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49 Era um sistema apurado e cuidadosamente elaborado, mas seu princípio central

é muito simples: todo o significado da Cristandade como

religião se resume a uma conquista — a libertação de homens e mulheres, pela revolução armada e violenta se necessário, da escravidão econômi ca, social e política que lhes era imposta pelo capitalismo norte -americano; libertação essa a ser seguida pela instaur ação do “socialismo democráti co”. Nesse sistema “teológico”, a chamada “opção” pelos economica mente pobres e politicamente oprimidos, no início chamada de opção “preferencial” pelos bispos católicos da América Latina em sua confe rência de Medellín, Colômbia, em 1968, tornou-se totalmente exclusiva: havia um inimigo — as classes capitalistas, média, superior e baixa, loca lizadas em sua maioria nos Estados Unidos. Só o “proletariado” — o “povo” — seria fomentado pela imposição do marxismo.

A Teologia da Libertação era o plano perfeito para os sandinistas. Ele incorporava o verdadeiro objetivo do marxismo -leninismo. Partia do pressuposto de que a clássica “luta de massas” marxista ficaria livre de todo o domínio capitalista. E acima de tudo, o bebê marxista estava, finalmente, enrolado nos cueiros da velha terminologia católica. Palavras e frases carregadas de significado em favor do povo foram cooptadas e viradas de cabeça para baixo. O Jesus histórico, por exemplo, tornou -se um revolucionário armado. O Cr isto místico transformou-se em todas as pessoas oprimidas, coletivamente. A Virgem Maria se tornou a mãe de todos os heróis revolucionários. A Eucaristia se transformou no pão feito livremente por operários liberados. O Inferno se tornou o sistema ca pitalista. O presidente americano, líder do maior país capitalista, passou a ser o Grande Satã. O Céu se tornou o paraíso terrestre dos trabalhado res, no qual fica abolido o capitalismo. Justiça passou a ser a extirpação dos lucros capitalistas, que seriam “devolvidos” ao povo, ao “corpo místico" de Cristo, os socialistas democratas da Nicarágua. A Igreja se tor nou aquele corpo místico, “o povo”, decidindo o seu destino e determi nando como venerar, rezar e viver sob a orientação de líderes marxistas.

Era uma síntese brilhante, pronta para ser usada e aguardando ape nas pelos ativistas que se dedicariam a erigir uma nova estrutura sócio - política sobre a sua base, tal como um edifício se ergue de uma planta.

O povo nicaraguense foi a primeira cobaia na qual a t eoria foi usada em caráter experimental. E os sacerdotes que eram membros -fundadores da liderança sandinista — o jesuíta Fernando Cardenal, Ernesto Carde nal, Miguel D’Escoto Brockman dos padres Maryknoll, o jesuíta Alvaro Arguello, Edgar Parrales da diocese de Manágua — tornaram o experimento duplamente abençoado e com probabilidade de sucesso. Se aque les homens, devidamente ordenados como sacerdotes, conseguissem passar essa nova mensagem “teológica” — segundo a qual a revolução sandinista era, na verdade, uma questão religiosa sancionada por porta -vozes legítimos da Igreja — ficariam com o clero católico e com o povo como aliados numa revolução ao estilo marxista pela violência armada.

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do, baseado numa análise profunda do povo nicaraguense e seu clero. Também não há dúvida de que os primeiros coniventes com a trama fo ram os próprios sacerdotes; há, até, pessoas que vivem em Manágua hoje e entre destacados exilados nicaraguenses no Panamá, em Honduras, e em Miami, Flórida, que apontam para Fernando Cardenal como o prin cipal arquiteto do plano. Mas as provas que existem indicam que ele não foi o único jesuíta envolvido.

De qualquer modo, o empreendimento sandinista foi constante e bri - lhantemente explicado, comentado com sutileza e incutido nos ouvidos de seminaristas, freiras, estudantes universitários e do povo por um nú mero crescente de seus professores e conferencistas jesuítas, franciscanos e dos padres Maryknoll em todas as escolas da América Central. A época de semeadura foi bem aproveitada, com vistas à doutrinação marxista fi nal. O patético depoimento, num tribunal, do jovem nicaraguense Edgard Lang Sacasa revelou ao mundo, já em 1977, que tinham sido seus educadores sacerdotes que haviam convencido a ele e a milhares como ele a entrarem para as tropas guerrilheiras sandinistas.

De mãos dadas com essa nova Teologia da Libertação seguia, por necessidade, o estabelecimento de uma nova e “maleável” estrutura da Igreja, para substituir a antiga. Na estrutura tradicional católica roma na, os conhecimentos sobre Deus, Cristo, salvação cristã, moralidade pes soal e destino humano derivavam dos pastores hierárquicos da Igreja — ou seja, do papa e seus bispos. Eram eles a única fonte autêntic a do conhecimento sobre a fé; fora deles, não podia haver conhecimento preciso sobre a Cristandade. A submissão a eles e a aceitação de seus ensinamen tos e leis eram necessárias à salvação.

Era precisamente essa estrutura, na qual o controle supremo pert ence a Roma, que se colocava entre os sandinistas e o povo. E foi precisa mente essa estrutura que os primeiros teólogos -arquitetos da Teologia da Libertação, baseados na Europa, criticaram. Essa estrutura era, diziam os teólogos da libertação, ditada por “uma visão de cima” e “imposta de cima” ao povo “embaixo”.

O teólogo da libertação Leonardo Boff, franciscano, ensinando num seminário brasileiro, expressou-se em termos que Fernando Cardenal e seus colegas de clero teriam apoiado: “Tem havido um processo histórico de expropriação dos meios de produção por parte do clero, em detri mento do povo cristão.” Boff não estava falando sobre indústria e comércio, mas sobre teologia e doutrina religiosa; os meios de produção — a “fábrica”, como ele a chamou — eram a pregação do Evangelho.

De acordo com os novos teólogos, a imposição “romana” e, por tanto, “alienígena” da doutrina religiosa era a verdadeira razão pela qual a injustiça social e a opressão política floresciam em terras onde essa Igreja hierárquica florescia. Em terras como os países latino -americanos. Em países como a Nicarágua. Além do mais, prosseguia o argumento, a Cris tandade e especificamente o catolicismo não era apenas alienígena em si mesmo e de si mesmo, mas havia sempre acompanhado a invasão de culturas

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