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145 Ninguém poderia prever, então, mas ao aprovar aq uele documento A Fórmula do

Instituto, na qual Iñigo havia descrito a organização que ele queria colocar à

disposição do papado — o papa Paulo III estava dando início à mais eficiente e mais leal organização que a Igreja Católi ca Romana criou em toda a sua história de quase 2.000 anos. O docu mento estava em latim e, como todos os documentos romanos desse tipo, unha como título as primeiras três palavras,

Regimini Militantis Ecclesiae, O Militante da Igreja. Criava a Sociedade de Jesus e

autorizava Iñigoa fazer uma convocação inicial de até sessenta novos membros. Há vinte anos, desde 1520, todo o mundo católico de Paulo II vinha desmoronando à sua volta, numa conflagração ensurdecedora. A revolta protestante na Alemanha e na Inglaterra havia corroído a Fr ança, a Holanda, a Bélgica, a Áustria, a Suíça e a Tcheco-Eslováquia, e infetara todos os outros países. Havia destroçado a autoridade papal, que já fora aceita em âmbito universal; atacara, com sucesso, teorias católicas básicas a respeito do sacerdócio, da Eucaristia, dos Sacramentos, da graça e do cargo episcopal; esvaziara milhares de conventos e mosteiros; liquidara a unidade da fé católica; convertera nações inteiras à nova fé; e inspirara alianças militares e políticas visando à destruição física d o papado de Paulo I I I .

Os esforços de Paulo III para deter a maré contra ele e reafirmar a fé tinham sido dificultados por uma larga e fétida faixa de corrupção cle rical que envolvia todas as categorias da Igreja, de obscuras freiras em conventos morávios até os empregados papais em Roma, uma corrupção tão difundida e aceita como normal, que provocou a ira e o ódio justos dos católicos que pensavam em reforma, e a revolta total de milhares.

Como armas espirituais e morais para defender a si mesmo e ao pa pado, Paulo III tinha apenas algumas sobras de épocas medievais. Or dens religiosas fundadas há muito tempo, com regras antiquadas para os trajes e atividades, animadas por um espírito restritivo, misturado a uma mentalidade opaca ao significado dos cataclísmicos acontecimentos à sua volta, atacanhado pelas tradições, sem capacidade para o vale -tudo da controvérsia nas ruas e nas praças. Procedimentos papais desajeitados, Burocracias papais inflexíveis. Métodos antiquados de pregação. Livros de doutrina expr essos em conceitos inacessíveis à mentalidade comum, num latim não entendido pelo ouvido popular, e em fórmulas latinas pouco compreendidas e mal adaptadas aos problemas atuais. Direitos adquiri dos incrustados, visando apenas à autoperpetuação.

Nenhuma dessas armas era diretamente adaptável ou de utilidade ade - quada contra a nova e terrível ameaça ao papado e ao catolicismo roma no. O fogo universal continuava a devorar as velhas áreas católicas centrais.

Entra esse basco, chamado Iñigo, ou Inácio, o baixinho que mancava, junto com seus dez companheiros.

— Santo padre — podemos parafrasear com exatidão a proposta obs - tinada deles a um Paulo III sitiado —, o papado e a Igreja Católica Romana

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estão numa angústia mortal. É preciso uma arma moderna para lutar nesta guerra totalmente nova. Dê, a nós que somos um grupo de companheiros, uma carta constitucional como nenhuma carta dada antes a uma ordem religiosa de homens. Livre-nos da estrita vida monástica, de suas regras, de seus trajes formais, de seus métodos tradicionais. Faça- nos independentes de todas as autoridades locais e diretamente responsá veis somente a Vossa Santidade. Organize-nos como um grupo especial de homens do papa, de seus soldados. Com um novo propósito: servir sob as ordens de Vossa Sant idade, o pontífice romano, para defender e propagar a Fé. E deixe -nos vincular-nos de forma nova a Vossa Santida de e a todos os sucessores de Vossa Santidade ao papado. Permita que façamos um voto especial de obediência absoluta, sobre o nosso juramento sagrado, diretamente a Vossa Santidade, de que, sem hesitação ou protesto, iremos a qualquer parte, a qualquer hora e com qualquer risco pa ra a vida e o nosso conforto, a fim de fazermos o que quer que Vossa Santidade ache necessário para a defesa e a pro pagação da fé.

— Nisso há a mão de Deus! — diz-se ter sido a resposta de Paulo. Era, afinal, exatamente daquilo que ele precisava. Assim, formalmente e com a assinatura papal, o papa aprovou a nova “Companhia”, como Iñigo chamava a si mesmo e seus dez compa nheiros. Na verdade, ele a chamava de Companhia de Jesus. O nome passava pelo latim Societas Jesu, e saía do outro lado como Sociedade de Jesus ou — um apelido derrisório que seus inimigos lhe deram logo — os jesuítas.

Em 1542, Iñigo já estava instalado na primeira casa jesuítica em Ro ma, um velho prédio de pedra no Borgo Santo Spirito. Num curto espaço de tempo, ele conseguiu construir uma residência na qual contava com três pequenos cômodos, de teto baixo, à sua disposição. Do outro lado da rua, em frent e à casa, havia uma pequena capela dedicada a Santa Maria della Strada. Naquele ambiente, no centro de Roma e bem perto do Palá cio Apostólico em que morava o papa, Iñigo iria viver, trabalhar, morrer e ser enterrado.

Iñigo estava, agora, com 51 anos de idade, com uma saúde muito fraca, mas com uma feroz capacidade de trabalho. Dormia muito pouco. Seus dias passavam em duas ocupações: redigir as Constituições e administrar as crescentes atividades da Sociedade de Jesus que se expandia, por meio de volumosa correspondência. Naqueles últimos quatorze anos de sua vida, ele escreveu e ditou mais de sete mil cartas, todas assinadas por ele. Recebia extraordinárias graças místicas e praticava um tipo de contemplação espiritual que não teve outro maior do que ele registrado na história da espiritualidade. Ao mesmo tempo, estava imerso em deta lhes concretos, em decisões práticas. Contemplação e ação pareciam enredar -se à perfeição em seu ser, de modo que só podemos nos maravi lhar diante da justeza de julgamento qu e o entrelaçamento perfeito pro duzia.

Temos conhecimento de detalhes suficientes sobre o seu intenso tra balho durante aquele último período de sua vida — nada era fácil para

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