santa Comunhão pelo confessor do rei Luís XI, padre Perusseau, e ela nunca esquecera aquele desrespeito à sua honra. Foi Pompadour que venceu os escrúpulos de Luís quanto à assinatura do decreto. O decreto do Parlement tornou-se lei. Os jesuítas fecharam todas as suas escolas, casas e igrejas. Alguns ficaram na França na clandestinidade. Outros foram para o exílio.

Uns meros seis anos depois, numa só noite entre 2 e 3 de abril de 1767, todas as casas, colégios, residências e igrejas pertencentes aos jesuí tas em toda a Espanha e nos domínios espanhóis na América foram inva didas por tropas reais espanholas. Cerca de 6.000 jesuítas foram presos, amontoados como arenques nos porões de navios de guerra espanhói s, e transportados para os estados papais na Itália, onde foram descortesmente despejados nas praias, estivessem eles vivos, morrendo ou já mor tos. Toda a operação espanhola, que exigiu mais de catorze meses de planejamento, foi um triunfo do segredo burocrático e da precisão militar.

Pouco depois, os reinos dos Bourbon de Nápoles e Parma fizeram o mesmo e, ainda mais tarde, a Áustria também. Todos expulsaram os jesuítas e confiscaram seus bens. Só restava, agora, a Sociedade ser liqui dada pelo papado.

Quando um conclave papal de cardeais se reuniu em 1769 para ele ger um novo papa, a “família” dos Bourbon deixou claro que só aceita ria como papa alguém que garantisse liquidar os jesuítas. O cardeal Lorenzo Ganganelli deu sua garantia quanto a isso aos emb aixadores das cortes reais de Suas Majestades. Foi eleito como papa Clemente XIV.

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Foi exercida, então, uma pressão direta sobre o papa Clemente XIV para que cumprisse a promessa que fizera como condição para receber o apoio dos príncipes Bourbon à sua eleição. Ele acabou concordando, fechando o seminário da Sociedade em Roma em 1772, depois todas as casas e igrejas nos estados papais e, finalmente, divulgando um documento papal intitulado Dominus ac

Redemptor, em 21 de julho de 1773, que eliminava por comp leto a Sociedade de

Jesus. “A Sociedade de Jesus já não está em condições de produzir aqueles ricos frutos e notáveis vantagens para os quais foi instituída É “inteiramente impossível manter uma paz verdadeira e duradoura dentro da Igreja enquanto essa Ordem existir. (...) Pelo presente, extinguimos a Sociedade de Jesus (...)”.

Não podia haver dúvidas quanto à obediência ao édito papal. A sim ples obediência de execução foi imposta pela força das armas. Mas os je suítas praticavam a obediência da vontade. Aceitaram, fiéis até mesmo naquela situação extrema ao caráter de sua Sociedade, a extinção; não fingiram ser ainda uma Ordem de homens chamada de Sociedade de Je sus. Os jesuítas da Europa que foram dispersados agrupavam-se, então, em núcleos que recebia m novos nomes — a Sociedade do Sagrado Coração de Jesus, os Padres da Fé, a Sociedade da Fé de Jesus e semelhantes. Os ex -jesuítas da Espanha e de Portugal tinham grupos próprios.

Dois soberanos, Catarina da Rússia e Frederico da Prússia, recusa ram-se a promulgar o decreto do papa. Legalmente, portanto, e canonicamente, a Ordem não foi extinta em nenhum dos dois territórios. Ali, os jesuítas se reuniram e formaram um núcleo, elegendo um vigário -geral temporário, o padre lituano Stanislaw Czerniewicz. Quando o papa Clemente XIV morreu um ano depois de extinguir a Sociedade,8 Czerniewicz escreveu ao seu sucessor, Pio VI, perguntando a Sua Santidade o que devia fazer.

Pio VI foi enigmático mas estranhamente encorajador, dizendo a Czerniewicz que esperava que “o resultado de suas orações, tal como prevejo e o senhor deseja, seja um resultado feliz”. Era uma clara referência à restauração, em futuro próximo, da Sociedade.

Os jesuítas da Rússia realizaram cinco congregações interinas entre 1782 e 1805. Cada vez que elegiam um novo vigário-geral, este era autorizado pela Congregação a agir como superior até que a Sociedade de Je sus fosse “universalmente restaurada”. A restauração não demorou a chegar. Em 1801, Pio VII transformou o então vigário-geral, o lituano Franciszek Kareu, em padre-geral dos jesuítas. Na gestão do geral-no-exílio seguinte, o polonês Tadeusz Brzozowski, foram criadas duas províncias oficiais: Rússia e Itália. Por fim, no dia 7 de agosto de 1814, o papa Pio VII restaurou formalmente a Sociedade de Jesus na Igreja universal. O padre Tadeusz Brzozowski foi o padre-geral; como não podia sair do território russo, ele era representado em Roma por um vigário-geral, Mariano Petrucci.

O que se seguiu nos cinq uenta anos seguintes foi uma quase-ressurreição da Sociedade como era antes. Todos os elementos da Sociedade

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